19.9.05

Hoje eu sonhei que estava dentro de um livro do Dickens. Mesmo sem ver o título nem nada eu sabia que era um livro do Dickens. Era óbvio. Tinha crianças muito inteligentes (três) e uma grande casa velha que as abrigava temporariamente. A casa velha era de velhos completamente desleixados e alheios à vida e se havia mais adultos era de passagem e com malas pretas. Em toda a casa havia apenas um livro, esse sim "fictício" e um pouco mais antigo, também escrito pelo Dickens. Tinha um cachorro malhado que fazia cocô em tudo quanto era canto e eu era a narradora.
Quando alguém abria o livro, a narradora narrava. O resto do tempo eu ficava de papo pro ar, sentada nos montes de palha pelo chão, ou fazendo as crianças fazerem coisas - vocês podiam adestrar esse cachorro, por que não lêem esse livro e ia fazendo a história andar secretamente.
Depois que as crianças adestraram o cão e leram o tal livro (que tinha um título comprido como "A grande aventura de ????? ?????? em ????????" e uma capa ilustrada e colorida) eu mesma resolvi lê-lo.
A cena se desfraldou à minha frente como um holograma. As pessoas da capa conversavam durante um piquenique. A menina rica dizia que o filho do caseiro não deveria cuspir grãos de milho cozido atrás da casa, se não gostava era só falar. Todos os personagens diziam e agiam de forma muito interessante, menos Amelia Greasebrain. Amelia Greasebrain tinha olhos verde-cobra e cabelo cor de palha, e quando encontrava alguém conhecido, tangia-lhe a cintura e fazia cócegas com seus dedos ossudos. "Vocês todos são muito legais", disse eu, sincera como uma narradora, e notando os sorrisos, "menos você. Você é muito chata. Sua história é chata e desinteressante."
Nesse momento, todos os outros personagens se envolveram na toalha do piquenique até sumirem. De puro medo. Os olhos de Amelia Greasebrain se tornaram vítreos e demoníacos. Ela rosnava. Ela arrojou seu bebê no meio da toalha de piquenique, possessa. Ela me odiaria para sempre.

Fui retransportada a um sonho anterior. Nesse sonho, passado nos anos 50, uma velha de 90 anos morria num leito de hospital e eu, por falta de camas na cidade, era convidada a dormir ali mesmo, onde trabalhava como enfermeira. Outra enfermeira insistiu em esfregar o meu futuro leito com algodão embebido em desinfetante antes de pôr o lençol, apesar de eu ter estranhado o procedimento. Aquilo aumentou minhas suspeitas. Já tinha notado algo de estranho com a velha antes da sua morte, mesmo ela sendo pacífica como um cordeiro.
Este sonho era chato e árido, mas há um motivo para falar dele. Amelia Greasebrain era aquela velha. A história dela se desdobrou: aquele bebê que segurava e jogara longe era de um médico que, há pouco tempo atrás, tivera um caso com uma enfermeira. Amelia se convertera e sorria na foto do casamento, transformada da bisca que era. Mas logo sua maldade reprimida aflorou com toda a força e ela matou o marido e a tal enfermeira, cortando os dedos pintados da mulher e comendo-os entre dois pedaços de pão de forma.
Agora Amelia tinha tomado o corpo da minha colega de quarto e ficava correndo atrás de mim por vários cenários de sonho, para me cumprimentar a cintura com cócegas ossudas. Um horror.