28.12.04

Depois que alguém se auto-oxida ou se auto-incendeia sob o seu teto, a casa tem que ser vendida porque parece um túmulo. Mas isso aqui é um mausoléu.

27.12.04

Preâmbulo

O probrema é com os pobres de espírito. Falo especificamente deste país. Um pobre pobre de espírito está no seu lugar, ou pelo menos tem a desculpa perfeita. Não ganha nada deixando de ser pobre de espírito porque as cousas elevadas custam mais caro do que cerveja e tevê; só sofrerá por não tê-las, nem ter como tê-las (alguns criminosos bem surgem desse atrator, não há como negar). É possível que todos os empregos que têm condições de obter comecem a ficar insuportáveis e é possível que acabem, no final das contas, ainda mais pobres. Às vezes podem virar evangélicos. Evangélicos que seguem a doutrina enriquecem depressa, e não porque roubem ou qualquer coisa do gênero, é porque amam o trabalho e abrem empresas, empresas que são supervigiadas mas em compensação os bons empregados sobem rápido, e geralmente também são evangélicos que amam o trabalho. Mas continuam pobres de espírito, é claro, salvo raríssimas exceções. É verdade: Jesus inclui pobres de espírito numa boa-aventurança, não lembro qual, além de comparar os fiéis a ovelhas, pombas, ou seja, nenhum animal de notória inteligência.
Um rico pobre de espírito é não só o que se chama de boçal mas também os que fingem que não vêem os boçais (e os pobres etc.) e os que partem pra cima dos boçais (e dos pobres etc.). Respeito os que notam os boçais, reconhecem que eles são odiosos e juram silenciosamente jamais voltar àquele recinto, recorrendo ao maître somente em último caso (tem uma revelação da MPB na minha sopa); os que têm camisas Lacoste, os que sabem que o mais caro não é quase nunca o melhor; os que vão ao lugar mais discreto, não ao mais badalado. O que é raríssimo.
A classe média tem que ficar fazendo força entre duas paredes que se fecham como uma ostra tentando engoli-la. Muitos pensam em atravessar, é claro, para o lado dos ricos, mas para isso têm que se comportar de tal e tal maneira, falar com tais e tais pessoas, e dependendo da raríssima oportunidade que se lhes apresenta e do rabo que se lhes prende, viram boçais, deslumbrados, pitboys ou adquirem cegueira-surdez seletiva. A zona entre ricos e médios é a mais fértil tanto para os miseráveis como para os nobres de espírito.
Dito isso vamos à

Parábola

A mãe diz que agenda, bateria e óculos de grau não se compra em camelô, mas lá vai a moça olhar a pilha da barraquinha perto do metrô. A marca é Duramark. No meio delas está perdida uma Panasonic. Pergunta quanto está. O homem sai de trás da barraca e se posta à frente dela antes de responder: um e cinqüenta. Nisso, a moça vira a embalagem e vê que está rasgada, as pilhas meio arranhadas, indubitavelmente meio-esvaziadas, reutilizadas, o homem não sai dali - diz:
- Você vai me desculpar, mas esta pilha está aberta. O senhor não tem outra?
Ele olha espantado, como se ela fosse tonta, e mostra as Duramark:
- Tem, sim.
- Não, dessa Panasonic.
Ele procura vagarosamente. Não tem.
- Acabou...
Ele coça a cabeça.
- Olha, leva essa mesmo. Olha só: (ajeita a embalagem para esconder o rasgo) como nova. Nem parece que foi aberta. Está nova, ninguém usou não.
- Não, prefiro não. Obrigada.
- Leva essa aqui então (a Duramark de novo). Vai levar?
- Não... (vagamente assustada) não quero essa marca. Obrigada.
E caminha. O homem fica estatelado no lugar por um segundo. Um segundo depois ele brada, punho cerrado no ar:
- Pobretona! Não tem dinheiro! Tá sem dinheiro nenhum: é por isso que não quis! (Ele olha triunfante para os outros camelôs. Descobriu tudo!) Não tem dinheiro pra comprar a pilha e fugiu, né? Tá sem dinheiro nenhum, não pode pagar, fingiu que não quer! Tá sem dinheiro!
E ele continua além dos limites razoáveis de tempo regulamentar até para uma sessão de insultos cabível, constrangendo a moça por toda a humanidade.
Dois fatos sobre o fim do ano

1. Chineses entram no metrô. Gringos entram no metrô. (Chineses não são gringos porque gringos têm que ser vermelho-camarão e se vestir com bermuda cáqui, camisa de malha e mochila estilosa. Chineses se vestem como os brasileiros e têm cara de nordestinos de olho puxado, mas no fundo, são mineiros, tenho certeza disso.)
Tenho visto cada vez mais chineses turistas. Outro dia estava esperando para atravessar a rua e um ônibus abriu uma porta de onde saíram chineses como coelhos. Reaglomeravam-se ordenadamente e me olhavam: fui a primeira coisa da cidade que eles viram, e devem ter pensado "ué..." em chinês.
No No Shopping, uma das opções era "Juliana" fechar com "Lino" (relaxe, não vê que estamos os dois à margem?). Isso aconteceu. Imagine agora os cafundós de um Ministério chinês, um passando pro outro papéis que ordenam: subsídios às passagens para o Brasil. Propaganda positiva sobre o Brasil. Reportagens no jornal do Estado sobre o Brasil. Os chineses descobrem, subitamente, que o Brasil é um país muito legal e empenham os seus Ren Mi Bi aqui, bem aqui.

2. Me dou conta que vou presenciar ao vivo a chuva de papel picado infalivelmente anunciada pela Globo. Já se tem jogado tímidas bordas de formulário contínuo.
O centro tem sido invadido por estênceis do tipo que eu via perto da minha ex-rua (estênceis do Apavoramento Sound System, que mistura Kraftwerk, batidão de funk e coisas bizarras em geral - fear the bass e baixe os cards de Carrie, Audrey e Scanners). Não sei se são eles. Mas que é algo sistemático, isso é.
Esta é fácil de encontrar: em frente à estação Carioca, na faixa de pedestres, uma caveira cercada por setas vermelhas. Tem outras pela cidade também, geralmente perto do metrô.
Na rua da Quitanda tem uma concentração especial por causa de um parque de tapumes propícios. Tem o rosto do seu Madruga (14 meses de aluguel atrasado), um boneco apontando a arma pra cabeça do outro, entre outras coisas, muitas outras, melhor que o CCBB - e pichações também, dizendo coisas do tipo sorria! você está trabalhando pros outros. Aprendizes de Edukators.

24.12.04

Como Monteiro Lobato estragou a minha vida

O aquecimento de Educação Física era única hora em que as meninas se uniam: para remanchar na corrida, gemer nas duas últimas abdominais, regatear doze em vez de quinze. Mas eu ficava lá, firme até a trigésima abdominal, a quinta flexão, o último passo da corrida: aquilo não doía nada! Se doía, havia coisas que doíam mais, pensava eu, estóica: nunca ouviram falar de Sêneca? De mens sana in corpore sano? Esparta e Atenas? E xingava mentalmente o equivalente greco-evangélico a fuck you bitches, algo como hedonistas, xô pro inferno. Solitária é pouco.
Ler aquilo tudo aos 7 anos de idade, os 12 volumes infantis, e ter gostado mais da História do Mundo para as Crianças e Os Doze trabalhos de Hércules, Tomo Um e Tomo Dois, deu nisso, entre outras coisas.

22.12.04

Estão aqui milhares de sugestões de palavras capazes de exprimir com precisão suas necessidades, idéias e sentimentos.
Então tá.
Coffee-table book

Todos os ricos se conhecem. Apresentar à sociedade. Débuter. Numa transação, os ricos se esbarram. Então ficam dizendo como este mundo é pequeno! em meio a decoração Tok & Stok. O Banco Santos tinha vários clientes importantes, entre eles o grupo Votorantim, estão atrás deles agora. Minha filha estuda no Santo Inácio, o colégio mais humano. Cansei das empregadas -- roubou! Aceita coca light? A outra meteu a menina, seis anos, imagine, no Opala preto do namorado, tinha cara de bandido, pediram para a menina fechar os olhinhos, ficaram no maior amasso no banco da frente. Amenidades. Agora que tal transferirmos estes vinte mil pelo internet banking? Não dá depois das dez, é por causa dos seqüestros-relâmpago.

A reprodução entre ricos e ricos apenas e a falta de mobilidade social provocam a falta de diversidade genética. A falta de diversidade genética provoca crimes estéticos como o que vi comprando um lanche no McDonald's do Leblon outro dia. No Leblon que era onde os Paralelos discotecariam, mas foram enxotados para a Cinelândia para dar lugar para a festa de uma academia (oito anos, data de extrema importância). Coletânea de monstruosidades, monstrinhos de nariz torto, boca grande, dentes horríveis, dedos roliços, unha fêmea, pêlos demais. Aí fazem plástica, passam um mês de adesivo no nariz, um ano de aparelho, as férias num spa, depilação a laser, unha de porcelana, mas Lamarck estava errado. As características adquiridas não passam para os filhos, a tendência é só piorar, bebês com cara de joelho ralado e inflamado de pus.
O crime ambulante estava arrolado como "cocota", numa foto que vi num jornalzinho de terça. "Cocota" na acepção "freqüenta a praia no Leblon". Isso explica o namorado negro e pobre (Cidade dos Homens), com o qual não casará: é permitido se divertir na adolescência, as clínicas clandestinas estão aí pra provar, mas é preciso manter o patrimônio, vão-se os anéizões, ficam os dedões.

18.12.04

A mãe de uma anoréxica de 13 anos dizendo: como assim, não quer? que coisa feia, você nem parece mocinha! coma feito gente grande, vamos.

É isso que vem à cabeça em certas tristes situações.
Limbo ahoy!

Onde o vento faz a curva. Microclima londrino. Máquina de coca-cola a um real. Um-quarto. Perto do metrô. Poucas crianças. Piscina e academia vazias. Vizinhos introvertidos com a casa lotada de livros. Porteiros-gentlemen. Síndico eficiente. Tábuas corridas. Paredes não-brancas. Tomadas, tomadas de sobra. E gente querendo vender.
Parece um lugar criado pela minha imaginação. Mas existe.

15.12.04


You're sick! You're sick! You're sick!

Robert Crumb, América, páginas 66-73. Meu pensamento imediato foi pegar as outras 24 escritoras, ou as outras 49 se contar o próximo volume, e fazer algo assim na ABL. É perto de tudo, uma operação rápida, estratégia simples, ataque durante o chá da tarde, depois era só dispersar: metrô, ônibus, mototáxi. Tenho certeza que convencia pelo menos a Cecília Giannetti, a Ana Paula Maia e a Tatiana Levy. Não sei se Índigo e Clarah tomariam um avião. Mas existe a imprensa, que não está no gibi, literalmente. Aí perde a graça toda.
Bom, mas tomar uma atitude, de qualquer forma, não é questão de ser mulher. Olha aqui algo com que sempre sonhei prestes a acontecer. Uma panelinha de onde sai pipoca, finalmente.

14.12.04

Sobre apartamentos

1. É tão difícil achar um-quarto no Rio. Tudo porque a família é a base da sociedade. Dois quartos é o mínimo construível, um-pro-casal outro-pras-crianças. Até o três quartos é mais individualista que o dois-quartos, que pressupõe um casal ou um dos pais (quarto 1), um filho (quarto 2) e uma filha (quarto 3).
2. Se eu estivesse procurando "dormitórios" ao invés de "quartos", creio que não só acharia um-dormitório fácil fácil, como também prédios mais bonitos. Já passeou por Pinheiros? Aparentemente, como aqui a cidade era bonita, não quiseram se esforçar tanto na arquitetura. Resultado: já passeou por Copacabana? Aqui nesta cidade me dizem: você é muito exigente. Só porque não gosto de prédios pintados com cor de molho de ovo de codorna (rosa-alaranjado), cobertos de fuligem ou de arquitetura monstruosa.
3. Existem, sim, os "maravilhosos" apart-hotéis de um-quarto, de arquitetura linda e muito bem conservados. O que é terrível são os mimos embutidos: você paga, sei lá, 700 reais de condomínio e tem Net, banda larga, arrumadeira, lavanderia, academia, o diabo. Eu acho isso uma coisa perversa: o recém-separado, passado das mãos da mãe à da mulher, é então passado das mãos da mulher para o da instituição. Babás de adultos.
4. Quero aprender a ralar, porra, e quero ralar sozinha, ralar cocos e raízes na ilha deserta, fazer empanados de banana e peixe com farinha de mandioca, sozinha com meus pensamentos. Que sociedade é essa que não reserva ilhas desertas para seus ermitões?

