30.11.04

Sendo do jeito que sou, that is, quase esquizóide, enfadada de gente, não é de se admirar que pessoas que estão acostumadas a serem admiradas, that is, o centro das atenções, me odeiem por sequer notá-las ou por criticá-las como a qualquer mortal e, coerentemente, é preciso dizer, experimentem uma vontade irresistível de me insultarem, satisfazendo, ao mesmo tempo, à sua necessidade de chamar a minha atenção e ao seu ódio vingativo. Não sei se as mais engraçadas são as que se abandonam a este impulso, ainda que organizada ou criptograficamente, ou as que - uungh! - tentam arduamente resistir a ele. Estou pra ver ainda alguma dizer ei, ei, olha pra mim, mas tenho medo desse dia. Até porque eu poderia gostar.
À direita

Na saída do metrô da Carioca, encaro duas escadas rolantes. Lembro do metrô de Londres, as pessoas enfileiradas à direita das escadas intermináveis até onde a vista alcançava. A esquerda, como no trânsito, era a via expressa; quem tivesse energia para subir as stairways to heaven, tinha perfeitamente como passar. Os turistas, acossados, adaptavam-se rapidamente sob os olhares severos dos nativos.
Que coisa engraçada. Aqui tem o mesmo adesivo que lá - "mantenha-se a direita" - colado exatamente no mesmo lugar, mas aparentemente ninguém lê. E aliás, precisa ler? Mesmo que não se fique sempre à direita, deixe um pobre apressado subir em ziguezague. Não entupa a escada. Sim, porque tem gente que entra num degrau à direita, atrás de um cidadão consciente, e logo é tomado de súbita pressa, que se esgota inexplicavelmente no degrau à frente, bem do lado do cidadão consciente, estressando desnecessariamente quem planejava (esperança vã) subir pela esquerda.
Assim me vejo acometida de um surto direitista, interprete como quiser: se a gente tivesse uma guerra, talvez as pessoas aprendessem a se posicionar no mundo. Um corpo ocupa um espaço, caramba, e o espaço que o seu corpo ocupa numa coordenada x, y e z no tempo t tem conseqüências. Numa guerra, essas conseqüências só são mais rápidas e graves; quem não se liga, babau. Se bem que já estamos em guerra.

29.11.04

A professora-gracinha dizia que o novo perigo tinha outra cor, não mais vermelha, sabem qual é a cor do novo perigo? Cutucava o quadro verde dramaticamente, após outra das constrangedoras pausas no burburinho constante, os nerds tendo parado de ler seus outros-livros e ficado a olhar para ela:
- VERDE! O perigo VERDE, queridos.
Éramos sempre queridos. E o jeito de falar. Se antes o método era simpático e estimulante, depois ficou engruvinhado de musgo, empedrado. Excelente até o fim mas...
Nessas horas de puro agaste, eu murmurava mentalmente o mantra: mmm skyscraper i love you. Música do Underworld. Da qual até aquele momento eu só conhecia o título, que achar uma MP3 na internet àquela época era coisa de louco. Inventei um jeito de pronunciar o título. No meio de 2000 consegui baixar dois minutos dela pelo Napster e descobri que estava cantando certo: uma vírgula entre skyscraper e i love you e a pronúncia sexy e arrastada de uma ressaca. Apesar de não ter pensado no eco (love you love you love you...).
Verde, explicava a professora, é a cor do Islã. Os muçulmanos se organizam em grupos extremistas xiitas que mmm skyscraper i love you .
Achei que fosse uma dessas previsões doidas de supercrash tipo as do Arnaldo Jabor e i see porn dogs sniffing the wind for something violent that they can do.
E só agora, tendo escutado constantemente Push Upstairs nos últimos dias, me dou conta que a música repete incessantemente tina? tina? tina?

27.11.04

Lady in the lake - Elysian fields

But it doesn't matter anyway
I'm on the wrong side of the water
Oh wont you listen to the lady in the lake
A nave da Xuxa desceu na Ploc e causou comoção.

