29.9.06

A internet é maravilhosa. Já agradeceu ao Google hoje?
história desse livro

Acho que agora posso contar o sonho que tive aos 12 anos e que me inspirou "A feia noite".

Foi um sonho de cores muito estranhas. Eu não era eu mesma, era outra. Era uma cidade opaca, que nunca saía das 11 horas da noite, uma cidade onde eu estava absolutamente sozinha e sem teto. As pessoas passavam em grupos coloridos, movimentos em câmera lenta, uma confusão risonha de rastros de arco-íris. Mas eu era cinza, negra. Eu espalhava negrume, não cor. E um homem se fascinava por mim. Este homem não deixava rastros de nenhuma cor e conseguia se mover muito mais rápido que os outros, na minha direção, quando me via. Acho que era o único que me via, apesar de eu estar sempre me mostrando – eu queria ser vista. Eu era uma coisa feia e as pessoas fingiam não me ver, como um fantasma. Mas o tempo funcionava diferente para mim. Eu sempre conseguia me afastar da frente dos olhos desse homem para a escuridão da noite. Eu não o queria, perdia ele de propósito.
Finalmente uma vinheta de abertura do Festival do Rio que presta. Pode-se vê-la aqui (com Windows Media Player), embora no cinema ela seja bem mais impactante. É uma versão um pouco diferente da apresentada nos cinemas, mas é ótima mesmo assim. Pelo menos é melhor do que aquela com um subator da Globo cruzando as sandálias de dedo na praia ensolarada.

28.9.06

Todas as minhas recaídas se concentram agora no início de outubro. Incrível.

26.9.06

Eu entendo os turistas que gostam de música brasileira ou que vêm assistir o carnaval. Dança, folia, suor - tudo isso é bem mais divertido se você tem um lugar organizado para o qual voltar depois. Um país civilizado, uma casa arrumada e limpa, um quarto com ar-condicionado.
No ano em que não fiquei no meu bunker de sempre, vi uma mulher fantasiada de Marge Simpson.

24.9.06

Quando ouvi falar que Thom Yorke tinha feito um disco solo... não dei a mínima. Afinal, eu mal gosto de Radiohead. Quer dizer, gosto apenas do Radiohead eletrônico, Kid A e Amnesiac, a partir dos quais entendi e apreciei algumas músicas não tão laptopizadas (ou "rock") do grupo.
Acontece que depois li que o "disco solo de Thom" tinha recebido o apelido de "Kid B", por ser continuação em espírito da experiência eletrônica do Radiohead, e tive que ouvi-lo. E quando ouvi me obcequei imediatamente por esta música aqui:

Black swan - Thom Yorke

O single foi outra faixa, acho, não importa: gostei desta. A voz do Thom não está tão tormentosa como sempre. Me lembrou mais Moby do que Radiohead - um cara razoavelmente estabelecido na vida, experiente, sábio, que serenamente te dá conselhos. Budismo, praticamente.
O jeito como ele diz fucked up como quem diz i love you é fantástico. Deve ser o sotaque inglês.
Fucked up é um dos adjetivos que aplico a Maria Luiza no livro. A frase é assim:

De um jeito completamente deturpado.

Deturpado era pra ser fucked up, mas troquei.
O mesmo acontece com "Os cabelos tosados (a cinco reais) num ar de noviça."; noviça deveria ser waif, percebe.
Já li meu próprio livro dezenas de vezes, e muitas não a trabalho. Estou viciada em lê-lo. Toda vez parece que é a primeira. Eu sei como acaba, eu sei o que escrevi. Eu não quero mais mudar nada, é uma obra acabada. É que quero rodar aquele programa de novo, ler aquelas linhas de código e sentir aquele tipo de emoção (if good, then cry); (metáfora orgânica agora:) nadar naquela piscina de novo, me sentir embrulhada na água fria. Gosto.

