29.9.05

Fui comprar um livro da faculdade pela internet e simulei a compra em várias lojas, para poder considerar o valor do frete. Acabei comprando de uma livraria lá do sul que oferece descontos tentadores (embora demore um pouquinho se o livro for "raro").
Então o Submarino me manda um email com a foto do tal livro.
"Esse produto tem uma história inacabada com você. Nós prestamos atenção (...). Caso ainda interesse, aqui está uma segunda chance de conciliar o que antes era só um namorinho."
O livro era "A manipulação da palavra", do Philippe Breton. Ah, marketeiros.

28.9.05

atenção: post chato

Análise de texto: "Todos nós especulamos em algum momento da vida." e a menina me aponta isso como "verdade". Tomou uma gentil admoestação do professor de retórica. "Podemos sair daqui e dizer qualquer coisa: que a aula foi chata, que vieram muitos alunos, que eu não prestei a mínima atenção, mas nada disso é verdade, fato. A única certeza é de que nós estamos aqui hoje nesta sala."
Nesse momento pronunciei Descartes, mas acho que ele não me ouviu.
O apartamento de Francisco é antigo. De seu quarto ele vê estrelas. Da varanda ele vê partes de edificações beges e brancas, ouve ruídos de crianças em playgrounds e divisa uma ou outra planta decorativa. Quando ele volta da varanda até o seu quarto, passa pela porta do outro quarto. Quando o sol se põe, deixa a varanda e a sala alaranjadas. A janela do outro quarto dá para o poço de ventilação. Seu vizinho é next door mesmo. Do banheiro se ouve tudo o que se fala na suíte do quarto de Francisco.
Fiz a planta para saber se isso existia mesmo ou era Escher.

As coisas esdrúxulas que uma pessoa faz quando escreve um livro. Devo ser das pessoas menos preocupadas com coisas como exatidão e verificação "científica": se exercesse mesmo o jornalismo, eu teria que me forçar a ser atenta ou viveria nas erratas até ser despedida. Só fiquei curiosa para saber se tinha inventado algo plausível.
Apenas um detalhe era arquitetonicamente improvável: o outro quarto dar para o poço de ventilação. Apartamentos antigos são bem mais generosos: um quarto de frente prum poço de ventilação seria algo impensável. Agora este quarto dá para a parede, pronto.
Também descobri que o apartamento de Francisco é de fundos e seu quarto é lateral.

Cheguei a pesquisar normas da ABNT:
"Nos últimos anos, tem renascido o interesse na promoção das boas práticas de projeto de iluminação natural por razões de eficiência energética e conforto visual. O uso otimizado da luz natural em edificações usadas principalmente de dia pode, pela substituição da luz artificial, produzir uma contribuição significativa para a redução do consumo de energia elétrica, melhoria do conforto visual e bem-estar dos ocupantes. A luz natural possui uma variabilidade e qualidades mais agradáveis e apreciadas que o ambiente proporcionado pela iluminação artificial. Aberturas, em geral, proporcionam aos ocupantes o contato visual com o mundo exterior e permitem também o relaxamento do sistema visual pela mudança das distâncias focais. A presença da luz natural pode garantir uma sensação de bem-estar e um relacionamento com o ambiente maior no qual estamos inseridos."
Dado que o livro tem gente trocando o dia pela noite e vedando as janelas com papel-cartão preto, achei uma certa graça.

27.9.05

Londres me seguiu até aqui: não pára mais de chover e as pessoas estão até aprendendo a andar com guarda-chuvas.

