18.4.03

Simone, a feia

Inspirada em Beth-a-Feia e Frida, e também nos acontecimentos da tarde, resolvi me disfarçar de feia. Não que eu seja uma capa de revista, mas é que os caras mexem com qualquer coisa que use saia e seja remotamente certinha.
Coloquei meus óculos para leitura, que nunca uso no dia-a-dia porque apertam meu nariz. Coloquei uma calça jeans e um par de sandálias havaianas. Coloquei uma blusa qualquer, mas não importava: ela não ia aparecer sob o grosso casaco que eu ia colocar por cima. Prendi o cabelo molhado (que depois, evidentemente, se arrepiou) num rabo baixo, deixando as orelhas aparecerem bem. Arrepiei a sobrancelha. Escondi os lábios - com os dentes, para parecer a Mônica dentuça. Curvei os ombros pra esconder os peitos, e finalmente, treinei andar como uma pata, quase manca, mas não muito, senão poderiam desconfiar da farsa.
Sucesso total. Quando algum pobre senhor dava uma olhadinha, eu caprichava mais nos dentões. E ele desviava o olhar. Mas o melhor mesmo foi quando saltei do ônibus, em plena Copacabana. Meu andar de pato espantou até mesmo os olhares que EU procurava. Comecei a sorrir, com o mórbido prazer da feiúra, uma visão aterrorizante para aqueles idiotas superficiais.
Superficiais sim. Porque reparei duas coisas. A primeira: mesmo que a mulher esteja no prego, se estiver usando minissaia eles olham. Entrou uma bem já-era. Mas estava de saia curta, então... A segunda coisa que pensei é que não devia ser assim. A beleza deveria ser uma bênção e não uma maldição. Eu não tinha que ser obrigada a me vestir de feia para me permitir um sorriso. Mas os homens não permitem que as mulheres saiam nas ruas e gozem de uma verdadeira liberdade, andem saltitantes, sorriam quando estão felizes. Se chamarem a mínima atenção, a qualquer momento pode surgir um idiota e deixar claro o lugar dela com um olhar invasivo ou até uma palavra grosseira. "Você não pode ser feliz: a tesoura corta o papel. O papel jamais eclipsa a tesoura, muito menos a ignora". (Pensei nisso agora. Mas é verdade.) Andamos contidas, cerceadas, e mesmo assim, a qualquer momento... o inferno. Não gosto de viver assim.
Nada como um estudo antropológico. Agora vou para Araras. Não pretendo voltar até o fim do feriado, mas quem sabe?