E hoje assisti A scanner darkly. Não é tão ruim quanto o "trailer de 24 minutos" da internet dá a entender. E Winona e Keanu bem dirigidos são passáveis.
É que A scanner darkly depende de ter se lido algum Philip K. Dick e de se deixar entrar na lógica esquizóidrogada dele. A estrutura narrativa do filme definitivamente não é hollywoodiana. É onírica. Então lembrei de Waking Life, que foi feito pelo mesmo diretor e é todo sonho, e entendi mais um pouco.
Black swan está na trilha de A scanner darkly, junto com outros Radioheads e Thoms.
Para fechar o ciclo, indico mais uma música Mobyesca:

Leave me alone - Ellen Allien & Apparat

22.9.06

Comprei dois livros da Ouro sobre Azul, que só edita Antonio Candido. Tese e antítese (personalidades divididas) e A educação pela noite - qualquer semelhança com A feia noite não é mera coincidência. Eu comprei deliberadamente os que falam do Romantismo e do grotesco.
Já estou lendo um, no metrô para o trabalho. Tendo Philip K. Dick, ficção-nacional e quadrinhos para ler, fui direto no ensaio. Acreditem, depois daquele material para a pós, isso é lazer. Estou tão encalacrada com conceitos que agora não vou conseguir ler ficção.
Ler Antonio Candido dá vontade de ser crítica literária. Acho que quando acabar esse livro vou ser uma escritora que é crítica frustrada.
Mentira, já sou.

21.9.06

Descobri que Hard candy vai estrear semana que vem com o título de Meninamá.com.
E este filme promete.
1966

Pesquisando a Cruzeiro de 1966, leio sobre a Guerrilha do Caparaó e entendo sobre o que deve ser o filme Caparaó neste Festival do Rio, com o que fiquei intrigada. Tinha ficado a repetir Caparaó, Caparaó, Caparaó como um mantra. Aliás, os iogues impostores visitaram o Rio em 1966 também.
Na aula de foto quiseram saber quem tinha visto o Blow-up do Antonioni. Nessas horas, se ninguém levanta a mão, fico com vergonha da minha geração (como quando perguntaram quem tinha lido ou assistido Macbeth e duas pessoas levantaram a mão) e acabo me acusando. Eu tinha ouvido a trilha, que é do Herbie Hancock. Quando saí, vi que estava tocando na aula de hidroginástica da piscina Groove is in the heart, que tem um sample da Bring down the birds, que é da trilha do Blow-up, que é de... 1966.

20.9.06

Safra fraca

Não sei o que houve neste Festival do Rio. Nada de Southland Tales (tudo bem que o cara foi remontar, mas...). Nada de Marie Antoinette. Nada de Hard Candy. Nada de terror oriental nem anime no Midnight Movies. Eu hein. Vou ver seis filmes, e está de bom tamanho.

15.9.06

Primavera dos Livros

I'm in, baby. Por dentro da organização (e desorganização) da Primavera dos Livros. O diabo é que isso faz você querer comprar uma penca de livros.
*A Altana e a Girafa têm livros da Indigo, Caixinha de madeira e Como casar com André Martins, respectivamente.
*A Estação Liberdade tem livros de autores japoneses traduzidos diretamente do idioma original.
*A Ouro sobre Azul se dedica a um único propósito nobre: reeditar a obra do crítico Antonio Candido.
*A Landy tem livros lindos com um conteúdo que não fica atrás: contos fantásticos, coletâneas de lendas tradicionais...
*A Azougue está lançando a Coleção Devassa, associada à marca de cerveja, com clássicos da literatura picante (como Cassandra Rios).
É no Jóquei Clube. A entrada é 3 reais, pela Tribuna A (um pouco depois da entrada do Jardim Botânico).

13.9.06

novo holdback

A capa do meu livro foi impressa errada. É só trocar. Mas talvez o lançamento seja adiado por uma semana, ou seja, depois das eleições. Outubro.
Google bless the net

Obrigada, obrigada, mil vezes obrigada! O livro dos biscoitos com tinta verde é Grimble, de Clement Freud. Mistério solucionado graças ao Tom B, que ainda me indicou um site onde posso relê-lo.