13.12.04

E agora sim falando do filme em si: quem sabe o argumento não veio da própria situação da Pixar, jovial e fantástica fábrica de sonhos obrigada a fazer três filmes, com direitos reservados, para a triste e decadente Disney? (o incrível trabalhando pro medíocre etc.)
Fui ver Os Incríveis no sábado. O filme, vou pular, adorei, certo, e se você não viu, talvez queira deixar pra ler este post depois. Vou falar de depois do filme. Estava na cara que grande parte das pessoas saía do cinema se identificando com a especialidade dos heróis, ah, sim, todos pensando contra a mediocridade uniformizante, todos eles orgulhosos pela própria singularidade, que sentimento gostoso de se perder, e saber que todos se sentem assim também, igualzinho a mim, que ótimo esse filme, hein?
Iupii. Lá vou eu desconstruir a alegria das pessoas:

1. O plano do vilão: criar para si uma especialidade falsa que pretende vender a todo mundo - e, como ele mesmo diz, Se todo mundo é especial, então ninguém é especial. O vilão tem certeza absoluta, inquestionável, de que é especial (Bush). Para ele, seus atos são todos justificáveis porque ele é especial (übermensch, anyone?). A família de heróis sente vontade de ajudar, não é questão de auto-promoção, como no caso do vilão, mas se eles se destacam tanto, e há o que enfrentar, é ridículo obrigá-los a nivelar por baixo.
2. Ouvi dizer que a comunidade do Orkut "Eu sou exceção" conta com mais de 20 000 membros.
3. Anúncios do Itaú ("Feito para você") para todos os que se chamam João etc.
4. O capítulo nove do A louca da casa, Rosa Montero.
5. Alanis Morissette se considera especial. Britney Spears, Paulo Coelho e FHC também.

As pessoas que se acham especiais costumam choramingar muito. Muito biquinho também. O mundo não lhes dá o devido valor. Choramingam nas músicas, seja gemendo mesmo ou arreganhando bocas e caras, e nos jornais, dizendo que os críticos não o compreendem, são preconceituosos e ressentidos, e o reconhecimento daquele cara mais reconhecido que eles não é justo, todo mundo sabe que ele só me imita!
Não digo que não sejam especiais, quem sou eu, mas digo com toda a certeza que os atos de auto-celebração/piedade são todos bem ridículos. Disso nenhuma especialidade transparece, muito pelo contrário.

Especial já perdeu todo o seu valor como rótulo positivo. Hoje, se ouço isso, rio. Especial deveria ser uma coisa muda e generosa, aplicável aos outros em silêncio, e não a si mesmo e em altos brados. Tó gente especial: a que fez Os Incríveis, pelo menos uma parte da equipe deve ser.

Falo com conhecimento de causa. A especialidade é um sentimento adolescente e decadente. Já me achei superfantástica, especial demais etc. até compreender de verdade a lição de outro grande filme, Clube da Luta:

You are not a beautiful and unique snowflake
You are the same decaying organic matter as everything else
We are all part of the same compost heap
We are the all singing, all dancing, crap of the world


Não é bonito. É feiíssimo. Eu sabia fazer muitas coisas melhor que muita gente, mas outras pessoas sabiam fazer muito melhor que eu coisas que eu não sabia, como cozinhar e fazer contas, e isso desmentia minha especialidade. Desmentia porque era falsa, como é falsa a idéia cristãzinha-esquerdinha de que todos são iguais. Nem uma coisa, nem outra. São variáveis: talento, esforço e sorte, ou chame e subdivida como quiser, e monte a sua equação se souber fazer tal coisa. It doesn't get any better than this.

12.12.04

I want it NOW!

Novo de Tim Burton: remake da Fantástica Fábrica de Chocolate. Umpa-lumpas tecladistas e esmagadores de guitarras, Miguel Tevee (ou Tevel pra quem leu o livro) viciado em Playstation e Johnny Depp como Willy Wonka. Vou depenar crianças pra ver na pré-estréia, quero nem saber.

7.12.04

Não sei explicar minha estranha atração por músicas que mudam (de ritmo ou de tom ou de arranjo). Talvez ela tenha começado com #9 dream, do Lennon, que tocava muito quando eu era pequena. Depois se consolidou com Live and let die, que ainda por cima era grandiosa. Tem a Perfeição, que muda no final (Veeeeeenhaa...), uma das poucas que eu gosto do Legião Urbana. Tinha outra, graciosa, do Paul Simon, não me lembro qual... Até a Rapsódia Húngara do Liszt, aliás, tem mudança drástica de ritmo (fica repentinamente frenética...) e a maioria das clássicas contém evoluções e mudanças.
Ultimamente, tenho ouvido muito, exaustivamente mesmo, a Human Wreck do Adult. A versão mais recente, radio edit: que música.
E agora tem a Take me out, do Franz Ferdinand. Eu ouvia no rádio e não entendia o que tinha aquilo. Quer dizer, a música era boa, mas faltava alguma coisa. Quando consegui escutar toda e vi que mudava de ritmo... achei poderosa.
Life in Mono

Amanhã apresento minha monografia. Vou disponibilizá-la aqui (ou em outro lugar) em breve (ou algum dia). O negócio é que fiquei feliz: meti devidamente o pé na jaca. Esse país é muito "bonzinho" na hora de criticar. Isso deixa as pessoas hipersensíveis: se você critica, elas fazem beicinho e começam a dizer que você é mau e que não gosta delas. Então tá. Fui muito "má" nessa monografia, inclusive com gente que eu gosto (muito) mas merecia uma criticada pra melhorar. Mais amigo é quem avisa.

O nome é Mudanças no equilíbrio de poder: o caso Napster. Idiota, mas eu precisava de um nome, e rápido, antes que a Mércia Roseli da secretaria viesse me pegar.

Umas amostras:

Diz-se, é claro, à boca pequena, que Colombo já sabia, ou tinha uma noção de que havia alguma coisa lá, no além-mar, no meio do caminho até as Índias, e foi por isso que, em vez de seguir a costa da África, discretamente virou o leme para estibordo. Esperança? Sede de conhecimento? Vontade de se encontrar, quem sabe? Só se sabe que muitos entram na internet com essa secreta disposição: esbarrar na sua América. O Napster foi a América de muita gente.

Eis a questão: quando o entusiasta da música percebeu que, como ele, muita gente (e cada vez mais gente, pois o número de usuários aumentava a olhos vistos) estava insatisfeita, ele concluiu que as gravadoras é que estavam erradas. O usuário perdeu sua timidez ao constatar-se massa (FREUD, 1974, p. 96 e 97), uma massa com os mesmos interesses, conectada através de um sistema tecnológico revolucionário e voltada para um mesmo ideal quase romântico. O Napster virou uma desobediência civil globalizada (THOREAU, 1876). O senso de responsabilidade de cada indivíduo enfraqueceu: sim, parecia com roubar música, mas as gravadoras não podem processar a todos nós, simplesmente porque precisam de nós - como consumidores[1]. Nem os artistas poderiam reclamar, pois isto os tornaria impopulares[2]. Seria um tiro no pé.

[1] Ironicamente, isto acabou acontecendo. A RIAA processou usuários da rede peer-to-peer de vários programas inspirados no Napster, selecionados a partir de sorteio. Um deles foi uma menina de 12 anos, Brianna LaHara, que alegou pensar que se tratava de um serviço incluído no seu provedor de serviços de internet. (PIROPO, 2003).
[2] Isto também acabou acontecendo. O primeiro e mais famoso caso foi o do grupo Metallica, que conseguiu perder milhares de fãs da noite para o dia.

Mas essas não são da parte mais divertida... tem a conclusão, que mete o pézão na jaca, e antes da conclusão, a parte da análise de discurso, em que eu fiz carinha malvada de expressionismo alemão enquanto teclava.
I will sell this house today

Carolyn Burnham pôs o anúncio da casa em que estou morando no domingo passado, sem me consultar, é claro. Zero pessoas ligaram.

Sim, ela pretende comprar uma casa pra mim com "até metade do dinheiro", mas em nome dela, é claro. Eu preferia juntar mais dinheiro antes de comprar o meu pardieiro (o local para onde uma pássara voa no fim do dia), e até aceitaria isso se ela não fosse fazer o que ela sempre faz: invadir.
Talvez eu venha a mergulhar no lodo da terminologia contratual e emergir com um auto-elaborado contrato, a ser passado pelo crivo de um bom advogado e então assinado e juramentado em cartório, que estipule que ela não terá direito a chave, visita, hospedagem, palpite na decoração, opinião a respeito dos meus convidados ou conversinha com o porteiro (ela arranca qualquer coisa de um porteiro).
Ou talvez eu vá morar de aluguel.

4.12.04

Para ouvir num sábado calmo, de manhã: Underworld - Winjer.

3.12.04

Mais louco é quem me diz

O saxofonista da Carioca toca muito melhor quando está nublado. A diferença é notável. As pessoas passam por ele com cara de o que você está fazendo? me deixe continuar aqui, no meu desespero mudo. Ele grita, o saxofone. Realmente, outra coisa. Quase me fez dar dinheiro pra ele. Mas justo agora, não dá.
Na volta, a minha volta, ele tirou o lábio do bocal para gritar rouco-dolorosamente, A vida é louca! A mulher morreu do meu lado, mas eu continuei vivo! Acabou a frase, soprou de novo num blues-jogral.
Apesar de pessoalmente não usar drogas... i know how it feels.
(Desculpem os puristas, é que passo o dia inteiro vendo inglês na minha frente, e pensando de lá pra cá e de cá pra lá. E o pior é que eu adoro.)
(Episódio em que a Lisa Simpson encontra o Bleeding Gums' Murphy, hm?)
Castelo de cartas. Castelo de areia. Coroa de lata.
Sei qual foi o problema. Mamãe, você não devia ter me deixado ler Pele de Asno.

1.12.04

Eram quatro as irmãs que, fosse na França, se chamariam Adèle, Albertine, Amélie e Marguerite (alias Margot); cantariam pelos prados, colhendo girassóis. Albertine se identificaria com a heroína de Proust, Marguerite (a mais chamada, não por ser a pior, mas a mais consonantal: Mar-guerrrr-rri-te!) imitaria a Joana D'Arc, Amélie viveria uma vida Poulain e Adèle ia fazer queijo e fumar; fossem inglesas, ou americanas, seriam apenas dois os nomes decentes, Delia e Amelia, mas os apelidos de Maggie e Tina compensariam seus títulos feiosos; iriam em grupo à universidade de pulôver xadrez, giggling à vista dos rapazes de olhos verdes. Mas não, elas tinham que nascer no Brasil e se chamarem Adélia, Albertina, Amélia e Margarida/Guida, e a história nem queiram saber, nem os filhos, nem os netos.

