22.12.06

Borges' pet

Eu li Borges ("Ficções") com 16 anos. Estou guardando dinheiro pra comprar o "Borges completo" e aí sim ler o resto. Mas tenho medo. Veja porquê:

"Duas pessoas buscam um lápis; a primeira o encontra e não diz nada; a segunda encontra um segundo lápis não menos real, contudo, mais ajustado a sua expectativa. Esses objetos secundários se chamam hrönir e são, ainda que de forma desairada, mais compridos."

Li isso citado no blog de uma amiga.
Eu estou agora trabalhando num estágio bacana. Meu trabalho é ir para a Biblioteca Nacional, seção de Periódicos, e pesquisar entrevistas com personalidades. Eu fico lá rodando a manivela dos microfilmes com tanta destreza que o cara da mesa ao lado invariavelmente me olha com pensamentos sujos. E eu penso: "estou punhetando Borges, não você". Todo dia me lembro de Borges por lá, de uma forma ou de outra. Boa parte das pessoas que trabalha e freqüenta lá é bizarra, especialmente o velhinho da cafeteria. Até comecei um conto sobre isso (chamado "Este é autobiográfico"), mesmo achando que não vai pra frente.
Eu levo o material da editora para lá. Inclusive o lápis da editora, que tem um carimbinho na ponta marcando a propriedade. Faz uma semana, eu percebi que não tinha levado o lápis de volta para a editora no dia anterior, como sempre faço. Fui para a Biblioteca normalmente e indaguei do lápis: ninguém tinha deixado o dito-cujo no balcão da seção de Periódicos. Mas eu sabia onde tinha esquecido: na máquina de microfilme que tinha usado no dia anterior. Só podia ser. Vasculhei o chão, perto dali, tudo. Até que me lembrei de olhar embaixo da máquina de microfilme. E lá estava um lápis. Mas não era o meu. Era ligeiramente mais comprido e tinha sido apontado com estilete, sem sinal de carimbinho nenhum. Levei a "réplica" pro balcão e ninguém a reclamou; ficou pra mim.
Detalhe: em dezembro, a Biblioteca Nacional fica deserta. Todos já entregaram seus trabalhos e estão na praia. E a máquina de microfilme em que trabalhei era de um tipo pouco usado, e fica completamente isolada das outras.

É o mesmo medo que tenho de ler Philip K. Dick: a literatura desses dois tem a propriedade de se entranhar de um modo tão bizarro na minha vida que eu viro uma personagem deles - e personagem sofre.
Minha dislexia começa a se agravar e leio palavras inexistentes; eu pego detalhes que ninguém mais pega e fico com eles na mão, sem saber o que fazer; é como um sonho de terror absurdo.

PS: Me veio a idéia criminosa de vender meu hrönir legítimo no Ebay.