12.9.06

Ontem saiu uma matéria em O Globo sobre O QUE É SER CARIOCA.
80% das personalidades entrevistadas citou programas em Ipanema, Leblon, Jardim Botânico e adjacências. Especialmente programas que envolvem consumir (bebida, comida, moda, "lugares").
Menção honrosa ao Frejat, que foi o mais honesto e criativo.
Então, ninguém me perguntou, mas vou dizer mesmo assim:
Viver no Rio é, principalmente, esquivar-se.
*Esquivar-se do sol.
*Esquivar-se da sujeira.
*Esquivar-se da cordialidade impertinente dos cariocas.
*Esquivar-se dos bandidos.
Descobri por método empírico que a melhor forma de esquivar-se de tudo isso de uma vez é viver entre 8 da noite e 7 da manhã. Há poucos lugares para sair e comer, o que é inconveniente; mas não há sol, os bandidos estão todos dormindo e a sujeira já foi ou está sendo recolhida e ainda não foi reposta. De noite, por pensarem que é "mais perigoso", as pessoas ficam mais ariscas, ou seja, menos cordiais - o que acho ótimo.
Por fim, é esquivar-se de gente chata que acha que sol, sujeira, chatos e bandidos são justamente o que faz do Rio o Rio, e quem não pensa assim deve ser hostilizado. Acho que o Rio só aceita bem diferenças metidas a transgressoras mas que não passam de fachada; coisas como eu, o Rio quer muito expelir (o lema é "os incomodados que se retirem"). E eu bato o pé para ficar, algo Ulisses. O Rio faz de mim o que sou: uma do contra. Talvez se eu morasse na Suécia eu fosse uma acomodada ou uma suicida. Aqui eu me mexo, estou sempre esperta.

Além disso, tem esse troço de balneário sensual que não suporto. A ginga, o samba, o chaveco, o chopinho, o suor, o botequim (argh! como odeio essa palavra completamente! sua pronúncia local butchikim, e seu significado!). Odeio a forma dessa cidade exercer sua sensualidade, ou melhor, sua "sensorialidade". Ninguém tem um paladar delicado; o negócio aqui é arrotar na mesa. Uns porcos.
Tem gente que também não gosta disso e começou a consumir vinhos em locais fechados e refrigerados e a comprar Livros de Arte para a mesinha de centro. As mulheres começaram a usar muita maquiagem todos os dias, óculos gucci e calças risca-de-giz, numa volúpia sex-and-the-city. Páram seus Audis, Hondas e Ranaults em fila dupla ou local proibido sem dar a mínima - dizem "eu mereço" e podem comprar o guarda depois. Estes são os ricos cosmopolitan, é evidente. E conseguem me agradar menos que os porcos.

Devo acrescentar, ainda, que a "politeness" carioca é doentia. Quando alguém fala que "te liga", não vai ligar. Se alguém te pede um beijo, não é de "bom-tom" dispensar a pessoa dizendo "não, não gostei de você" - isto seria tão insólito que a pessoa o interpretaria de alguma forma bizarra e continuaria insistindo. Isto é "cordialidade". Oficialmente. Prefiro ir direto ao assunto. E ainda taco uma ironia junto, se a pessoa não se manca de primeira. Desnecessário dizer que devido a isto tem gente que me odeia. Eu me importava com isto, me desculpava - mas quem vale a pena sempre acaba compreendendo, então parei.

Bakhtin não está muito certo da cabeça quando diz que o riso é pura libertação. Aqui o riso é mais cruel que qualquer outra coisa. Quer te achatar e te colocar no seu devido lugar. Eu rio bastante, ironizo, provoco, mas não como os cariocas.

É torturante, mas sei que em outros lugares haveria outros defeitos. E o pior, ainda acho, é poder ficar confortável e quietinha para todo o sempre numa cidade-útero com um sorriso nos lábios. Gosto de visitar as cidades perfeitas de vez em quando, só para relaxar, mas não para morar.
O episódio de Chapolin Colorado em que ele convence a agência espacial a deixar o astronauta explorar o cosmos contando a história de Cristóvão Colombo parece-se imensamente com The Fountain.
Pelo amor de Deus, it's driving me crazy: alguém se lembra de um livro infantil com a capa cor-de-vinho, com um personagem principal de onze anos chamado Gilbert (acho)? Os pais dele viajavam, deixando-lhe biscoitos com o fabuloso aviso escrito em tinta verde:
"Filho, não coma estes biscoitos. Tinta verde pode lhe fazer mal."
Era de um autor inglês, é claro. Foi o meu primeiro contato com o humor inglês. Li na biblioteca da escola, faltando o final, pois a encadernação tinha descolado. A escola fechou e agora não encontro o nome do tal livro no A9 da Amazon nem em lugar nenhum. Maldita entropia.

