12.9.06

Ontem saiu uma matéria em O Globo sobre O QUE É SER CARIOCA.
80% das personalidades entrevistadas citou programas em Ipanema, Leblon, Jardim Botânico e adjacências. Especialmente programas que envolvem consumir (bebida, comida, moda, "lugares").
Menção honrosa ao Frejat, que foi o mais honesto e criativo.
Então, ninguém me perguntou, mas vou dizer mesmo assim:
Viver no Rio é, principalmente, esquivar-se.
*Esquivar-se do sol.
*Esquivar-se da sujeira.
*Esquivar-se da cordialidade impertinente dos cariocas.
*Esquivar-se dos bandidos.
Descobri por método empírico que a melhor forma de esquivar-se de tudo isso de uma vez é viver entre 8 da noite e 7 da manhã. Há poucos lugares para sair e comer, o que é inconveniente; mas não há sol, os bandidos estão todos dormindo e a sujeira já foi ou está sendo recolhida e ainda não foi reposta. De noite, por pensarem que é "mais perigoso", as pessoas ficam mais ariscas, ou seja, menos cordiais - o que acho ótimo.
Por fim, é esquivar-se de gente chata que acha que sol, sujeira, chatos e bandidos são justamente o que faz do Rio o Rio, e quem não pensa assim deve ser hostilizado. Acho que o Rio só aceita bem diferenças metidas a transgressoras mas que não passam de fachada; coisas como eu, o Rio quer muito expelir (o lema é "os incomodados que se retirem"). E eu bato o pé para ficar, algo Ulisses. O Rio faz de mim o que sou: uma do contra. Talvez se eu morasse na Suécia eu fosse uma acomodada ou uma suicida. Aqui eu me mexo, estou sempre esperta.

Além disso, tem esse troço de balneário sensual que não suporto. A ginga, o samba, o chaveco, o chopinho, o suor, o botequim (argh! como odeio essa palavra completamente! sua pronúncia local butchikim, e seu significado!). Odeio a forma dessa cidade exercer sua sensualidade, ou melhor, sua "sensorialidade". Ninguém tem um paladar delicado; o negócio aqui é arrotar na mesa. Uns porcos.
Tem gente que também não gosta disso e começou a consumir vinhos em locais fechados e refrigerados e a comprar Livros de Arte para a mesinha de centro. As mulheres começaram a usar muita maquiagem todos os dias, óculos gucci e calças risca-de-giz, numa volúpia sex-and-the-city. Páram seus Audis, Hondas e Ranaults em fila dupla ou local proibido sem dar a mínima - dizem "eu mereço" e podem comprar o guarda depois. Estes são os ricos cosmopolitan, é evidente. E conseguem me agradar menos que os porcos.

Devo acrescentar, ainda, que a "politeness" carioca é doentia. Quando alguém fala que "te liga", não vai ligar. Se alguém te pede um beijo, não é de "bom-tom" dispensar a pessoa dizendo "não, não gostei de você" - isto seria tão insólito que a pessoa o interpretaria de alguma forma bizarra e continuaria insistindo. Isto é "cordialidade". Oficialmente. Prefiro ir direto ao assunto. E ainda taco uma ironia junto, se a pessoa não se manca de primeira. Desnecessário dizer que devido a isto tem gente que me odeia. Eu me importava com isto, me desculpava - mas quem vale a pena sempre acaba compreendendo, então parei.

Bakhtin não está muito certo da cabeça quando diz que o riso é pura libertação. Aqui o riso é mais cruel que qualquer outra coisa. Quer te achatar e te colocar no seu devido lugar. Eu rio bastante, ironizo, provoco, mas não como os cariocas.

É torturante, mas sei que em outros lugares haveria outros defeitos. E o pior, ainda acho, é poder ficar confortável e quietinha para todo o sempre numa cidade-útero com um sorriso nos lábios. Gosto de visitar as cidades perfeitas de vez em quando, só para relaxar, mas não para morar.