24.11.04

Temporada de caça 2005

Sabem que me decepcionei amargamente com o filme nacional de que eu esperava tanto esse ano, Nina.
Agora estou animada com isso. Parece que pode sair meio bobo - é o único risco - mas só de mexer com algumas coisinhas do cinema nacional, já merece minha atenção e dedicada torcida. Torcida para que seja bom, é claro. Senão paro de torcer.
Aliás, Nina pode ter sido uma porcaria, mas este site é bacana.

23.11.04

Hummm. Desconfio que sou uma escritora muito muito chata. Minha loucura colorida não combina com a loucura bêbada dos outros. Intelectual bebe, né? Pois eu não bebo e não suporto bêbado. Acho bêbado um porre. Gente, que desgraça eu. Ou o mundo. O desnível é que é um saco.
Me lembra Pablo e eu. Pablo e eu só começamos a nos entender por causa de Deleuze. Antes, só nos entendíamos por alguma comunicação inconsciente. A consciente era assim:
S: Olha lá.
P: Quê.
[Aponto uma menina com a bunda colada no ar-condicionado].
S: Ela tá com fogo no rabo.
P: Ha ha ha ha. Ééé, ela tá com fogo no rabo!!
(dez minutos depois)
P: Ha ha ha, tá com fogo... no rabo! Tem que pôr no ar... pra esfriar...
(meia hora depois)
P: Ha ha ha... com fogo no... ha ha ha!
(quarenta e cinco minutos depois)
P: Hi hi hi hi.

Louco, louco, louco. O pensamento complexo nos uniu. E o cinema, claro. Se não fossem eles, jamais, jamais. Quer dizer, ele leu Deleuze lá no grupo de estudos dele e eu, prum trabalho de comunicação e psicologia. Concomitantemente, descobrimos o cinema como âncora num mundo tão louco. Hoje já ocorrem diálogos melhores, como:

P: Mas é uma troca, entende? Ele me dá E e eu fico do lado dele. Como é que posso te explicar?
S: Tentando.
P: Ele acha... que sou uma coisa que eu não sou. Quer dizer... não sei se sou... é ele que acha. E por isso... há uma troca... há uma alimentação... uma retroalimentação...
S: Pablo, não tô entendendo nada. Seja mais claro.
P: Ele acha... que eu ocupo uma certa... posição... na noite...
S: Ele acha que você é cool.
P: Isso! E que me dando E... eu fico do lado dele... de forma que ele... também mantenha... a sua posição...
S: Ah, então ele te acha cool, e te dá E para que você, sendo cool, fique do lado dele, de forma que ele também seja cool... por extensão.
P: Isso! Aêêêê.

É um exemplo. A gente parou de se julgar, ele parou de viver drogado, adquiriu alguma cultura, e eu perdi um pouco mais minha cabeça. Quando eu falo ele também tenta me entender. Conseguimos conversar, dançar, ir ao cinema, rir, e até andar de metrô. Beleza pura.
Ouvido musical

Depois que a moça que assobiava Mozart foi embora, fiquei com o computador dela - do lado da Revisora e do Tradutor - que o resto (sem ser o Chefe, que também traduz mas é o Chefe) é tudo mulher.
Passa o Tradutor fazendo "hums" de determinados tons e freqüências: UmUm, UmUm, Um-Um UmUm...
- Ei! Essa não é a música dos Umpa-Lumpas da Fábrica de Chocolate?
Era.
Daqui a pouco, a Revisora está PaPapapam, pamPAM!
- Por acaso isso é Wagner? Uma abertura...
- Lohengrin.
Bode na sala

Acabou a maratona, ops, a monografia. Voltando a escrever um só livro por vez, parece tão fácil terminar rápido algo que você ama escrever. Sei que em dois dias o efeito "bode na sala" passará e começarei a achar de novo que, quanto mais se ama, mais cuidado se tem, portanto mais difícil to let go.