30.11.04

Sendo do jeito que sou, that is, quase esquizóide, enfadada de gente, não é de se admirar que pessoas que estão acostumadas a serem admiradas, that is, o centro das atenções, me odeiem por sequer notá-las ou por criticá-las como a qualquer mortal e, coerentemente, é preciso dizer, experimentem uma vontade irresistível de me insultarem, satisfazendo, ao mesmo tempo, à sua necessidade de chamar a minha atenção e ao seu ódio vingativo. Não sei se as mais engraçadas são as que se abandonam a este impulso, ainda que organizada ou criptograficamente, ou as que - uungh! - tentam arduamente resistir a ele. Estou pra ver ainda alguma dizer ei, ei, olha pra mim, mas tenho medo desse dia. Até porque eu poderia gostar.
À direita

Na saída do metrô da Carioca, encaro duas escadas rolantes. Lembro do metrô de Londres, as pessoas enfileiradas à direita das escadas intermináveis até onde a vista alcançava. A esquerda, como no trânsito, era a via expressa; quem tivesse energia para subir as stairways to heaven, tinha perfeitamente como passar. Os turistas, acossados, adaptavam-se rapidamente sob os olhares severos dos nativos.
Que coisa engraçada. Aqui tem o mesmo adesivo que lá - "mantenha-se a direita" - colado exatamente no mesmo lugar, mas aparentemente ninguém lê. E aliás, precisa ler? Mesmo que não se fique sempre à direita, deixe um pobre apressado subir em ziguezague. Não entupa a escada. Sim, porque tem gente que entra num degrau à direita, atrás de um cidadão consciente, e logo é tomado de súbita pressa, que se esgota inexplicavelmente no degrau à frente, bem do lado do cidadão consciente, estressando desnecessariamente quem planejava (esperança vã) subir pela esquerda.
Assim me vejo acometida de um surto direitista, interprete como quiser: se a gente tivesse uma guerra, talvez as pessoas aprendessem a se posicionar no mundo. Um corpo ocupa um espaço, caramba, e o espaço que o seu corpo ocupa numa coordenada x, y e z no tempo t tem conseqüências. Numa guerra, essas conseqüências só são mais rápidas e graves; quem não se liga, babau. Se bem que já estamos em guerra.

29.11.04

A professora-gracinha dizia que o novo perigo tinha outra cor, não mais vermelha, sabem qual é a cor do novo perigo? Cutucava o quadro verde dramaticamente, após outra das constrangedoras pausas no burburinho constante, os nerds tendo parado de ler seus outros-livros e ficado a olhar para ela:
- VERDE! O perigo VERDE, queridos.
Éramos sempre queridos. E o jeito de falar. Se antes o método era simpático e estimulante, depois ficou engruvinhado de musgo, empedrado. Excelente até o fim mas...
Nessas horas de puro agaste, eu murmurava mentalmente o mantra: mmm skyscraper i love you. Música do Underworld. Da qual até aquele momento eu só conhecia o título, que achar uma MP3 na internet àquela época era coisa de louco. Inventei um jeito de pronunciar o título. No meio de 2000 consegui baixar dois minutos dela pelo Napster e descobri que estava cantando certo: uma vírgula entre skyscraper e i love you e a pronúncia sexy e arrastada de uma ressaca. Apesar de não ter pensado no eco (love you love you love you...).
Verde, explicava a professora, é a cor do Islã. Os muçulmanos se organizam em grupos extremistas xiitas que mmm skyscraper i love you .
Achei que fosse uma dessas previsões doidas de supercrash tipo as do Arnaldo Jabor e i see porn dogs sniffing the wind for something violent that they can do.
E só agora, tendo escutado constantemente Push Upstairs nos últimos dias, me dou conta que a música repete incessantemente tina? tina? tina?

27.11.04

Lady in the lake - Elysian fields

But it doesn't matter anyway
I'm on the wrong side of the water
Oh wont you listen to the lady in the lake
A nave da Xuxa desceu na Ploc e causou comoção.

24.11.04

Temporada de caça 2005

Sabem que me decepcionei amargamente com o filme nacional de que eu esperava tanto esse ano, Nina.
Agora estou animada com isso. Parece que pode sair meio bobo - é o único risco - mas só de mexer com algumas coisinhas do cinema nacional, já merece minha atenção e dedicada torcida. Torcida para que seja bom, é claro. Senão paro de torcer.
Aliás, Nina pode ter sido uma porcaria, mas este site é bacana.

23.11.04

Hummm. Desconfio que sou uma escritora muito muito chata. Minha loucura colorida não combina com a loucura bêbada dos outros. Intelectual bebe, né? Pois eu não bebo e não suporto bêbado. Acho bêbado um porre. Gente, que desgraça eu. Ou o mundo. O desnível é que é um saco.
Me lembra Pablo e eu. Pablo e eu só começamos a nos entender por causa de Deleuze. Antes, só nos entendíamos por alguma comunicação inconsciente. A consciente era assim:
S: Olha lá.
P: Quê.
[Aponto uma menina com a bunda colada no ar-condicionado].
S: Ela tá com fogo no rabo.
P: Ha ha ha ha. Ééé, ela tá com fogo no rabo!!
(dez minutos depois)
P: Ha ha ha, tá com fogo... no rabo! Tem que pôr no ar... pra esfriar...
(meia hora depois)
P: Ha ha ha... com fogo no... ha ha ha!
(quarenta e cinco minutos depois)
P: Hi hi hi hi.

Louco, louco, louco. O pensamento complexo nos uniu. E o cinema, claro. Se não fossem eles, jamais, jamais. Quer dizer, ele leu Deleuze lá no grupo de estudos dele e eu, prum trabalho de comunicação e psicologia. Concomitantemente, descobrimos o cinema como âncora num mundo tão louco. Hoje já ocorrem diálogos melhores, como:

P: Mas é uma troca, entende? Ele me dá E e eu fico do lado dele. Como é que posso te explicar?
S: Tentando.
P: Ele acha... que sou uma coisa que eu não sou. Quer dizer... não sei se sou... é ele que acha. E por isso... há uma troca... há uma alimentação... uma retroalimentação...
S: Pablo, não tô entendendo nada. Seja mais claro.
P: Ele acha... que eu ocupo uma certa... posição... na noite...
S: Ele acha que você é cool.
P: Isso! E que me dando E... eu fico do lado dele... de forma que ele... também mantenha... a sua posição...
S: Ah, então ele te acha cool, e te dá E para que você, sendo cool, fique do lado dele, de forma que ele também seja cool... por extensão.
P: Isso! Aêêêê.

É um exemplo. A gente parou de se julgar, ele parou de viver drogado, adquiriu alguma cultura, e eu perdi um pouco mais minha cabeça. Quando eu falo ele também tenta me entender. Conseguimos conversar, dançar, ir ao cinema, rir, e até andar de metrô. Beleza pura.
Ouvido musical

Depois que a moça que assobiava Mozart foi embora, fiquei com o computador dela - do lado da Revisora e do Tradutor - que o resto (sem ser o Chefe, que também traduz mas é o Chefe) é tudo mulher.
Passa o Tradutor fazendo "hums" de determinados tons e freqüências: UmUm, UmUm, Um-Um UmUm...
- Ei! Essa não é a música dos Umpa-Lumpas da Fábrica de Chocolate?
Era.
Daqui a pouco, a Revisora está PaPapapam, pamPAM!
- Por acaso isso é Wagner? Uma abertura...
- Lohengrin.
Bode na sala

Acabou a maratona, ops, a monografia. Voltando a escrever um só livro por vez, parece tão fácil terminar rápido algo que você ama escrever. Sei que em dois dias o efeito "bode na sala" passará e começarei a achar de novo que, quanto mais se ama, mais cuidado se tem, portanto mais difícil to let go.

22.11.04

Às vezes eu acho que está errado. Mas como estou escutando e gostando tanto desta música [a música é eletrônica e sêca]. Eu sou uma pessoa boa. Não boazinha, boa. Mas não está errado não, eu é que sou dúplice, quase esquizofrênica. Não sei se a música me agrada por ser o exato oposto da minha doçura atual ou por clamar ao meu lado metálico (o que faz kling quando jogam uma moeda).
Sweetness é sempreviva, dependo dela [um beija-flor de bico na flor de plástico, suck suck] mas sempre conclamam o mal, capital, o Mal takes over, não sobra espaço para o bem. Não tem espaço para os dois na cidade. O outro em círculos pelo porão, mãos pra trás, o porão é escuro, empoeirado, "como é que ele agüenta"? Pois ele não agüenta, é isso. Então eventualmente sou pregos e parafusos na partitura, acorde invencível, chutes nas correntes, obsessão cúbica, morte limpa, insistência exagerada em monotom, definição do óbvio martelante. Mas no porão sou sempre. Não grite para dentro.

19.11.04

Lembra Broadcast também, aliás.
Quem curte Radiohead, Portishead, Bjork e Mono (da música tema de Grandes esperanças, "Life in mono") vai gostar dessa mistura dos quatro: Blonde Redhead. O CD novo deles se chama Misery is a butterfly.

17.11.04


Uma semana antes do Arafat, lá se foi meu último avô, o Sr. Burns, aos 92 anos de idade, juiz aposentado, uma foto cumprimentando o Sarney na sala do apartamento alugado pra não deixar herança. Mas eu gostava dele. A risada dele era excelente.

13.11.04

Então uma livraria. Não uma livraria que coloca os mais vendidos escrotos empilhados, ou pior, lançamentos-jabás que nem ainda começaram a vender, mas assim que forem empilhados perto da saída, serão best-sellers, então é como um cartão de crédito: best-seller garantido, leia antes de todo mundo! Uma livraria que realmente empilha livros decentes, coisas que sabe que um verdadeiro literato há de amar ou pelo menos, se interessar o suficiente para pegar e folhear.
Claro que isso significa que essa livraria será bem mais cara do que as outras e eu, pelo menos, não poderei comprar lá, mas dou fé que os ricos comprarão lá porque não sabem os preços das coisas, não querem saber e/ou têm raiva de quem sabe.
Porque capas, feias ou bonitas, em alto ou baixo relevo, foscas ou polidas, duras ou moles, cafonas ou sofisticadas - vocês não me enganam. O que importa é o conteúdo.
Passeando pela livraria boa-porém-cara, notei algumas coisas que merecem atenção.
A louca da casa - Rosa Montero. Sempre que abro esse livro, acabo pensando: muito interessante... A parte sobre Goethe por exemplo. Ou a da anã de rosa.
A feijoada que derrubou o governo - Joel Silveira. Fantástico. Jornalismo mais escroto possível, mas daqueles que têm tanta classe que fazem os políticos mastigarem as gravatas, por não poderem fazer nada sem cair mais ainda no ridículo.
Vale Abraão - Agustina Bessa-Luís escreveu um livro pensando "para a literatura", e não em escrever "uma história" ou "a minha história muito mal disfarçada". Saquem só o preço! É importado de Portugal.
Duas iguais - Cíntia Moscovitch. Dá pra sentir que ela sabe o que está fazendo.
O morro dos ventos uivantes - Emily Brontë, em tradução de Rachel de Queiroz. Ainda não tá no Submarino.
A tapas e pontapés - Diego Mainardi. Finalmente entendi qual é a dele, através de uma mera leitura da orelha do livro, e degustando algumas páginas internas achei que ele realiza a própria proposta decentemente. Imagino certa gente lendo a mesma orelha e cuspindo no chão - que nojo! que escroto!
A morada do ser - Marina Colasanti. Óbvio.

Agora os livros em que não se deve prestar atenção. Ignore-os. São desafetos, ok? Passe direto, não olhe na cara deles ou virará pedra.
O baile das lobas - Mireille Calmel. O pior da literatura francesa na livraria mais perto de você.
Bandidos e mocinhas - Nelson Motta (pas-ti-che)
100 escovadas antes de ir para cama - Meli Panarello (este, quando li sobre ele - e não ele - e estava escrito que a menina tinha escrito suas próprias memórias com detalhes picantes de sexo e sadomasoquismo, pensei que as escovadas fossem na... deixa pra lá).

8.11.04

As criaturas do novo comercial do SEDEX são cópias perfeitas dos três convidados do meu padrasto para Araras. Inclusive pela burrada de terem esquecido a chave do sítio.

7.11.04

Seria interessante, agora que o Computer World já é de alguma forma realidade, que o Kraftwerk fizesse novas músicas - sobre internet, celulares e The Sims. Não sugiro estrelinhas de fotolog e câmeras digitais porque já existe The Model.
Esqueci de falar de um ou dois aspectos interessantes: o Kraftwerk patrocinado por uma empresa de celular. Muito, muito espertos. Parabéns departamento de marketing.
OK, eu explico. Tudo a ver uma empresa que fabrica pequeninas máquinas de integração inter-humana patrocinar o Kraftwerk, sendo que toda a música deles está fundada nisso: inte(g)ração homem-máquina.
Ao meu lado um casal tirava repetidas fotos do Kraftwerk com o celular, aliás.