25.9.05

Buy it now

Buy it never. Eu me senti uma psicopata vendo esse filme (sobre a menina que leiloa a virgindade pela internet). Não senti a mínima empatia por ela. Ela tinha (tem) uma vida extremamente besta e faz por merecer.
Ela é óbvia demais. Uma adolescente com bichos de pelúcia e pôsteres no quarto (Britney Spears, Christina Aguilera, Paris Hilton, Eminem, Johnny Depp). O terapeuta dela lhe receita remédios tarja preta. Além disso, ela usa drogas e se corta "para aliviar a pressão". Ela gasta todo o dinheiro ganho com o leilão em bolsas Prada e mais objetos de grife que viu folheando a Seventeen. A mãe dela é "má" porque não lhe dá mais a atenção 24/7 com que estava acostumada na infância. Até acredito que haja gente assim nos Estados Unidos, estereótipos ambulantes. Isso explica mas não justifica.
What's more, simpatizei com o cara que comprou o "produto" dela. Era um cara legal. Pena desperdiçar 2000 dólares com aquela parva (acontece: eu mesma desperdicei 6 reais). E a mãe dela era ok. Não o máximo, mas ok.
Na seqüência final, eu comecei a bocejar sem parar ao mesmo tempo em que o cara magrelo do meu lado (que ficava estalando as juntas clec clec a porra do tempo todo) começou a chorar copiosamente por baixo dos óculos. No segundo em que terminou o filme, a menina do outro lado (que ficou falando no celular durante o filme) virou para alguém na fila de trás e começou uma verborragia sem aviso prévio nem te falei que aquela hora estava chorando deprimida por causa de quebraram a minha cozinha pra reformar ou algo assim. Ora, façam o favor e se matem de uma vez. Suicídio coletivo dá manchetes maiores, sabem.

23.9.05

Eu sei: ando muito polissíndeta.
Gosto de chá
("gôsto" de chá)

Gosto de chá é um filme leve que inclui todas as obsessões japonesas: jogo de Go, cosplay, anime, mangá, mechas ("robôs gigantes"), Yakuza, famílias numerosas, sakuras ("flores de cerejeira"), passagens das estações, colegiais, artes marciais, kawaii ("fofura") e, é claro, chá. Tenho certeza que muita gente saiu dali sem achar o filme tão legal quanto merecia porque não conhece muito bem a cultura japonesa. Bem, perdem eles.
Não é um filme que vá mudar sua vida, mas vale a pena ver se você conhece um pouquinho do Japão e gostou de, por exemplo, Donnie Darko, Ninguém pode saber ou A última vida no universo.
Está passando no Festival do Rio, este filme, mas também no Emule mais próximo de você.

19.9.05

Hoje eu sonhei que estava dentro de um livro do Dickens. Mesmo sem ver o título nem nada eu sabia que era um livro do Dickens. Era óbvio. Tinha crianças muito inteligentes (três) e uma grande casa velha que as abrigava temporariamente. A casa velha era de velhos completamente desleixados e alheios à vida e se havia mais adultos era de passagem e com malas pretas. Em toda a casa havia apenas um livro, esse sim "fictício" e um pouco mais antigo, também escrito pelo Dickens. Tinha um cachorro malhado que fazia cocô em tudo quanto era canto e eu era a narradora.
Quando alguém abria o livro, a narradora narrava. O resto do tempo eu ficava de papo pro ar, sentada nos montes de palha pelo chão, ou fazendo as crianças fazerem coisas - vocês podiam adestrar esse cachorro, por que não lêem esse livro e ia fazendo a história andar secretamente.
Depois que as crianças adestraram o cão e leram o tal livro (que tinha um título comprido como "A grande aventura de ????? ?????? em ????????" e uma capa ilustrada e colorida) eu mesma resolvi lê-lo.
A cena se desfraldou à minha frente como um holograma. As pessoas da capa conversavam durante um piquenique. A menina rica dizia que o filho do caseiro não deveria cuspir grãos de milho cozido atrás da casa, se não gostava era só falar. Todos os personagens diziam e agiam de forma muito interessante, menos Amelia Greasebrain. Amelia Greasebrain tinha olhos verde-cobra e cabelo cor de palha, e quando encontrava alguém conhecido, tangia-lhe a cintura e fazia cócegas com seus dedos ossudos. "Vocês todos são muito legais", disse eu, sincera como uma narradora, e notando os sorrisos, "menos você. Você é muito chata. Sua história é chata e desinteressante."
Nesse momento, todos os outros personagens se envolveram na toalha do piquenique até sumirem. De puro medo. Os olhos de Amelia Greasebrain se tornaram vítreos e demoníacos. Ela rosnava. Ela arrojou seu bebê no meio da toalha de piquenique, possessa. Ela me odiaria para sempre.