22.11.04

Às vezes eu acho que está errado. Mas como estou escutando e gostando tanto desta música [a música é eletrônica e sêca]. Eu sou uma pessoa boa. Não boazinha, boa. Mas não está errado não, eu é que sou dúplice, quase esquizofrênica. Não sei se a música me agrada por ser o exato oposto da minha doçura atual ou por clamar ao meu lado metálico (o que faz kling quando jogam uma moeda).
Sweetness é sempreviva, dependo dela [um beija-flor de bico na flor de plástico, suck suck] mas sempre conclamam o mal, capital, o Mal takes over, não sobra espaço para o bem. Não tem espaço para os dois na cidade. O outro em círculos pelo porão, mãos pra trás, o porão é escuro, empoeirado, "como é que ele agüenta"? Pois ele não agüenta, é isso. Então eventualmente sou pregos e parafusos na partitura, acorde invencível, chutes nas correntes, obsessão cúbica, morte limpa, insistência exagerada em monotom, definição do óbvio martelante. Mas no porão sou sempre. Não grite para dentro.

19.11.04

Lembra Broadcast também, aliás.
Quem curte Radiohead, Portishead, Bjork e Mono (da música tema de Grandes esperanças, "Life in mono") vai gostar dessa mistura dos quatro: Blonde Redhead. O CD novo deles se chama Misery is a butterfly.

17.11.04


Uma semana antes do Arafat, lá se foi meu último avô, o Sr. Burns, aos 92 anos de idade, juiz aposentado, uma foto cumprimentando o Sarney na sala do apartamento alugado pra não deixar herança. Mas eu gostava dele. A risada dele era excelente.

13.11.04

Então uma livraria. Não uma livraria que coloca os mais vendidos escrotos empilhados, ou pior, lançamentos-jabás que nem ainda começaram a vender, mas assim que forem empilhados perto da saída, serão best-sellers, então é como um cartão de crédito: best-seller garantido, leia antes de todo mundo! Uma livraria que realmente empilha livros decentes, coisas que sabe que um verdadeiro literato há de amar ou pelo menos, se interessar o suficiente para pegar e folhear.
Claro que isso significa que essa livraria será bem mais cara do que as outras e eu, pelo menos, não poderei comprar lá, mas dou fé que os ricos comprarão lá porque não sabem os preços das coisas, não querem saber e/ou têm raiva de quem sabe.
Porque capas, feias ou bonitas, em alto ou baixo relevo, foscas ou polidas, duras ou moles, cafonas ou sofisticadas - vocês não me enganam. O que importa é o conteúdo.
Passeando pela livraria boa-porém-cara, notei algumas coisas que merecem atenção.
A louca da casa - Rosa Montero. Sempre que abro esse livro, acabo pensando: muito interessante... A parte sobre Goethe por exemplo. Ou a da anã de rosa.
A feijoada que derrubou o governo - Joel Silveira. Fantástico. Jornalismo mais escroto possível, mas daqueles que têm tanta classe que fazem os políticos mastigarem as gravatas, por não poderem fazer nada sem cair mais ainda no ridículo.
Vale Abraão - Agustina Bessa-Luís escreveu um livro pensando "para a literatura", e não em escrever "uma história" ou "a minha história muito mal disfarçada". Saquem só o preço! É importado de Portugal.
Duas iguais - Cíntia Moscovitch. Dá pra sentir que ela sabe o que está fazendo.
O morro dos ventos uivantes - Emily Brontë, em tradução de Rachel de Queiroz. Ainda não tá no Submarino.
A tapas e pontapés - Diego Mainardi. Finalmente entendi qual é a dele, através de uma mera leitura da orelha do livro, e degustando algumas páginas internas achei que ele realiza a própria proposta decentemente. Imagino certa gente lendo a mesma orelha e cuspindo no chão - que nojo! que escroto!
A morada do ser - Marina Colasanti. Óbvio.