1.9.06

tortoise on my head

Tortoise me deixou a fim de ver Herbie Hancock no Tim Festival. A Tim está em tudo, aliás (não com tudo, o que é diferente). Tem um "Espaço Tim" no Circo Voador também. Mobile is the new tobacco.
Eles têm alguma relação com a Antigüidade greco-romana. O dramaturgo Ésquilo, dizem, morreu de uma tartarugada na cabeça - uma águia teria confundido a careca do cara com uma pedra, seu quebra-nozes de sempre. E a melhor música que tocaram, na minha opinião, foi Seneca - sim, o filósofo estóico.
Isso não vem muito ao caso, mas gostei dessa citação dele:

"Demasiada abundância de livros é fonte de dispersão; assim, como não poderás ler tudo quanto possuis, contenta-te em possuir apenas o que possas ler. Dirás tu: "Mas sinto vontade de folhear ora este livro, ora aquele". Provar muita coisa é sintoma de estômago embotado; quando são muitos e variados os pratos, só fazem mal em vez de alimentar. Lê, portanto, constantemente autores de confiança e quando sentires vontade de passar a outros, regressa aos primeiros"

Bem que agora podiam trazer Boards of Canada para o Brasil. Eu iria a qualquer outro estado para vê-los. Mesmo que não houvesse muito o que fazer num show deles. Podiam convidá-los para uma tenda ambient de um destes festivais eletrônicos. But... do they ever tour?
Tem uma série de anúncios engraçadíssima da Colgate na Cruzeiro de 1959. É uma série em quadrinhos naquele traço clássico do pós-guerra que todos andam colocando em suas capas de livro agora. Os diálogos são mais ou menos assim:

Título: BRIGANDO DE NOVO!
QUADRINHO 1
(menino todo ferrado saindo da escola com a irmã mais velha)
- Mas Paulinho, por que brigou de novo?
QUADRINHO 2
- Não me contenho! Todos dizem que o Carlos te deixou por causa do seu bafo "quente"!
(a irmã com as mãos sobre a boca, horrorizada)
QUADRINHO 3
(a irmã na cadeira do dentista, que segura um tubo de Colgate, explicando que é a "solução para a saúde bucal!")
QUADRINHO 4
(irmã maior e Carlos sorrindo e se olhando)
- Agora sim... o namoro está garantido!

E os anúncios dos jornais da década de 40 mencionam estranhos problemas, dos quais só posso inferir o significado:
Neurasthenia sexual (impotência)
Congestão cerebral (AVC)
Intestino preguiçoso (esse ficou. e felizmente não sei o que quer dizer.)
o jogo do espelho

Essa geração nova está trocando o Brasil pelo Japão.
Dou o maior apoio.
Meu primo está vendo cotações de passagens aéreas para o Japão, enquanto minha meia-irmã, que por sinal adorou o Japonês em quadrinhos que ganhou de aniversário (adivinhe de quem?), desafia os pais e responsáveis com "vou fazer faculdade no Japão".
Gostamos de internet; isso nos faz entrar no fuso horário japonês (a ligação telefônica é mais barata após a meia-noite). No carnaval, vi trezentas menininhas de cabelos coloridos com anilina, a maioria de vermelhão ou rosa-pink. Tatuagem de kanji já é moda há algum tempo, mas a diferença é que agora você pode perguntar aos amigos o que o símbolo realmente significa antes de se tatuar. Repare: o para para é o anti-funk. Funk se dança com a bunda, para para com angulosos movimentos braçais.
Aqui se escuta desde pequeno que o Japão fica do outro lado do mundo. Acho que é de um romantismo quase político abraçar assim a cultura justamente do povo oposto ao seu. É a crítica mais ácida que já vi ao modo de vida brasileiro.
Essa geração não fugiu de casa; viraram straight edges numa casa de pais hippies...
Ah, meu livro já está em gráfica.
Logo digo a data de lançamento.
Se em algum lugar deste planeta, em algum momento, um DJ ousou fazer um mash-up de Transphormer (Alter Ego) e Newman (Vitalic), eu adoraria ouvir. É como os livros: eu escrevo o que gostaria de ler e, se soubesse mixar, eu faria a música que gostaria de ouvir (e dançar).