Fui retransportada a um sonho anterior. Nesse sonho, passado nos anos 50, uma velha de 90 anos morria num leito de hospital e eu, por falta de camas na cidade, era convidada a dormir ali mesmo, onde trabalhava como enfermeira. Outra enfermeira insistiu em esfregar o meu futuro leito com algodão embebido em desinfetante antes de pôr o lençol, apesar de eu ter estranhado o procedimento. Aquilo aumentou minhas suspeitas. Já tinha notado algo de estranho com a velha antes da sua morte, mesmo ela sendo pacífica como um cordeiro.
Este sonho era chato e árido, mas há um motivo para falar dele. Amelia Greasebrain era aquela velha. A história dela se desdobrou: aquele bebê que segurava e jogara longe era de um médico que, há pouco tempo atrás, tivera um caso com uma enfermeira. Amelia se convertera e sorria na foto do casamento, transformada da bisca que era. Mas logo sua maldade reprimida aflorou com toda a força e ela matou o marido e a tal enfermeira, cortando os dedos pintados da mulher e comendo-os entre dois pedaços de pão de forma.
Agora Amelia tinha tomado o corpo da minha colega de quarto e ficava correndo atrás de mim por vários cenários de sonho, para me cumprimentar a cintura com cócegas ossudas. Um horror.

16.9.05

Vou ter que dizer. Sou (ou pareço ser) a única escritora atual que acredita em inspiração, torre de marfim, estas coisas. Claro que numa versão atualizada - explico.
Não acredito que algumas pessoas tenham a coisa e outras não, mas acredito que nem todas saibam ter, como um orgasmo.
Não acredito que seja uma visita súbita. É uma ideiazinha que vai se girando e encaixando no lugar - pense nas engrenagens de uma máquina -, vai se juntando com outras partículas de idéia, e aquele momento em que você percebe que tem uma boa idéia encorpada na mão, isso é inspiração.
Você pode guardá-la para mais tarde, fora da geladeira, por até alguns dias ou semanas, de forma a madurá-la melhor - bananas não amaduram na geladeira, ficam com gosto de verde, já percebeu? É só tirá-la de lá quando for sentar para trabalhar. Mas pra mim não adianta sentar para trabalhar sem uma dessas na cabeça. Nem que seja uma inspiração de tirar, do tipo "riscar aquele parágrafo todo".
Eu costumava querer me forçar a desacreditar na inspiração e, na época do No Shopping, sentava todo dia na frente do computador, mesmo sem vontade ou idéia. O resultado é que acabava fazendo besteira. Jogando fora coisas boas e acrescentando monstruosidades que depois, num dia mais lúcido e propício, eu lia e me arrependia.
Talvez, se um dia eu quiser me tornar profissional, eu trabalhe algum jeito de chegar lá - no trabalho cotidiano. Mas por enquanto, o que faço profissionalmente é traduzir, então continuo com o que funciona.

15.9.05

Ah, sim: Cinderella Man estreou no Brasil. Abri o jornal e dei de cara com uma crítica que dizia, basicamente, "o filme afundou nas bilheterias americanas porque critica os EUA pós-11 de setembro, então vamos ver, porque nós não gostamos dos americanos capitalistas neoliberais certo?".
Aí eu me pergunto, "quem escreveu esta merda??" e procuro o nome e descubro que o lixo do JB foi cuspido no Globo.
Oh, sim, agora estou colada. Fiz juramento e tudo. Formatura na UFRJ é uma fraude, você ganha inclusive um canudo vazio por dentro. Colação de grau, é isso que conta.
I'll start with the ethics part.
Sinto que devo ser verdadeira. Jornalismo não presta e vou jogá-lo no lixo. A não ser que possa ser crítica literária e escrever grandes besteiras sobre gente que se leva muito a sério e machucar interesses.
Meus colegas estão desempregados e subempregados porque o jornalismo no Brasil não tem perspectivas saborosas como o da TimeOut inglesa, que esqueci no metrô junto com a blusa que dizia

