21.4.04

Comprei sete livros daquela promoção Globo/Folha:
Quase memória
Trópico de Câncer
O senhor das moscas
O amante
A consciência de Zeno
O grande Gatsby
O caso Morel
Estes dois últimos eu já li. Tirei a capinha escrota, sentei e li. Escolhi os dois porque senti que ajudariam a escrever meu livro.
O caso Morel não é meu tipo de livro. É bom, mas não combina comigo.

"Estes acontecimentos duraram algum tempo até que terminaram, como sempre, em cansaço e desinteresse."

Achei essa a melhor frase do livro. Penso nela a toda hora.
Mas O Grande Gatsby me deixou sem fôlego. A ambigüidade dos personagens; a habilidade de ter tecido uma história com aparência de real e qualidades de ficção; as imagens (e uma boa tradução). Aos trechos:

"Jordan Baker evitava, instintivamente, os homens inteligentes e perspicazes - e eu, agora, percebia que ela assim agia porque se sentia mais segura num plano em que qualquer divergência de um código de conduta teria sido considerada impossível. Ela era incuravelmente desonesta. Não lhe era possível suportar uma situação de desvantagem e, devido a isso, começara muito cedo, creio eu, a lançar mão de subterfúgios, a fim de conservar o seu sorriso frio, insolente, com que encarava o mundo, e satisfazer, ao mesmo tempo, as exigências de seu corpo rijo, elegante."

"- A voz de Daisy é indiscreta - observei. - É uma voz cheia de...
Hesitei.
- Uma voz cheia de dinheiro - disse ele, súbito.
Exatamente! Eu jamais o percebera antes. Uma voz cheia de dinheiro... que constituía o encanto inexaurível que ondulava nela, que nela tilintava... a canção de címbalos que havia em sua voz... Num alto palácio, a filha do rei, a jovem dourada..."

"Benny McClenahan chegava sempre acompanhado de quatro garotas. Nem sempre eram as mesmas, mas se pareciam tanto umas com as outras, que davam, inevitavelmente, a impressão de que já tinham estado lá antes. Esqueci seus nomes... Jaqueline, creio eu, ou, então, Consuelo, ou Gloria, ou Judy ou June e seus sobrenomes consistiam de nomes de flores ou meses, ou de nomes mais severos de grandes capitalistas americanos, dos quais, se a gente insistisse, diriam que eram primas."

"O grande salão estava cheio de gente. Uma das moças de amarelo estava ao piano e, ao seu lado, encontrava-se uma jovem senhora alta, ruiva, pertencente a um coro famoso, a cantar. Tomara grande quantidade de champanha e, enquanto cantava, decidira, ineptamente, que tudo era muito, muito triste - não estava cantando, mas, também, chorando. Sempre que havia uma pausa em seu canto, ela a enchia de soluços arfantes, entrecortados, reiniciando, depois, a parte lírica em trêmulo soprano. Lágrimas deslizavam-lhes pelas faces - mas não o faziam livremente, pois, ao entrar em contato com os cílios exageradamente pintados, adquiriam uma cor de tinta de escrever, e continuavam o resto de seu caminho convertidas em lentos e negros arroios."

"- Dominar-me! - exclamou Tom. - Só o que faltava, agora, era eu permitirque um joão-ninguém, vindo de não se sabe de onde, fizese a corte à minha esposa, enquanto eu permanecese de braços cruzados! Se é essa a sua idéia, pode tirá-la da cabeça... Hoje em dia, começa-se por zombar do lar e das instituições da família; dentro em pouco, não se respeitará mais nada, e teremos casamentos entre brancos e pretos.
Animado pelo seu palavrório, via-se a si próprio como se estivesse de pé, sozinho, sobre o último baluarte da civilização.
- Aqui somos todos brancos - murmurou Jordan.
- Sei que não sou muito popular. Não dou grandes festas. Creio que é preciso transformar a casa da gente num chiqueiro, para que se tenha amigos... no mundo moderno.
Embora furioso como estava, como todos estávamos, eu sentia-me tentado a rir toda vez que ele abria a boca, tão completa era a sua transição de libertino a pedante."