A parte em que fiquei mais emocionada no show, realmente uma comoção, foi a Tour de France, com as imagens de ciclistas no telão. Por quê? Sou uma ciclista viciada: desde que aprendi a andar no meio do trânsito e decorei o trajeto das ciclovias arduamente batalhadas pelo Partido Verde, não me canso de me locomover pelo bairro em duas rodas. Para tudo piorar, o Kraftwerk começou o tema principal da música num tempo bem lentinho, quer dizer, só se reconhecia pelas notas: eu tive que gritar.
Tenho uma vaga noção de que possa ter constrangido as pessoas à minha volta com meu comportamento etéreo ("do éter"), mas o cara do lado também me incomodou com sua erudição tagarela puxa-saca, muito malvinda àquela hora de puro sentimento, dizendo ao léu coisas do tipo esta se chama Neon Lights, esta música é linda, preste atenção, oh! Agora vê só essa parte, essa parte é perfeita! Eles estão mais humanos, no outro show eles... Logo, o inferno são os outros e que se foda.
Simpáticos robôs

Ouço agora as MP3s do Kraftwerk na ordem do show. Foi um dos melhores shows da minha vida, junto com o Leftfield e o Orbital.
O Prodigy foi uma loucura, eu tinha 15 anos e dancei tanto, mas tanto, tanto, com tanta violência e selvageria, que meus cabelos chegaram secos e saíram encharcados até a ponta de suor, que no contato com a noite gelou minhas costas. Graças que eu tinha levado um casaco. Idem os Chemical Brothers.
O Prodigy são 'punks eletrônicos', talvez eu realmente, aos 15 anos, tenha curtido eles da maneira mais indicada. Mas... eu ainda não entendia o que estava vendo. Foi importante ter visto Leftfield e Orbital mais velha - e visto mais de perto.
O táxi da ida perguntou o que estava tendo no Armazém 5 hoje, ao que eu respondi um grupo alemão, Kraftwerk. Foi então que começou a tocar É o Tchan! do Gerasamba e ele, empolgadíssimo, cantou junto até acabar a corrida.
O que aconteceu depois disso não sei bem. Começou com a música que eu fiquei imitando com a boca a semana inteira: Men machine. E tome, including but not limited to, Neon Lights, Tour de France, Autobahn, Radioactivity, The Model, Trans-Europe Express, Numbers, um mix de Computer World/It´s more fun to compute/Home computer, The Robots, Boing Boom Tschak, Music Non-Stop. Tem aquela loja de informática com o nome trash de Simpáticos Robôs, isso bem passou pela minha cabeça: os homens-máquina estão mais simpáticos. Um até balançava o pezinho. Foi um show integrando som, imagem, figurino e iluminação perfeitamente, diria eu racionalmente. Mas não sei o que foi que me fez ficar sorrindo radiante o tempo todo, cantando, fazendo barulhinhos com a boca, seqüências num teclado imaginário, eu estava extasiada, tinha pago pra ver e estava vendo! Bem de perto!
Vi durante mais de duas horas, acreditem, a duração perfeita. E depois, com o espaço fornecido pela debandada, como Julieta na sacada, apoiei os bracinhos cruzados na grade com cara de ai-ai estou tão satisfeita.
Foi então que os roadies empurraram um caixão preto até a frente do palco. Meu primeiro pensamento, apenas como amostra do meu estado de espírito, foi eles (o Kraftwerk) vão sair dali de dentro, mesmo não fazendo nenhum sentido. Descobriram a parte de cima: equipamento de DJ. Aquilo me fez uma ruga intrigada, humm, só falta ser o...? Ah, não, seria muita sorte. (A mania, às vezes saudável, de baixar expectativas infundadas para evitar decepções. Sabe como é.). Pouco depois chega aquele com cara de DJ, sério e concentrado, mas como quase todos os DJs usam óculos de armação pretinha, camisas com logotipos cool e são magrelos e branquelos (exceto pelos DJs negros, que não dependem do sol), achei que meus olhos míopes, ou meu falhíssimo sistema de reconhecimento facial, poderiam estar me enganando: parecia mesmo o... Sim, o DJ com um som inconfundível, preferido meu e do Pablo, o qual chegamos a pagar 20 reais para ver uma vez! Não precisei esperar o som inconfundível começar, porque logo um moleque ainda com espinhas na cara anunciou igual locutor de rádio farofa: DJ Maurício Lopes. (Recuso-me a repetir a frase exata, tenho princípios e vergonha na cara).
E então começou o som inconfundível e outro sorriso interminável de uma noite inesquecível. E vejam, eu estava sozinha! E como eu dançava, como se fosse uma proibida rave no cais do porto, era uma permitida, vejam só! Eu dançava como se fosse um milagre, porque era.
No táxi da volta, tive o insight de colocar o livro todo no presente, roubada, confesso, da experiência de ter lido "Noite" do Érico Verissimo. O livro que estou escrevendo há quatro anos, pois é. A feia noite. Sabe como é, o presente é, não se explica antes nem durante, só, talvez, depois, e eu não teria que explicar as coisas num livro em que as pessoas são movidas pela confusão interna. E, no fundo, é isso que está dificultando a conclusão dele: ter que explicar algo que nem os personagens sabem porquê. (E eu sei que eles não sabem, o que me salva de ser uma idiota literária completa. É preciso reconhecer a ignorância antes de se começar a aprender.).
A noite é eterna, ela sempre está escura, ela sempre vai e sempre volta - o dia também, é claro, mas o dia é claro... isso faz toda a diferença, porque nele se enxerga o tempo passar. De noite não, dá pra disfarçar. A noite facilita o auto-engano e paradoxalmente o auto-conhecimento.

3.11.04

Noite (Érico Verissimo) é dessas histórias com moral, como aquelas que às vezes gosto de escrever, e lendo o livro, por algum motivo, percebi o quão genial e livre foi a adaptação do filme (sim, há um filme, e se chama Noite mesmo). Evidentemente não existe DVD, mas passa(va) no Canal Brasil. Prefiro pensar que Noite não fala de Uma Noite, tampouco dA Noite: é Noite-clima, Noite-isso. A orelha da edição que tive em mãos (é do Pablo) é muito bem escrita e diz que se trata da noite interior do homem. Não sei como chegaram a essa conclusão, mas concordo plenamente. Poxa, é curto, e logo vão lançar uma nova edição por causa do centenário de nascimento do Érico; vale a pena ler, especialmente pelas páginas finais, espetaculares em sua simplicidade. Não se inventa nada, diz-se apenas o que estava ali.
Frase lapidar: Centauro é um monstro mitológico, metade homem, metade cavalo.
Trecho-degustação: Pensou mais uma vez em procurar um analista e contar-lhe tudo, porém um pudor invencível o deteve. Não podia imaginar-se a confessar tamanhas intimidades a um estranho. Não teria coragem de confiá-las nem ao melhor amigo. Era até com certa relutância que contava essas coisas a si mesmo.
(O contava em itálico. Corajoso, não?)
O outro que li foi Voragem, Junichiro Tanizaki, comprado em excelente oferta da Sodiler. Como se vê, ando com um pendor por livros antigos: este é de 1931, Noite é de 1952. Você pode até começar a ler devagar; depois, você quer saber onde toda aquela desconfiança mútua vai dar, e lê Voragem com voragem até acabarem as páginas. Sabe? Tragédia mais que anunciada, você sabe que vai acontecer, mas catarticamente quer ver acontecer? Ahh. Parece o meu último conto publicado, o em 25 mulheres que estão fazendo a nova literatura, pela desconfiança mútua (que causa assunções nem sempre corretas, modificadas por revelações e pactos com o ex-quase-futuro-inimigo, só para descobrir que fez uma imensa besteira, e recomeçar o mesmo ideograma pelo outro lado).
Trecho-degustação: Ele retrucou que Mitsuko, por mais apaixonada que estivesse, jamais dava a conhecer sua fraqueza; preferia fazer de tudo para que o objeto de sua paixão passasse, ao contrário, a adorá-la. Orgulhosa da própria beleza, tinha de estar sempre rodeada de admiradores para manter o ânimo. Convencera-se de que mostrar interesse por alguém seria o mesmo que rebaixar-se.
E aí começa a tocar Pedestal, Portishead.
Aliás, toda essa enrusticidade me leva a conceber um plano muito melhor para a próxima vez que meu padrasto decidir ser inconveniente na sua escolha de convidados. Vou convidar muitos, mas muitos gays. Anunciarei uma espécie de rave B.I.T.C.H. E nada de menininhas bissexuais abertas a novas experiências. Eles ou se descobrem ou fogem de carona.

2.11.04

E de repente, eu era a participante impopular de um Big Brother forçado.
Ela se fechava e lia um livro inteiro num dia, de biquíni ou de pijama, no sofá, na sala de tv, na piscina. Infelizmente ela só havia trazido dois livros e os dias eram quatro.
Meu infame padrasto convidou, à minha extrema revelia, três estudantes da PUC de 21 anos de idade, do sexo masculino, cujos maiores interesses, pelo que pude atestar em quatro dias de aconselhável distância, eram hip-hop-trilha-de-malhação, batidas de carro, vodca, motocicletas barulhentas, pegar mulher e as boates de Itaipava e... e... sacoé?. Sacoé? como vírgulas. E, é claro, bróder como aposto. Me convidaram pra ir com eles. Disse que tinha perdido a fé nas boates de Itaipava aos 16 anos.
E alugavam a TV. Minha estratégia foi alugar o DVD mais mulherzinha impossível, tanto que se chamava Adoráveis Mulheres, inspirado no Mulherzinhas da Alcott... com a Winona Ryder, a Susan Sarandon, a Claire Danes e a Kirsten Dunst criancinha. Efeito imediato, pensei, maquiavélica.
O primeiro não durou 15 minutos. Os outros dois dormiram estranhamente enroscadinhos no colchão de casal da sala de tv, sob o mesmo edredon, com direito a ronco e quase-abraço. Acordaram pulando pra longe um do outro, pigarrearam bem macho e deixaram a sala após 1h e 40 de filme. Vitória.
Na terça, surge o fruto daquela união bastarda. Minha mãe, que ainda se incomodava, àquela altura, em contá-los, repara que, além de Jimmy, Jeffy and Jamie, há um quarto; diz ela mesma: estão se multiplicando!
Penso horrorizada: Sim! Eles estão se multiplicando! Como gremlins!
Moral da história: se você estiver com bichos deste tipo em casa, nada de vodca após a meia-noite.

22.10.04

Essa cidade me magoa. Me deixa magoada. Assim: oh! como você pôde fazer isso comigo! (e com isso, fazê-lo consigo mesma?). Mas agora ela tem me deixado mais agastada. Agastado, se você procurar no dicionário, vai dar algo como zangado, irritado. Mas não diz que tipo de zanga é. Você precisa ter lido algum Fernando Sabino para saber que agastado é o que se fica depois de uma longa discussão infrutífera, que tocou as raias do absurdo, sem que nenhuma das partes arredasse pé de sua posição. Claro, isso é só uma das situações em que se fica agastado. A pós-modernidade é altamente propícia a ficarmos, cada vez mais, agastados.
Acho mesmo que eu tenho que descobrir o prazer de explicar as coisas.
Estou pensando seriamente em virar acadêmica só para fazer trabalhos esdrúxulos. Como A representação pictórica estilizada do ser humano - uma análise de discurso (um trabalho sobre bonequinhos de porta de banheiro e avatares de messengers) e A apropriação do discurso do desfavorecido - o biopoder aplicado (um trabalho sobre a semelhança entre os atendentes de telemarketing e os vendedores de bala nos ônibus e sinais. Estaremos enviando sua mercadoria em três dias úteis e você vai estar recebendo o recibo correspondente. Canetas ponta fina de escrita macia, nas lojas você estaria pagando de um real a um real e cinqüenta centavos, na minha mão vocês vão levar, senhores, três por um real!).
Capaz de dar certo. Tirei 9 e meio da vez em que usei Um-Olhinho, Dois-Olhinhos e Três-Olhinhos na bibliografia.