Agora os livros em que não se deve prestar atenção. Ignore-os. São desafetos, ok? Passe direto, não olhe na cara deles ou virará pedra.
O baile das lobas - Mireille Calmel. O pior da literatura francesa na livraria mais perto de você.
Bandidos e mocinhas - Nelson Motta (pas-ti-che)
100 escovadas antes de ir para cama - Meli Panarello (este, quando li sobre ele - e não ele - e estava escrito que a menina tinha escrito suas próprias memórias com detalhes picantes de sexo e sadomasoquismo, pensei que as escovadas fossem na... deixa pra lá).

8.11.04

As criaturas do novo comercial do SEDEX são cópias perfeitas dos três convidados do meu padrasto para Araras. Inclusive pela burrada de terem esquecido a chave do sítio.

7.11.04

Seria interessante, agora que o Computer World já é de alguma forma realidade, que o Kraftwerk fizesse novas músicas - sobre internet, celulares e The Sims. Não sugiro estrelinhas de fotolog e câmeras digitais porque já existe The Model.
Esqueci de falar de um ou dois aspectos interessantes: o Kraftwerk patrocinado por uma empresa de celular. Muito, muito espertos. Parabéns departamento de marketing.
OK, eu explico. Tudo a ver uma empresa que fabrica pequeninas máquinas de integração inter-humana patrocinar o Kraftwerk, sendo que toda a música deles está fundada nisso: inte(g)ração homem-máquina.
Ao meu lado um casal tirava repetidas fotos do Kraftwerk com o celular, aliás.

A parte em que fiquei mais emocionada no show, realmente uma comoção, foi a Tour de France, com as imagens de ciclistas no telão. Por quê? Sou uma ciclista viciada: desde que aprendi a andar no meio do trânsito e decorei o trajeto das ciclovias arduamente batalhadas pelo Partido Verde, não me canso de me locomover pelo bairro em duas rodas. Para tudo piorar, o Kraftwerk começou o tema principal da música num tempo bem lentinho, quer dizer, só se reconhecia pelas notas: eu tive que gritar.
Tenho uma vaga noção de que possa ter constrangido as pessoas à minha volta com meu comportamento etéreo ("do éter"), mas o cara do lado também me incomodou com sua erudição tagarela puxa-saca, muito malvinda àquela hora de puro sentimento, dizendo ao léu coisas do tipo esta se chama Neon Lights, esta música é linda, preste atenção, oh! Agora vê só essa parte, essa parte é perfeita! Eles estão mais humanos, no outro show eles... Logo, o inferno são os outros e que se foda.
Simpáticos robôs

