1.4.06

O avô que não conheci, o materno. Sempre fizeram questão de me frisar que ele era um homem popular, que todos ficavam magicamente enganchados em sua cativante conversa, que tinha muitos amigos - talvez para me envergonhar de minha pequena lista de amigos do Orkut (tenho "apenas" 70, boa parte "conhecidos", e olhe que entrei antes de todo mundo).
A verdade é que digo muitos nãos no Orkut e na vida também. Tentando ser boazinha, me chamaria de seletiva; mazinha, de metida. Mas não é que "escolha bem" minhas amizades nem que me julgue melhor que todo mundo; é só uma tentativa de ser fiel a mim mesma. Tem essa coisa, que creio que se possa chamar de "afinidade", que sinto com algumas pessoas e outras não. As não-afins eu trato normalmente; as afins, trato melhor.
As pessoas, as mesmas que me falam de como o meu avô era o superpopular quarterback sarado ou sei lá o quê, dizem que eu seria mais feliz se deixasse mais gente entrar em minha vida. Não adianta começar a explicar que só comecei a ser feliz quando comecei a bloquear aproveitadores, confusos e psicopatas; meus conselheiros continuam a achar que estou me privando de alguma coisa muito, muito boa.
Por esse motivo me dei conta de que talvez eu conheça meu avô mais do que estas pessoas que conviveram com ele e me falam dele. Veja bem, esse meu avô gostava de livros. E mantinha um caderno. No qual relatava inúmeras preocupações e dissabores e problemas.
Eu salvei os livros desse avô do caminhão da COMLURB algumas vezes. Livros velhos e empoeirados, ninguém queria; reclamei-os. Alguns dos que salvei:
O retrato de Dorian Gray - Oscar Wilde
Papillon - Henri Charrière
Oliver Twist - Charles Dickens
Quincas Borba - Machado de Assis
Os miseráveis - Victor Hugo
Por quem os sinos dobram - Ernest Hemingway
A montanha mágica - Thomas Mann
Como fazer amigos e influenciar pessoas - Dale Carnegie
Como evitar preocupações e começar a viver - Dale Carnegie
Tudo bem que livros não costumam ser exatamente alegres, a ficção só rende com conflito e blábláblá, e tem um Dumas ou dois no meio dessa coleção, mas acho que já expus meu argumento com clareza: vovô rei-do-baile não era a pessoa mais feliz do mundo. Ele se sentia preso, sufocado, vivendo uma vida falsa. Na cabeceira de sua comprida mesa no clube português, entre uma taça de vinho e outra, seus olhos ficariam distantes e ele pensaria que diabos fez da vida. E devia armar uma caçada com os amigos para esquecer as mágoas. É, disso sei que ele gostava. Assim como eu gosto de first- e third-person shooters.
Ele morreu de câncer antes dos 50 anos.