20.10.04

Eu nunca falei a fundo do trabalho. Mas sinceramente, eu esperava que fosse ser muito pior. O tempo que eu gastei deliberando sobre o que teria um nível mínimo de insuportabilidade parece que foi bem gasto. Achei um nicho com gente bem legal e trabalho idem. Acho que a pessoa com que tenho mais a ver é a revisora. Curioso que ela seja a mais velha e eu a mais nova (cronologicamente). Quando dá tempo, trocamos umas palavrinhas intelectuais. Hoje chegamos à conclusão que nosso trabalho lembra muito o do Homem que copiava. Nunca sabemos os inícios e nem os finais das coisas que traduzimos. Pegamos um processo em andamento, um contrato não-assinado, um programa de monitoramento, e simplesmente não se sabe como a história acaba. Isso pode ser muito angustiante. Outro dia, vi uma peça de que traduzi o contrato num busdoor e fiquei quase... aliviada. Genuinamente feliz. Curiosidade saciada, sensação de completude, tudo isso.
Pior é saber que a vida, por terminar em morte, é isso: não saber o final da história. Nem o nosso enterro podemos ver. Eu acho.

19.10.04

Ficar sozinha numa casa de 240 metros quadrados logo depois que alguém muito próximo a você morreu naquela cama ali do lado? Tranqüilo. Só me senti muito corajosa ontem, depois de ler Coraline na íntegra e cair no sono instantaneamente logo depois.
Coraline usa os elementos consagrados do sobrenatural com extrema habilidade narrativa, manejando bem o suspense/surpresa. Esse era exatamente o tipo de livro que me impedia de pregar os olhos. Embora não muito fácil de se encontrar, por ser difícil de se escrever, eu esbarrei em alguns na minha vida.
Um deles foi "Manu, a menina que sabia ouvir" (ei, mudaram o título), de Michael Ende. Os misteriosos homens cinzentos, que estão em todo lugar, mas ninguém os percebe (lembra Matrix? O livro é de 1978...), querem roubar o tempo de todos os humanos, e a única pessoa que podia impedi-los era a inocente menina Manu. Este livro amedronta porque é excelente. Até hoje. Tem gostinho de Matrix, só que mais poético e europeu. O mais estranho é que ninguém sabe como veio parar na nossa estante. Sei que li uma recomendação no Guia do Dr. Rinaldo de Lamare para Educar seu Filho (que eu lia, para saber como educar a criança de oito anos dentro de mim) e adorei a sinopse. Passei a desejar ardentemente lê-lo e, um dia, procurando algo para ler na estante, encontrei-o. Comemorei pela casa toda, explicando a história, mas ninguém achou assim muito estranho. Isso, aliás, parece Coraline.
Frank Peretti, porém, foi o mestre em me deixar insone. Era uma coleção infanto-juvenil de 4 livros com uma família de arqueólogos cristãos, os Coopers (duh). Sim, você leu direito: arqueólogos cristãos. Sempre as excursões tinham a ver com alguma profecia bíblica e um ambiente claustrofóbico: cavernas, tumbas, fundo do mar (aliás, a filha, Lila, era a personagem-título do Presa no fundo do mar.) . Os livros são bons para leitores iniciantes, ou seja, têm o nível de um best-seller, não espere demais. Sempre os incrédulos, após demonstrar sua extrema fraqueza/covardia/ganância/soberba, se ferravam bonito. Podiam, é claro, se salvar, caso se arrependessem a tempo. O problema era quando a besta bíblica irrompia na história: enoques de seis dedos, demônios atrás da porta do Apocalipse, cobras gigantes adoradas por seitas pagãs (o melhor e mais horrível deles, "Fuga da Ilha de Aquário", aparentemente esgotado). Eu me escondia embaixo do edredom e rezava que rezava, mas só pregava os olhos às 4. O pior é que era viciante, e eu não conseguia parar de ler e reler...
Ridículo, ridículo! Tive que andar muito pela casa de noite, insistir muito em dormir sozinha, pensar muito bem porque certas coisas/sonhos me enchiam de terror. Tudo pensando na possibilidade de, certa noite, já morando sozinha, muito bem estabelecida, sentir um terrível pânico e ter que interfonar pro porteiro com alguma desculpa esfarrapada: acho que ouvi barulho de ladrão. Acho que esse medo venceu os outros. Medo de não ser auto-suficiente.
"É um mal não freqüentar o bem", Arnaldo Jabor (muda na próxima terça), Globo de hoje, sobre o que seriam o mal e o bem nos dias de hoje:
"Outro dia, um bispo excomungou um juiz que autorizou o aborto de uma criança sem cérebro. O aborto legal é o mal? O bem é deixar nascer trágicos desgraçados? O bispo acha que sim. E, além de tudo, sugeriu que os filhos anormais ou de mulheres estupradas não fossem abortados e que depois fossem educados pela Igreja, como órfãos malditos. Talvez seja o pior destino para uma criança: "Quem é você?" "Eu sou o filho do Motoboy assassino, adotado e educado pelo d. Tomás Balduíno.""

16.10.04

A nova música de Jorge Vercilo é um pagode paulista disfarçado, presta atenção.

14.10.04

THE JAM
Butterfly Collector

So you finally got what you wanted
You've achieved your aim by making the walking lame
And when you just can't get any higher
You use your senses to suss out this weeks climber
And the small fame that you've acquired
Has brought you into cult status
But to me you're still a collector

There's tarts and whores but you're much more
Your a different kind 'cause you want their minds
And you just don't care 'cause you've got no pride
It's just a face on your pillowcase
That thrills you

And you've started looking much older
And your fashion sense is second rate like your perfume
But to you in your own little dream world
You're still the Queen of the butterfly collectors

As you carry on 'cause it's all you know
You can't light a fire
You can't cook or sew
You get from day to day by filling your head
But surely you must know the appeal between your legs
Has worn off

And I don't care about morals'
Cause the worlds insane and we're all to blame anyway
And I don't feel any sorrow
For the Kings and Queens of the butterfly collectors

There's tarts and whores but you're much more
You're a different kind 'cause you want their minds
And you just don't care 'cause you've got no pride
It's just a face on your pillowcase
That thrills you

As you carry on 'cause it's all you know
You can't light a fire
You can't cook or sew
You get from day to day by filling your head
But you surely must know the appeal between your legs
Has worn off

And I don't feel any sorrow
Towards the Kings and Queens of the butterfly collectors
Os melhores foram os do final.

Saved! - Bom. Comédia feita para ex-evangélicas que andavam com uma bíblia fashion de couro branco, com zíper, e um pequeno adesivo furta-cor escrito Deus te ama. Não é um público tão grande, mas as pessoas normais ainda riem - nas horas erradas, de tanto que a Globo ridicularizou o Bispo Macedo. Tem momentos foffos para quem gosta. Who is down with the G.O.D.?

The edukators - Bom. Como filme-de-esquerda, é um pouco overdidático, mas satisfaz porque a história cresce muito bem, desviando-se dos obstáculos. Deve fazer sucesso no Rio.

Coffee and cigarettes - Bom. Potencial para ser o Lost in translation desse ano, Bill Murray incluído. É o seguinte: são vários curtas, mas ao mesmo tempo é um filme. Pode não ser profundo, mas acho que gostei mais da interação entre o Dr. Octopus e Steve Coogan. É uma brincadeira bem cruel, e das boas.
Se bem que também gostei dos gêmeos-corvos, do Bill Murray, da Renée, e das primas-Cates-Blanchetts, e do Jack e da Meg, e dos velhos, e...
...do xadrez onipresente, e da trilha sonora perfeita.

O coração é traiçoeiro acima de todas as coisas - Bom. Os temas do outro filme da Asia (A virgem escarlate) estão presentes: a maternidade, a religião, a redenção por vias tortas. Podia falar muito dos recursos de montagem, fotografia e os efeitos especiais (os efeitos especiais...). Mas a moral da história é que Asia Argento é foda. Como diretora, como mulher, como atriz. Está provado, juramentado, sacramentado. O menininho que faz o Jeremiah também é foda. Pedem para ele cantar um hino e ele canta um hino punk com direito a cusparada, parte da letra.
A história é muito feia. Ao mesmo tempo, não é feita para se dizer olha que merda, tipo Réquiem para um sonho. É um quase-humor nigérrimo. Só não espere Branca de Neve.

13.10.04

Meu nome não é Johnny, o livro com as palavras-chaves: história real, João Guilherme Estrella, bem-nascido, fornecedor de drogas, anos 80, Zona Sul, Rio.
Estrella é o sobrenome da Maria Luiza desde que li a reportagem sobre Meu nome não é Johnny, porque achei perfeito. Mas foi a primeira vez que abri o livro.
Abro o livro e encontro as palavras espalhadas: Maria Luiza (com a mesma grafia), Estrella, Dulce Quental. Dulce Quental está voltando, aliás. Vamos ver se eu ajudo. No roteiro do A feia noite tem um remix da versão dela de Caleidoscópio. Tipo uma piadinha interna. Explico um dia. Um dia coloco o resto deste post. Prometo.
Ah, Quero ser Jack White ganhou o melhor curta do Festival. Informação do meu jornalista preferido.

11.10.04

Seria ótimo pensar que eles estariam se encontrando em algum lugar, mas.
...e uma semana antes, e pelo mesmo motivo, do Fernando Sabino. Nossa.
Um dia depois da Janet Leigh e uma semana antes do Christopher Reeve.
Este blog entrou em recesso ("minuto de silêncio") porque minha avó morreu. Depois, o Windows morreu. Mas as pessoas não podemos reinstalar.
Podemos jogar the Sims, no entanto. Enquanto espero ter tempo e promoção para comprar o meu (2) e quem sabe jogar com a minha avó, aperto o botãozito "Mourn" e choro parecido com um gato ronronando.
Eu nunca tinha estado em velório ou enterro. Fiquei pensando em três músicas, duas das quais me lembro ("Alvorada", de Cartola, e "Cocoon", da Bjork). Passei pelo túmulo do Cazuza (um bougainville enorme e florido) e do Santos Dumont (Ícaro).
Antes, de noite, senti um súbito impulso de jogar Lemmings. E joguei. E fiz chá para todas as mulheres da família. Dormi duas horas.
Eu disse, neste blog, quando saí daqui, que esta casa estava com câncer - quando ninguém tinha nem o sintoma. Às vezes a sensibilidade de escritora apanha coisas no ar, de verdade, pois é nisso que consiste: caçar borboletas invisíveis. E adianta alguma coisa? Somos todos lemmings.
Bom, mas o feng-shui, a disposição das coisas nessa casa ou o que quer que seja, está realmente ruim. Algumas coisas vou ter que mudar por aqui, tirar as dezenas (sim, dezenas) de porta-retratos, trocar os móveis de lugar, dar as coisas velhas, colocar um tapete, não sei.
Estou morando aqui sozinha. Claro que seria ridículo adicionar "como eu sempre quis". Quem quer uma coisa dessas? Todas as pessoas me perguntam: mas lá? Você? Lá, sozinha? Sem empregada? Sim. Até a empregada grávida de seis meses fugiu. Eu não. O que me incomoda, e sempre incomodou, foi o excesso de espaço, uma casa-metástase, praquê tão espalhada, irrational exuberance? 240 metros quadrados em um andar. O espaço sideral, incolonizável. Os fantasmas, se existem, são quietinhos. Não me incomodam mais que a bomba de água ligada a noite toda do lado de fora do meu quarto. Se bem que outro dia o som desligou sozinho.
Depois eu falo dos filmes que restaram. E ainda tem a repescagem.

4.10.04


"Cadê minha torrada? Torrada! Torrada! Torrada!"
Pois o careca se elegeu mesmo? É de se chorar. Claro que não é caso pra preferir o Fuzzy, mas poderiam pelo menos ter tido aquela briga no segundo turno, né?

3.10.04

Sábado, 2, 21:30. Kill Bill vol.2.
Bom. Realmente o cara é bom. E também dona... ops, quase digo o nome da Noiva. As mortes não são pirotécnicas como no 1, mas têm um senso de ironia que pessoalmente, aprecio mais. Estou pensando no que posso falar pra não revelar muita coisa. Barbas compridas são legais, ainda mais se acariciadas freqüentemente. A montagem está perfeita. Fiquei com vontade de jogar Tomb Raider de novo. Os créditos são engraçadinhos. As motivações dos personagens também são explicadas, e, na minha opinião, a contento.
Perguntaram se gostei mais de um ou de outro filme. Pensei, pensei, e disse que os dois são um filme só. E dele, eu gostei.