Ouço agora as MP3s do Kraftwerk na ordem do show. Foi um dos melhores shows da minha vida, junto com o Leftfield e o Orbital.
O Prodigy foi uma loucura, eu tinha 15 anos e dancei tanto, mas tanto, tanto, com tanta violência e selvageria, que meus cabelos chegaram secos e saíram encharcados até a ponta de suor, que no contato com a noite gelou minhas costas. Graças que eu tinha levado um casaco. Idem os Chemical Brothers.
O Prodigy são 'punks eletrônicos', talvez eu realmente, aos 15 anos, tenha curtido eles da maneira mais indicada. Mas... eu ainda não entendia o que estava vendo. Foi importante ter visto Leftfield e Orbital mais velha - e visto mais de perto.
O táxi da ida perguntou o que estava tendo no Armazém 5 hoje, ao que eu respondi um grupo alemão, Kraftwerk. Foi então que começou a tocar É o Tchan! do Gerasamba e ele, empolgadíssimo, cantou junto até acabar a corrida.
O que aconteceu depois disso não sei bem. Começou com a música que eu fiquei imitando com a boca a semana inteira: Men machine. E tome, including but not limited to, Neon Lights, Tour de France, Autobahn, Radioactivity, The Model, Trans-Europe Express, Numbers, um mix de Computer World/It´s more fun to compute/Home computer, The Robots, Boing Boom Tschak, Music Non-Stop. Tem aquela loja de informática com o nome trash de Simpáticos Robôs, isso bem passou pela minha cabeça: os homens-máquina estão mais simpáticos. Um até balançava o pezinho. Foi um show integrando som, imagem, figurino e iluminação perfeitamente, diria eu racionalmente. Mas não sei o que foi que me fez ficar sorrindo radiante o tempo todo, cantando, fazendo barulhinhos com a boca, seqüências num teclado imaginário, eu estava extasiada, tinha pago pra ver e estava vendo! Bem de perto!
Vi durante mais de duas horas, acreditem, a duração perfeita. E depois, com o espaço fornecido pela debandada, como Julieta na sacada, apoiei os bracinhos cruzados na grade com cara de ai-ai estou tão satisfeita.
Foi então que os roadies empurraram um caixão preto até a frente do palco. Meu primeiro pensamento, apenas como amostra do meu estado de espírito, foi eles (o Kraftwerk) vão sair dali de dentro, mesmo não fazendo nenhum sentido. Descobriram a parte de cima: equipamento de DJ. Aquilo me fez uma ruga intrigada, humm, só falta ser o...? Ah, não, seria muita sorte. (A mania, às vezes saudável, de baixar expectativas infundadas para evitar decepções. Sabe como é.). Pouco depois chega aquele com cara de DJ, sério e concentrado, mas como quase todos os DJs usam óculos de armação pretinha, camisas com logotipos cool e são magrelos e branquelos (exceto pelos DJs negros, que não dependem do sol), achei que meus olhos míopes, ou meu falhíssimo sistema de reconhecimento facial, poderiam estar me enganando: parecia mesmo o... Sim, o DJ com um som inconfundível, preferido meu e do Pablo, o qual chegamos a pagar 20 reais para ver uma vez! Não precisei esperar o som inconfundível começar, porque logo um moleque ainda com espinhas na cara anunciou igual locutor de rádio farofa: DJ Maurício Lopes. (Recuso-me a repetir a frase exata, tenho princípios e vergonha na cara).
E então começou o som inconfundível e outro sorriso interminável de uma noite inesquecível. E vejam, eu estava sozinha! E como eu dançava, como se fosse uma proibida rave no cais do porto, era uma permitida, vejam só! Eu dançava como se fosse um milagre, porque era.
No táxi da volta, tive o insight de colocar o livro todo no presente, roubada, confesso, da experiência de ter lido "Noite" do Érico Verissimo. O livro que estou escrevendo há quatro anos, pois é. A feia noite. Sabe como é, o presente é, não se explica antes nem durante, só, talvez, depois, e eu não teria que explicar as coisas num livro em que as pessoas são movidas pela confusão interna. E, no fundo, é isso que está dificultando a conclusão dele: ter que explicar algo que nem os personagens sabem porquê. (E eu sei que eles não sabem, o que me salva de ser uma idiota literária completa. É preciso reconhecer a ignorância antes de se começar a aprender.).
A noite é eterna, ela sempre está escura, ela sempre vai e sempre volta - o dia também, é claro, mas o dia é claro... isso faz toda a diferença, porque nele se enxerga o tempo passar. De noite não, dá pra disfarçar. A noite facilita o auto-engano e paradoxalmente o auto-conhecimento.