ALL THIS
AND BRAINS


(but no memory, i should add)


e uma saia verde de bolinhas pretas (eu<---- terrorista), e que tem reportagens como pole dancing lésbico e "why I hate Notting Hill Carnival". Tinha uma seção de profissões cujo cotidiano é desconhecido do público, e desta vez eram gourmets de comida de avião. Tinha boxes que só estavam ali para fazer humor, do's and dont's. Fora as coisas run-of-the-mill só que feitas de uma forma divertida - divertida, cacete! Aquela coisa que a Trip e a TPM tentam fazer mas ai, ai. Enfim, dá vontade de chorar.
Anyway, agora estou livre e solta para fazer Produção Editorial, que aparentemente é o curso que eu pediria a deus se acreditasse nele. E com perspectivas interessantes. É como se meu cérebro estivesse esticando tentáculos em oito direções. Leia abaixo.
and my heart flickered when he rubbed the chalk onto the board just to write...
ECHO OFF

and virtual tears came to my eyes when she handed in the page for translating which read "IF YOU REALLY want to hear about it, the first thing you'll probably want to know..."

and rhetorics and screenwriting and photoshopping and pagemaking is ok with me.
SE VOCÊ ESTÁ MESMO INTERESSADO na história,

Estou fazendo Produção Editorial.
Uma mulher deu tradução,
outra Pagemaker,
um professor dará roteiro e retórica
e outro, MS-DOS e programação em geral.

Someone's been reading my mind.

9.9.05

Não, as pessoas não perguntam sempre sobre o que é um livro porque realmente achem que um livro tenha que ser alguma coisa... é que estão tentando aplicar-lhe a etiqueta - a Etiqueta, a com é maiúsculo.
O que passa pelas cabeças é o seguinte: o que se pergunta a uma pessoa tem que ter a ver com as coisas supostamente seguras em uma small talk - o tempo, a família, a profissão. O que a pessoa não sabe é que a escrita não é uma profissão muito segura, e sua singela pergunta work-related vai detonar uma crise de pânico, e o escritor vai segurar a cabeça como se fosse explodir, e... oh deus o que é que vou escrever na maldita orelha? e na quarta capa?
Um escritor jamais faria a outro esta pergunta maldita. A não ser que o odiasse, fosse um picareta ou fosse distraído a ponto de se apoiar na etiqueta para não cair (------->eu).

Uma pergunta melhor: como é a história?
Xingamentos ingleses rulz

Whatcha think ya doin' you twat! disse a menininha inglesa de 12 anos com um cigarro atrás da orelha a seu irmão de 8 ou 9 que arremessava, do alto de uma escada do McDonald's, todo o conteúdo de um pacote de canudos na cabeça dela e da amiguinha apática.
What are we gonna do now you wanker! disse o menininho de 7 anos aos pré-adolescentes que o acompanhavam, ao descobrirem, no fundo do segundo andar de um double-decker, que aquele era o ponto onde deviam descer. Ao que o pré-adolescente retrucou let's get out on the next stop and walk. O menor you wanker! de novo. Mas perceberam que o motorista estava se demorando no ponto e decidiram descer atabalhoadamente as escadas.
E cheguei a ouvir um genuíno bollocks! de frustração. Genial.
The trick is...

As pessoas se ouriçam todas quando escritor tem blog. Como se pudessem entrar na vida dele. E como se sua vida fosse interessante. Honestamente...
As coisas que um escritor acha interessante no dia-a-dia só são interessantes pra ele. Só num texto você acharia aquilo interessante, então o escritor faz aquilo ser interessante em texto. Mas você só acha interessante porque está em texto; na vida real, você acharia o objeto do texto muito, muito trivial.
A perversão ("What is really fucked up about") dos best-sellers é que eles tentam ser interessantes também no assunto - espionagem, advocacia (como??), espíritos, sexo, sexo, sexo. Aí as pessoas que curtem um bom texto sobre coisas desinteressantes ficam com nojo de pegar neles, enquanto as que gostam de emoção barata se aproximam, bem, como baratas. Mas não tem nada, não, alguns são até legais.

1.9.05

Zorba, o Grego, fez você perder seu emprego*

Falando em etnias, fiquei num hostel gerenciado por gregos. Aliás, o bairro todo era gerenciado por gregos. Logo ao lado tinha um de árabes, outro de indianos...
O hostel grego era meio bagunçado, mas o pior eram os hóspedes. Imagine Pumpin' Techno Grego madrugada adentro (abençoada idéia de levar tapa-ouvidos). Fumavam onde não deviam e emporcalhavam o banheiro quando voltavam do futebol. E olha que eu não acreditava nesse estereótipo de gregos cuca-fresca e vivendo no momento. Quem acredita mesmo são eles, pelo jeito.

*musiquinha do Zumbi do Mato