Sábado, 2, 14:30. Garota estratosfera.
Mais ou menos. Mais um filme redondinho, sem nada de inovador. Vá se gosta de quadrinhos e/ou belgas loiras vestidas de colegiais.
É realmente muito chato ser atéia quando tem alguém morrendo. Porque você sabe que aquela pessoa não vai pra nenhum lugar, não tem céu, não tem deus pra pedir pela alma dela que também não tem. Somos uma casa muito engraçada, sem parede, sem alma sem nada.
Isso não é motivo pra ser fraca e aceitar panfletos da prima espírita, do ex-marido evangélico, da vizinha católica, da amiga budista e da outra prima seicho-no-ie. Ah, e do afilhado reflexologista. Isso não é um exemplo aleatório, aconteceu. Justo na hora mais contra-indicada para ser idiota.
Mas o que dizer, então? Dizia: você vai melhorar, vai melhorar. E chega uma hora em que não vai mais melhorar, porra, não vai. E aí? Sinceramente, me escondi nos primeiros tempos. Até que cheguei a uma solução satisfatória: chegar pra pessoa e dizer, em doses homeopáticas pra não superemocionar um organismo já muito sensível, o que você sempre quis dizer pra ela. Bom ou ruim. E tirar suas dúvidas. Depois não vai mais ter chance.
E, no caso, descobri, foi bom. Preciosa, isso sim: a descoberta que só a última chance traz, e massagens nos pés. Em vez de puxar as mãos para uma reza decorada. Aí, "não quero" e frowns e fugas.
O nome verdadeiro de Helena Morley, de Vida de Menina, é Alice.

1.10.04

Sexta, 1, 21:30. Ziraldo - Profissão cartunista.
The moon is flicts.

Bom. Outra grata surpresa (é tão sensacional escrever grata surpresa quanto ter uma). Eles exploram todos os aspectos da vida do Ziraldo. O que deu um toque especial ao documentário foram as animações; cada vez que um entrevistado citava uma charge ou tirinha, ela aparecia animada e dublada concomitantemente.
Tem partes de se chorar. A parte do mural do Canecão (que não me é estranho, talvez tenha visto quando era pequena, quando fui ver o show da Turma da Mônica); a do encontro com o Neil Armstrong; a da terceira prisão do Ziraldo.
Também chorei em Vida de menina. E, digo sempre, não choro por besteira.
Sexta, 1, 16:30. Vida de menina.
Ótimo! Me surpreendi com este filme, não estava esperando nada dele. Mas é bom. É a história de uma outsider, só que uma outsider na Diamantina do fim do século XIX. Então, não tem sequer sombra de putaria. Sei que muitos rebeldes pré-fabricados verão este filme desfavoravelmente - ou não verão por puro preconceito, quando lerem "censura livre" no cartaz, porque ser outsider não é about putaria - não quando todo mundo tá nessa também. Outsider quer dizer enfrentar, reptar. E Helena faz isso à beça, com sua imaginação desembestada e falta de modos.
O filme é engraçado e emocionante. Tem timing, coisa que faltou a Nina. E provoca empatia a partir de um drama muito, muito pessoal.
Agora que já vi todos os filmes terminados em -nina do festival, posso dizer que Nina não tá com nada. O negócio é Helena.
Ah, e teve um filme que eu vi sem querer. Um curta. Quero ser Jack White. Antes daquele filme ruim, o Canções da noite. Um curta bom, entende, bom. Um tapa com luva de pelica na cara de Malhações da vida. Ou melhor, não tem nada a ver com Malhação, passa completamente ao largo. O nome do diretor? Charly Braun. Pode assistir e votar nele aqui.
Pára tudo. Vou rasgar as roupas. Nina sucks. E não completamente, como Olga, a outra coisa de quatro letras. Sucks um tiquinho. O que, pensando bem, é muito pior. Acertar quase no alvo é muito pior que errar completamente e acertar, digamos, um desavisado que ia passando. Assim: trash eu tolero, midcult nem pensar.
E eu pensando que teria que amarrar o Heitor Dhalia com fita isolante na janela pra ele fazer meu filme. Que nada. É machadada na cabeça. Ou lixeira. Tô pensando ainda.
Quinta, 30, 22:00. Viver com medo.
Mais ou menos. Ficção-científica (que não parece com o gênero) misturado com Barrados no Shopping. Sacadas geniais, e nada é muito explicado. Mais uma espécie de fábula sobre o Medo (sim, o catalogado por Michael Moore). Mas passa longe do chato. Bizarrice pura.
Quinta, 30, 19:30. Histórias bordadas.
Redondinho e Mais ou menos. Sabe um filme que é todo correto? História, atuações, roteiro, fotografia, direção. Só que passa uma mensagem não tola, mas que todo mundo já conhece? É um filme redondinho. É Histórias bordadas. Os diálogos são muito bons. No final, o filme deixa aquela deliciosa sensação de completude-sem-culpa que Matrix deixou nos nerds/hackers e as comédias românticas da Meg Ryan costumavam deixar na minha mãe.
É engraçado. Você vê alguns filmes e acha que já viu tudo; não é preciso ver de novo, por melhor que sejam. Outros, você quer ver mais e mais. E isso independe de serem bons ou mais ou menos ou ótimos: basta eles te dizerem alguma coisa. Este é dos que não precisam ser revistos.
Quinta, 30. 16:30. Nina.
Decepcionante! Não sei se chamo de bom ou mais ou menos pela decepção. Ótimo não é, infelizmente. O que é a Velha Escrota, Dona Eulália? E o figurino mangazóide de Nina? E a fotografia? E as seqüências semi-animadas do Lourenço Mutarelli? O melhor é mesmo a interação de Nina com a Velha e com o Cego.
Nina é adaptação livre de Crime e castigo, Dostoiévski. Desafortunadamente, tem uma hora que a história fica indecisa: não sabe se deixa ser a Nina ser impiedosa ou apenas um produto da sociedade escrota. E o final? Tudo bem mudar, mas... não entendi para o quê. Não captei.
O pior é que não sei se o diretor é bom e culpo o roteiro, ou se ambos têm culpa no cartório.
Ai, ai. Vale a pena ver uma vez.
As pessoas deixam o lenço cair e, sim, eu apanho. Mas apanho pra mim, afinal, achado não é roubado e também tenho lágrimas. E nariz entupido. Depois devolvo.
Quarta, 29, 22:00. Olga Benário.
Mais ou menos. Coitada da Olga. Não conseguem fazer um filme decente sobre ela. O mais constrangedor é que o diretor estava e era a estréia mundial. As imagens e as informações, freqüentemente, não têm nada a ver uma com a outra. Ou então, não se explica que diabos de imagem é aquela (uma janela de apartamento enquanto se fala da sogra de Olga?). Sim, tem o mérito de ser melhor que o Olga nacional (pelo que ouvi falar) e de mostrar algumas faces dela que o mesmo não consegue (Eu estou grávida de Luiz Carlos Prestes!). Mas não extrapola o mito; fica sempre passeando dentro dele, como num campo de concentração.

30.9.04

Quarta, 29, 19:00. Canções da noite.
Ruim. O pior filme que eu já vi no Festival, depois de Separações. JP entendeu, eu não gostei da proposta: uma repetição kafkiana de indecisões ad nauseum. Todos são indefinidos e inoportunos, até o bebê. Acho que o objetivo é aporrinhar o público de uma maneira artística. Ora, alguns filmes são bem parados, mas passam uma mensagem. Não é o caso deste.

29.9.04

Terça, 18:30. Zardoz.
Bom.
Imagine A vila, mas como uma espécie de comunidade hippie sem sexo e com telepatia. A minoria de homens são metrossexuais que se vestem de laranja e rosa. Aí, chega o Sean Connery vestido de He-Man (ou Zed).
Zardoz é ficção científica que leva o pessimismo às últimas conseqüências para depois soltar um pouquinho de otimismo. Que a natureza dá um jeito.
E tem humor. Vejamos quando Consuella decide testar a ereção do selvagem (na frente do resto da comunidade hippie):
Consuella: Mostre.
[O telão mostra a imagem de uma mulher ensaboando os peitos. Uma linha branca sobre a tela está praticamente inerte.]
Consuella: O gráfico indica que esta imagem não é estimulante para o selvagem. Mude.
[Briga de mulheres na lama. A linha branca continua na mesma.]
Consuella: Esta imagem também não é estimulante para o selvagem...
O selvagem olha para Consuella e a linha na tela fica maluca. Consuella olha constrangida para a parte de baixo do corpo do selvagem. A comunidade também.
Metrossexual: Consuella, você conseguiu sozinha!

27.9.04

Hoje é o dia da Esquartejadora de Filmes, sabia?
Sábado, 19:00. A pequena Lili.
Mais ou menos. Tchecov e Ludivine Sagnier deveriam levantar qualquer filme, não? O filme é inspirado em "A gaivota", e a gaivota é a Ludivine, então...
Acho que não é meu tipo de filme. Pessoas trancadas numa casa de campo, uma querendo comer a outra, disso não gostei (também foi o que baixou a bola de Beleza Roubada, pra mim). Esta foi a parte menos.
Mas depois, a Lili de chanel, dando uma de Lolita Pille, mas tremendo nas bases, a parte na cidade, e da metalinguagem (o cara fazendo um filme do que aconteceu com ele): foi a parte mais.
Segunda, 27, 17:00. Céu azul.
Mais ou menos. É um anime japonês. A animação é espetacular, nada menos. A trilha sonora e os efeitos sonoros, idem. Mas a história é muito melosa, "bem contra o mal", e os diálogos são totalmente clichês (Eu percebi que não era eu que cuidava dele... era ele quem cuidava de mim. e Agora nunca mais vamos nos separar). Isso estraga.
A seqüência do sonho que o mocinho tem com a mocinha é um dos pontos altos não só dessa, mas de toda a animação japonesa. Estou falando sério. Nunca vi um "sonho" em cinema que parecesse tanto com um sonho. Meus sonhos têm o mesmo sentimento, mas não gráficos tão exuberantes e sons tão pertinentes. Esta seqüência foi a parte Ótima do filme.
A parte Boa foi o final, com uma ópera cantada magnificamente e sangue rubro flutuando pra fora dos buracos de bala na antigravidade. E casou perfeitamente com a imagem. Mas, sinceramente, quem vai ao cinema para ver duas cenas fodas num filme mais ou menos?
Domingo, 25, 19:00. Um vazio no meu coração.
Bom.
Existe uma história que cerca este filme, antes de mais nada. Como no ano passado para The Brown Bunny, colocaram um aviso dizendo que o filme era forte, podia chocar a sensibilidade de algumas pessoas, escatologia etc. Por quê? Por quê??? Com isso, acabaram imediatamente os ingressos. O cinema lotou de gente fervilhando de gana de se chocar e contar que viu, que viu... Todos querem provar que são machos ostentando suas camisetas I SURVIVED Irreversível, Réquiem para um sonho, Baise- moi, Nine songs, The brown bunny, Intimidade, sei lá. Assim não, gente, assim não.
Serviu, então, para eu ir preparada para me chocar. Só que não foi escatológico.
É um filme sobre o que está no fundo dos buracos. Dos vazios. E do que acontece se você for lá buscar - o quê, mesmo?
O útero da sua mãe. Os seres submarinos que vivem abaixo de 20 mil pés. As minhocas no fundo da terra. A boca do estômago. O fundo do poço. Um carrinho de supermercado. Uma privada. O ouvido. O cu. A vagina. Um cérebro oco. Um coração vazio.
O nome original é em sueco, mas em inglês é ?a hole in my heart?, ?um buraco no meu coração?. E corações estão em todo lugar: na blusa da atriz pornô (Tess), na luminária da parede, no short cor-de-rosa que enfeita a bunda da Tess... na cirurgia de coração...
Começa assim:
Feche os olhos. O que está vendo?
Um superclose roy-liechtensteiniano em pornografia pesada. E o som? O som!
Ah, e a Barbie e os Kens duplicando o que acontecia no filme pornô amador.
Eu analisei você.
E a Tess parada segurando o carrinho de supermercado vazio. Algumas pessoas riram. Da coisa mais triste desse mundo. E o pai do garoto bebendo água da privada. E o amigo dele, caindo em seu fofo campo de trigo imaginário. O que foi aquilo? Com o perdão, foda.
Para entender qual era a deste filme, me ajudaram Baudrillard (Pós-orgia) e o documentário Surplus.
Pois depois de arrombado não tem mais fundo, o buraco.