3.11.04

Noite (Érico Verissimo) é dessas histórias com moral, como aquelas que às vezes gosto de escrever, e lendo o livro, por algum motivo, percebi o quão genial e livre foi a adaptação do filme (sim, há um filme, e se chama Noite mesmo). Evidentemente não existe DVD, mas passa(va) no Canal Brasil. Prefiro pensar que Noite não fala de Uma Noite, tampouco dA Noite: é Noite-clima, Noite-isso. A orelha da edição que tive em mãos (é do Pablo) é muito bem escrita e diz que se trata da noite interior do homem. Não sei como chegaram a essa conclusão, mas concordo plenamente. Poxa, é curto, e logo vão lançar uma nova edição por causa do centenário de nascimento do Érico; vale a pena ler, especialmente pelas páginas finais, espetaculares em sua simplicidade. Não se inventa nada, diz-se apenas o que estava ali.
Frase lapidar: Centauro é um monstro mitológico, metade homem, metade cavalo.
Trecho-degustação: Pensou mais uma vez em procurar um analista e contar-lhe tudo, porém um pudor invencível o deteve. Não podia imaginar-se a confessar tamanhas intimidades a um estranho. Não teria coragem de confiá-las nem ao melhor amigo. Era até com certa relutância que contava essas coisas a si mesmo.
(O contava em itálico. Corajoso, não?)
O outro que li foi Voragem, Junichiro Tanizaki, comprado em excelente oferta da Sodiler. Como se vê, ando com um pendor por livros antigos: este é de 1931, Noite é de 1952. Você pode até começar a ler devagar; depois, você quer saber onde toda aquela desconfiança mútua vai dar, e lê Voragem com voragem até acabarem as páginas. Sabe? Tragédia mais que anunciada, você sabe que vai acontecer, mas catarticamente quer ver acontecer? Ahh. Parece o meu último conto publicado, o em 25 mulheres que estão fazendo a nova literatura, pela desconfiança mútua (que causa assunções nem sempre corretas, modificadas por revelações e pactos com o ex-quase-futuro-inimigo, só para descobrir que fez uma imensa besteira, e recomeçar o mesmo ideograma pelo outro lado).
Trecho-degustação: Ele retrucou que Mitsuko, por mais apaixonada que estivesse, jamais dava a conhecer sua fraqueza; preferia fazer de tudo para que o objeto de sua paixão passasse, ao contrário, a adorá-la. Orgulhosa da própria beleza, tinha de estar sempre rodeada de admiradores para manter o ânimo. Convencera-se de que mostrar interesse por alguém seria o mesmo que rebaixar-se.
E aí começa a tocar Pedestal, Portishead.
Aliás, toda essa enrusticidade me leva a conceber um plano muito melhor para a próxima vez que meu padrasto decidir ser inconveniente na sua escolha de convidados. Vou convidar muitos, mas muitos gays. Anunciarei uma espécie de rave B.I.T.C.H. E nada de menininhas bissexuais abertas a novas experiências. Eles ou se descobrem ou fogem de carona.

2.11.04

E de repente, eu era a participante impopular de um Big Brother forçado.
Ela se fechava e lia um livro inteiro num dia, de biquíni ou de pijama, no sofá, na sala de tv, na piscina. Infelizmente ela só havia trazido dois livros e os dias eram quatro.
Meu infame padrasto convidou, à minha extrema revelia, três estudantes da PUC de 21 anos de idade, do sexo masculino, cujos maiores interesses, pelo que pude atestar em quatro dias de aconselhável distância, eram hip-hop-trilha-de-malhação, batidas de carro, vodca, motocicletas barulhentas, pegar mulher e as boates de Itaipava e... e... sacoé?. Sacoé? como vírgulas. E, é claro, bróder como aposto. Me convidaram pra ir com eles. Disse que tinha perdido a fé nas boates de Itaipava aos 16 anos.
E alugavam a TV. Minha estratégia foi alugar o DVD mais mulherzinha impossível, tanto que se chamava Adoráveis Mulheres, inspirado no Mulherzinhas da Alcott... com a Winona Ryder, a Susan Sarandon, a Claire Danes e a Kirsten Dunst criancinha. Efeito imediato, pensei, maquiavélica.
O primeiro não durou 15 minutos. Os outros dois dormiram estranhamente enroscadinhos no colchão de casal da sala de tv, sob o mesmo edredon, com direito a ronco e quase-abraço. Acordaram pulando pra longe um do outro, pigarrearam bem macho e deixaram a sala após 1h e 40 de filme. Vitória.
Na terça, surge o fruto daquela união bastarda. Minha mãe, que ainda se incomodava, àquela altura, em contá-los, repara que, além de Jimmy, Jeffy and Jamie, há um quarto; diz ela mesma: estão se multiplicando!
Penso horrorizada: Sim! Eles estão se multiplicando! Como gremlins!
Moral da história: se você estiver com bichos deste tipo em casa, nada de vodca após a meia-noite.