Domingo, 25, 21:30. O jogador de cartas.
Mais ou menos. Este eu achei escatológico - que engraçado. Virei a cara nas autópsias. Desnecessário, isso sim. Imita justamente a estética de filmes americanos. De suspense, como se não fosse o suficiente. As partidas de pôquer são interessantes. Uma merda, como todos os filmes que já vi do Dario Argento. A graça é ser trash. Se curte isso, vá.

* * *

Dica: procurem pela trilha sonora do Was Nützt Die Liebe in Gedanken (Pra que serve o amor só em pensamento). Vale pela Princess Crocodile, Free and Easy e Feuertanz. Para quem não mora no Rio, no exterior ou não tem grana, todos os filmes daqui são baixáveis pela internet, ou pegáveis na Cavídeo, creio, mais cedo ou mais tarde. Já estou baixando A última vida no universo (Last life in the universe).
Domingo, 25, 16:00. Santa menina.
Ruim! Falaram tão bem de O pântano, da mesma diretora, que resolvi assistir esse. É uma história sobre pessoas trancafiadas em seus mundinhos. Uma menina tentando descobrir qual é a missão divina dela. Ela quer ser santa, realizar um milagre, mas não consegue. (Porque isso não existe, talvez?) Na minha opinião, ela entra numa fantasia confusa e se perde. Isso é o que acontece com todos os outros, cada um à sua maneira. O problema é que, com isso, a história também se perde. E não deliciosamente, como em Morvern Callar. Fica sem pé nem cabeça. Tanto que quando o Homem chega à Mulher e vai balbuciar alguma coisa, alguma pergunta sobre tudo aquilo, ela o abraça: eu sei, eu sei, é tudo muito confuso. Nessa hora a platéia soltou uma risada de puro nervoso, achando que tinha entendido o filme. Mas eu sabia que era só uma armadilha. Entendi que "ninguém é santo", mas honestamente, pfff-f. Um amigo meu entendeu o filme e gostou. Eu pedi pra ele me explicar. Acho que ele não conseguiu.

Hoje vai ter. Vocês vão agüentar muito.
Quando eu estava na quinta série, fiquei em terceiro num concurso. Jovem Embaixador do Globo. Um concurso com Fase I (Prova de Português, Matemática, História, Geografia) e Fase II (Redação), da quinta série até o segundo ano do segundo grau. As três primeiras colocações de cada série ganhariam uma viagem com tudo pago. Foi bom ser terceiro porque fomos para Recife, e não Argentina como os primeiros e segundos.
Deixe-me explicar. Eu achava que tinha algum problema. Meus colegas não eram como eu, minha mãe não era como eu, meus primos, as pessoas da TV; ninguém se comportava ou pensava ou lia como eu.
Em Recife, conheci cinco pessoas que eram como eu, com queridas variações de personalidade. Que falavam de livros na piscina. Quebravam o pé e o óculos numa descida de meio-fio. Que tinham uma inteligência maligna para tarefas e perguntas realmente escrotas para o Verdade e Consequência. E citavam Roberto Carlos.

Eu estive no Paraíso pela primeira vez, entendendo que os outros é que tinham algum problema, e que se eles estavam no poder, é que tinha alguma coisa errada. Viu aquele episódio em que a Lisa, o Prof. Frink, o Dr. Hibbert, o Skinner e o Comic Book Guy dominam Springfield porque o prefeito estelionatário fugiu? E depois brigam por futilidades e são separados pelo Stephen Hawking? Aaah. Perfeito.

Fui encontrada por eles no Orkut.

a neblina cobre a cidade

26.9.04

Sábado, 25, 23:59. Metallica - a música e o monstro.
Mais ou menos. Acho que não agradou nem aos fãs do Metallica. Fui ver por tocar na questão do Napster, que é parte do assunto da minha monografia. Como documentário, é muito bom. Levanta a bola deles, como uma espécie de boyband. Elderband. Um gosta de andar de moto bem rápido, aí ele é multado e todos sorriem; o outro usa o surf, os filhinhos loiros, balé, pirulito - oh, nossos heróis! E guitarras - guitar heroes! Metallica ficou bem na fita.
A moça do baixo manda bem. O "índio" contratado permanentemente pro baixo, também.
Lars é idiota. Completamente. Agora vi com meus próprios olhos. Riscou o pezinho no chão, mãos nas costas, bem mocinha, e lamentou (sor-ry...) por "não compreender logo de cara a atitude em jogo no Napster", algo assim. Claro, caras como ele não se desculpam.

* * *

Ah, e as coisas bizarras da saída. Um cara com um estojo de guitarra (ou seja, ninguém que eu possa remotamente conhecer) me chamou (psiu psiu). Viro. Não, nem remotamente me lembra um rosto conhecido. Ele também não parece me reconhecer.
- Quem que é você?
- Hã?
- Quem é você?
- Seu nome não é Marina?
Não com a cabeça.
- Ah, desculpa...
Depois, passo por um cara abraçado a uma árvore. Apaixonadamente. Permanentemente. Coitadinha, ela não pode se defender. Qual é o nome de quem curte (*curte*) árvores?

25.9.04

Festival do Rio

Começou a roda-viva. De "ótimo", apenas para filmes fodas, passando por bom, mais ou menos, ruim e péssimo, além de outras classificações inventáveis a qualquer segundo, lá vão as minhas idéias dos filmes de hoje:

Sábado, 25, 14:30h. Pra que serve o amor só em pensamento.
Bom. Esqueci o nome de quase todos, então vamos de estereótipos mesmo. Poeta e Psycho estudam juntos. O Poeta é apaixonado pela irmã do Psycho, Hilde. Hilde está atualmente transando com Hans, mas não quer se deixar prender por homem nenhum. Psycho parece odiar o Hans, que está comendo sua irmãzinha, mas aos poucos, vemos que não passa de amorrr. A Melhor Amiga de Hilde é apaixonada pelo Poeta. Pronto. O filme é lindo pela sua fotografia, pela trilha sonora, figurinos, e por toda a fantástica seqüência da festa. Atores bem escolhidos. Hilde me lembrou das atuais estrelinhas de blogs e fotologs, aquelas que fazem listas de presentes que seus fãs otários lhes dão pelo simples prazer de presentear suas deusas. Pode ir conferir... se sobrou ingresso ainda.

Sábado, 25 16:30h. A última vida no universo.
Bom quase ótimo, não tivesse exagerado na lentidão numa certa hora lá. Humor sensível. Um japonês na Tailândia. Obcecado por ordem, quieto, limpo, sem Tv, muitos livros. Bibliotecário. Seu irmão invade sua casa com six-packs de Heineken e esculacha seu modo de vida. Freqüentemente. Sempre tenta se suicidar. Sempre é interrompido. Sim, interrompido. Por uma série de bizarros eventos, vai parar na casa de uma moça. A moça também é bizarra. Uniformes de colegial e orelhinhas de coelho. Lembra a relação que criei para Maria Luiza e Francisco no meu livro/roteiro, mas sem ser tão pesada. O filme é light, apesar de não esconder o que as pessoas fazem. Como ter caganeira. E acordar com a calça gozada. E deixar a piscina verde. E não cuidar de si. E ficar na solidão. Ciranda da bailarina.
Acontece.

22.9.04

Acreditem. Eu simplesmente ESQUECI de ir à Primavera dos Livros este ano. Coisas demais na cabeça. Justo quando eu queria ir naquele lançamento do livro que tem a Cecília Giannetti, só sobre bairros do Rio. (Mas como assim não tem Botafogo? Porra! Se houver próximo, me ofereço para escrever Botafogo!).

21.9.04

Então ela tomou um banho, colocou uma roupa bem fresquinha, pôs Cantiga de Ninar (Chuck Palahniuk) e umas palavras cruzadas na mochila, comprou um picolé Galak e foi enfrentar a fila do Festival do Rio.

19.9.04

Eu tinha medo que as pessoas percebessem. Não sabia o que fazer com essa bobagenzinha fofa. De certa forma, é bonito, porque combinamos também. Mas aí, é como se nossa vida estivesse já totalmente vivida por outros, não entende? E as coincidências tomam um vulto fantasmagórico. Buuuu. Ela colou em mim.
Portanto, é divertido mas não é legal. E, sim, temos planos de nos tornar acadêmicos num futuro distante.
Bah... mas se eu falar o que é... vai chover "ah, é" onde eu não quero. Conclusões equivocadas. Pergunte a mim se você for meu amigo e muito curioso, que eu respondo.

16.9.04

Hoje aprendi a mexer em microfilmes. Parece com colocar filme na máquina, foi esta a analogia que me ajudou na hora do vamos ver. Mas isso também está acabando. Penso como meus filhos vão se virar (se é que não terão digitalizado todos os periódicos até lá).
Um bom começo para um conto

Num futuro distante, quando todos os DJs estiverem surdos...
Rabiscos da aula sobre Apocalípticos e Integrados

Baudrillard -> apocalíptico da internet -> nem a usa.
Pierre Lévy -> integrado da internet -> a usa, fascinado.

Funk -> masscult -> tosco
Capital Inicial. Jorge Vercilo -> midcult -> pega uns estilemas de Djavan, Lulu Santos, Memê e até Jorge Benjor e Gabriel, o pensador e faz uma mistureba bastarda. É como se você pegasse o nariz da Isabelle Adjani, a boca da Angelina Jolie e os olhos da Ana Paula Arósio pra montar um rosto. Sairia um Frankenstein (ou a noiva do mesmo).

14.9.04

Realidade Paralela I

"Agora chegou uma versão de California Dreaming remixada pelo Benny Benassi que é uma loucura pra aeroboxe e lambaeróbica, que graças a deus, de lambada agora só tem o nome, né? Aliás, estamos planejando mudar de nome para eletroeróbica.
Banimos permanentemente algumas coisas, colocamos no Index mesmo. Como Jorge Vercilo, Kelly Key, afinal, isso o cliente já ouve só de ligar o rádio, né? E, sinceramente, praquê ouvir mais disso? Ah, e em vez de colocar coisas óbvias da era disco, como It's raining men, resolvemos colocar uns clássicos da Motown e afins. MPB remixada, só se for Elis.
Na sala de musculação só toca música clássica, de vez em quando um jazz; afinal, também queremos promover o exercício do cérebro. Pelo mesmo motivo, é proibida a entrada de revistas de famosos no recinto. Nesse ponto fomos firmes: só jornais sérios, não querendo entrar nessa discussão, e livros. Bem, pra confessar, colocamos alguns folhetins, como Mistérios de Paris, mas pára por aí.
E no fim da aula, no alongamento, o que tem feito muito sucesso é o tema de Six Feet Under remixado. Até para uma reflexão posterior, afinal, todo mundo sabe que o que a gente faz aqui até adia, mas não impede, né?"

11.9.04

Não quero ser definida como escritora só porque desde sempre quis ser escritora. É "entre outros". Não importa que tenha sido antes de todo o resto isso de eu querer utilizar o meu PC de letras verdes para alguma coisa além de jogar (só porque o WordStar era TUDO) ao mesmo tempo em que lia Monteiro Lobato. Antes disso, percebendo as outras meninas brincando de Barbie e eu de Kate Mahoney, a Dama de Ouros (assim que se escreve?) já entendera que eu seria A ESTRANHA, uma mulher forte no meio de girlie, girlie girls. E não importa a ordem, importa? Techno, um dia ouvi falar de algo com esse nome, também se tornou quem eu sou muito mais tarde (porque o Prodigy era TUDO). E outras coisas mais, também muito mais tarde. Conhece-te a ti mesmo, estou obedecendo a uma das coisas boas daquele livro do qual tenho algumas cópias.
Retcon, sabe? Continuidade retroativa, termo de quadrinhos. Os novos fatos que um novo autor enxerta num velho personagem alteram o passado dele. Outra: a experiência da fenda dupla ("fatos do presente podem alterar o passado"). Você começa a ver com novos olhos coisas que há muito aconteceram, e então você entende. Ao gostar do que então eu chamava de techno, entendi porque gostava de Luciferama e de Tomorrow Never Knows.
Então, por mais que eu me envolva com pessoas que pensam e fazem cinema, música ou literatura, não vou me engessar numa coisa só. Não vou me emparedar. Desde pequena, aliás: o anel E a luva. O corpo E a mente. Ideal renascentista, mora?

9.9.04

Coração Perigoso era irmã dele.
Mas...
Não é lenda, não, não. Não tudo. Que os japoneses colocaram um reator nuclear no lugar do coração dela, é verdade. Ela ganhou o nome de Da-ni-ge-ro-su Ha-a-to que acho que era como eles pronunciavam Dangerous Heart. Pois Dani foi só a primeira; depois teve a dois e a três, todas brasileiras de olhos grandes e boca carnuda. Agora, dizia-se que o reator da primeira Dani tinha uma falha. Que se fizessem a menina ter um orgasmo forte o suficiente, ia rolar um meltdown. Que sucesso ela fazia no mercado negro, né? Lá iam os clientes fazer a irmã dele gozar que nem louca. Nem parecia que eles é que estavam pagando. Idiota, pois se conseguissem iam morrer, mas acho que esse era o tesão da coisa. Isso era mito. Tenho pra mim que essa história veio dos próprios donos dela para valorizar a mercadoria.Pois um dia a Dani soube disso. Primeiro, ficou arrasada. Achava que era a mais procurada das três porque era a mais bonita ou a mais atraente ou a melhor na cama. Depois, começou a ter medo de que fosse verdade. No fim das contas, acabou se oferecendo para outra experiência que andavam querendo fazer e no fim ela teria um coração de tecidos animais. Já tinha sido cobaia antes, dera certo, não tinha problema ser de novo, né? Errado. Morreu.
Existe um homem que consola sua mulher com Ontologia.

3.9.04

Esquizóides. Pessoas com distúrbio de personalidade esquizóide evitam relacionamentos e não mostram muita emoção. Preferem de verdade ficar sozinhos e não têm desejo secreto por popularidade. Tendem a procurar empregos que exijam pouco contato social. Sua sociabilidade é geralmente baixa e não demonstram necessidade de atenção ou aceitação. São vistos como sérios e distantes e costumam ser tachados de "loners" ("isolados").
Mariana me mostrou este teste. Isso deu Very High. Por mim tá ótimo. Ficaria puta se desse, por exemplo, Dependent ou Borderline.
É um prazer trabalhar quando a terrivelmente rebuscada linguagem dos contratos faculta-lhe o uso de vários quaisquer, assim, com plural no meio (quaisquer modificações em vez do maldito qualquer modificações) e do verbo eximir, a cada dois parágrafos, geralmente no negativo ("não eximirá", "shall not exempt", assim biblicamente).
E umas três mesóclises num mês de trabalho. Suspirar-se-á.
No C.A. do Santo Amaro, outra frase antológica da professora nazista:
"Como vocês sabem, o Fulano e o Sicrano ficaram de pé o dia inteiro de castigo na semana passada. Resolvemos acabar com esse castigo..."
Aí eu pensei: que bom, porque isso deve cansar demais. Eu, que era uma aluna exemplar, senti uma rara pena dos castigados. De vez em quando, olhava de esguelha pra eles, de pé no canto.
"...porque suas pernas são novinhas e vocês não ficam cansados, mesmo ficando de pé o dia inteiro.".

1.9.04

Tirando Ondinha

Fui numa festa que tinha crepes de chocolate, Idioteque e a Thais Fersoza.
(Happy Birthday, Mari.)

31.8.04

Os males do jabá

Hoje acordei com uma música lentinha que dizia assim: "Perto de Deeeus...(coro: Deus, Deus, Deus)". Dei um tapão no Snooze, como sempre, e toca a dormir mais dez minutos. De novo, mesmo trecho: "Perto de Deeus... (coro: Deus, Deus, Deus)". Só podia ter uma explicação: minha mãe pôs na rádio evangélica pra se confortar (sabe, a situação toda, a minha avó e tal)?
Me enganei. Dali a pouco entra o locutor, afetando uma superempolgação: "Perto de Deus, música nova do Cidade Negra...".

30.8.04

Textos do exílio (II)

Tipo, a estagiária ruiva de 22 anos não podia responder, "qual é, tio, tu é velho mermo!", como provavelmente na vida real. Ela tem que ser burra de outra forma e deixar o cara passar por cima delicado como uma jamanta, sentindo-se fodão, professoral etc., etc., Berna fica na Suíça, etc., etc. E dar corda, dar corda. Bem, isso algumas dão, mas não passa de corda, lembram da Ana Carolina? "Dar corda pra depois te abandonar"?.
(Especialmente para quem não pega as referências desse blog: não é culpa de vocês, eu quero ser hermética e acaba que não obtenho a tal da identificação que eu queria. Vou explicar dessa vez, mas deixe o textinho lá, bonitinho: estou falando do novo e primeiro livro do Arthur Dapieve, colunista de O Globo, chamado "De cada amor tu herdarás só o cinismo". É o nheco-nheco entre um publicitário casado de 46 anos (mesma idade do colunista) e sua estagiária ruiva de 22. Para tudo piorar, o livro entra na prateleira da tal da literatura pop, listas de cinco mais e referências musicais muito, mas muito insistentes. Abri na livraria (com cuidado pra não espirrar no olho) e peguei o seguinte diálogo: ele dizendo quando e onde ele nasceu (dados completos; por que a punhetice?) e ela fazendo a seguir um comentário bem burro geográfica e historicamente, e ele lembrando de um conselho de um amigo ("buceta não cai do céu") e por isso sendo "delicado" ao corrigi-la (delicado como uma jamanta, já disse). E a Ana Carolina é uma cantora da MPB cujo primeiro sucesso falava em dar corda pra depois abandonar. Pronto. Viram porque eu não explico?).
Novos textos do exílio (I)

Virei um caracol, carrego minha casa nas costas. Minha bússola é o guia de ruas, 29,90 na banca mais perto de você.
Estou me sentindo um disco de hóquei, deslocada de cá pra lá a violentas tacadas.
Não, sério.
Quando resolvi ser escritora eu não pretendia levar uma vida muito difícil não. (Tem gente que faz o contrário: leva uma vida muito difícil e por isso, resolve ser escritora. Mas isso não vem ao caso, não agora.) Talvez só uns casos tórridos, mas era só, e o objetivo seria pura diversão.
Daí que está acontecendo exatamente o contrário: caso tórrido, até agora, só um (e não que eu reclame; estou começando a entender qual é a dessa perversão chamada monogamia). E minha vida, hoje, dava uma música dessas ridículas que hoje infestam nossas rádios (tipo a do bebê sem chupeta ou a do borogodó é do balacobaco). A empregada tá grávida; minha avó está com câncer terminal à base de Zoloft; meu pai me agrediu fisicamente com uma porta e quer o modem de volta; minha mãe chamou o quitinete que tenho dinheiro pra comprar de "pardieiro".
Sou material para Alanis Morissette? Ah, e estou morando de favor. Na casa vazia da minha avó terminal, com a empregada grávida que sempre fica com a TV grande pra assistir Senhora do Destino.
Parece que as pessoas ficram todas loucas, perderam a cabeça por aí.
Eu não consigo nem ficar triste. Acho que estou anestesiada. Lembra aquela cena de PI em que o Cohen bate o cérebro na pia? wahh, wah wah wah wah!
Bãããããã.

21.8.04

Era uma vez um edifício misto de serviços e lojas caríssimas.
No começo, éramos só eu e o ascensorista. Na descida, uma horda de gente artificialmente loira e lisa com sacolas pink-berrantes entope o elevador.
Nas sacolas pink está escrito "espaço fashion". São duas mulheres de uns quarenta, vestidas e maquiadas como a Britney Spears, carregando a maior parte das sacolas; a avó, que sorri perante e durante toda a cena; a menina de uns 14 anos, também carregando uma sacolinha; a única sem a sacola é a mais nova, curvada e de cara fechada ("Sullen Girl"). Talvez uma nova-família, núcleo feminino do Manoel Carlos: vó loira, mãe loira, duas filhas morenas, melhor-amiga-loira-da-mãe-loira (homens canalhas!). Todas, menos a Sullen Girl, sorriem. Não um sorriso smirk (o dos olhos apertados e leve contração satisfeita dos lábios, de quem assiste um Monty Python), sabe, mas um sorriso grin (o das recepcionistas falsas e dos anúncios odiosos).
Pois Sullen Girl é intimada a sorrir. Não só convidada, mas também intimada, pressionada, convocada, obrigada a sorrir. Para tal, a horda loira esbofeteia sua auto-estima.
- Que cara zangada.
- Que cara zangada, hein!!!
- Ninguém gosta de gente mal-humorada.
- Gente mal-humorada não tem amigos.
- Ri! Ri! Que que cê tem?
- Que cara feia, hein!
Cócegas e abraços forçados. Sullen Girl, constrangida, ri. Ri para elas pararem com isso, e em parte porque quando em criança (tipo, ontem) ela estava satisfeita com a vida.
Sullen Girl as ameaça. Não só no sentido de não perceberem, por contraste, dentro do elevador (eu e o ascensorista) que elas estão fingindo que estão, ou são, felizes. Mas no sentido de elas mesmas também perceberem, e pararem de conseguir fingir, e terem que trocar todo o guarda-roupa para combinar, e pararem de assistir novelas-das-oito, e deixarem de tingir o cabelo, e de desejarem homens bonitos porque é isso o que gente normal faz, e de viverem a vida toda pagando um mês à frente no cartão de crédito, e o trabalho, e o chopinho depois do trabalho, e os remedinhos pra dormir, já pensou a canseira? Coitadas. Ficariam sem eira nem beira, àquela altura da vida mudar dá uma trabalheira. É melhor mudar a pequena anomalia. É de pequeno que se torce o pepino, elas sabem.
E eu, nó na garganta, sinto-me compelida a quebrar a cara delas ("to crack their grin"). Não com um soco, mas com a seguinte afirmação, numa voz monótona e clara, feita estrategicamente entre o terceiro andar de garagem e a sobreloja, para que não houvesse tempo para a resposta:
- Vocês estão enganadas. Mantive esta cara (*gesto suave da mão sobre o rosto*) toda a minha vida, e não só consegui passar relativamente bem pela adolescência como estou fazendo uma bela entrada na vida adulta. Tenho poucos e bons amigos e um relacionamento amoroso feliz, mas quero distância da minha família por ter insistido exatamente nesta mentira deslavada que vocês estão tentando pregar.
E para a menina:
- Você vai ser feliz de verdade e não como elas.
E se estivesse a fim de ser dramática:
- Eu sou você... amanhã (*brandindo um uísque*).
E deixar aquelas caras que ficam num vaso perto da porta das casas delas pelo menos um pouco estragadas.
Mas Sullen Girls são umas inertes, além de subversivas. Não adianta ninguém falar nada para elas, e como seria in her behalf que eu estaria falando, não falei nada. Conhecer o caminho não é igual (e não é nada parecido) com trilhar o caminho.

16.8.04

Ui ui. Hate to say I told you so.
Parece que sou uma boa pauteira, especialmente de comportamento. Deixe-me ver:
- os cinemas estão ficando caros e cartelizados, surge uma campanha na internet para baixar seu preço.
- os farofeiros da internet: será que brasileiro é tão mal-educado, spammer e desrespeitador da netiqueta quanto se diz? (ilustração: um frango com farofa estilizado, clipart. Box: brasileiros estão na vanguarda da internet).
- estamos esperando o grande romance desta geração: quem é o mais provável candidato a escrevê-lo (título: façam suas apostas).
- o metrô e o ônibus cariocas estão quase nivelando de preço.
Se quiserem me contratar, sorry, vocês perderam a chance. Mas posso fornecer consultoria de ghost-pauteira por um preço absurdamente caro.
Tem um lado da família que eu gosto muito...
Não vê o Papa, mais baba do que fala, abre a boca e sblé, sblé, sblé, e taí! Vivo! Quando abre a boca pra rezar só sblé, sblé... e não quer largar o osso, né? O poder, né?
Com os gestos foi muito mais engraçado. Também, o que um cálice de moscatel não faz?
O Aurélio e o Houaiss estavam brigando. Ou se amando, estavam um em cima do outro, abertos, hum... Já os separei, estão de castigo.