20.11.07

Drops

- Fui revelar um rolo de filme e passei por duas experiências chocantes. A primeira loja simplesmente tinha parado de revelar filmes; deixei-o numa segunda, que me devolveu apenas o rolo revelado; "você disse para revelar, não disse que era para imprimir...". Ãrrã.
Faz tanto tempo que não revelo fotos que nem vi os tempos mudarem; não basta mais largar o filme na loja para obter cópias 10x15 brilhantes de cada pose, sem maiores complicações. Não; filme virou coisa de profissional. Quando finalmente peguei nas cópias e as examinei em cima do balcão, os atendentes aguardaram minha inspeção torcendo as mãos, coitados. Essa parte até achei divertida. Vontade de aprontar um olhar de Sadako e grunhir está puxando pro verde. Nem esclareci que só estava contando as cópias pra não ser enganada no preço.

- Californication parece Two and a half men misturado com a vida do Chuck Palahniuk e uma pitada de House. Sentei, assisti... achei chato. Mas parearam o Duchovny com ruiva de novo, isso não pode ser errado.
Nota pessoal: ser escritor não é esse chick magnet todo. Não no Brasil. Aqui, é cantar pagode ou jogar futebol.
can't quite put my finger on it

Reclamo muito, muito mesmo do hábito do brasileiro de dizer gracinhas e lançar olhares séquiçis para mulheres desconhecidas na rua. Quem não me conhece acha que sou reprimida e amargurada. Depois que me conhecem (meu lado pernas-de-fora) acham que sou esquizofrênica. Até sou, mas falta uma atenção às sutilezas da natureza do meu ódio. É a avaliação apressada e superficial que me enoja, acompanhada pela falta de respeito/semancol em se dizer o elogio para quem visivelmente não o está procurando nem consideraria uma surpresa agradável ouvi-lo impromptu.
Quer dizer, espere ela abrir a boca. E não, não para avaliação da capacidade de armazenamento. Por que só deixar a imaginação correr em uma direção? De repente você não quer avaliá-la apenas pelo seu potencial sexual. De repente você quer avaliá-la como um todo, e pensar "esta aí dava uma boa vocalista de rock", "o sinal abriu e ela não andou", "será que consigo afanar o celular dela?", "vou ajudar a velha senão ela cai", "vou pedir pra ela guardar meu lugar e vou ali lanchar", "vê se anda pelo canto, ô lerda!". Aquelas coisas que o heterossexual pensa dos outros homens, apenas acrescidas de um ocasional "que gostosa". Peraí. O que estou dizendo? Já é muita sofisticação o cara separar as mulheres "namoráveis" das "comíveis", obliterando todo o resto...
O bom da internet foi ter introduzido (melhor que o disk-paquera, que sempre descambou para o phone sex ralo) a possibilidade de se ver o interior das pessoas antes do exterior. Tanto que o fotolog e o Orkut, que já dão a imagem junto, foram um grande alívio para o imbecil digital. Que, através dos seus atos, logo se denuncia.

14.11.07

Então tá, né

Um drinking game personalizado: toda vez que me perguntarem "você é brasileira" ou "você é carioca" ou "você é daqui", eu tenho que beber uma lata inteira de Guaraná Jesus ou Mineirinho.
(Para quem não sabe, Mineirinho tem gosto de água ferruginosa de Poços de Caldas e nunca provei Guaraná Jesus, mas ouvi de fonte confiável que tem gosto de canela com tutti-frutti.)
Hoje, num sebo da Praça Tiradentes, não só me perguntaram se eu era brasileira como foram logo sugerindo que eu era sérvia. Sérvia, gente. Deu vontade de dizer "não, sou uma polaquinha que caiu num wormhole e, puxa, saí aqui nesse tempo de estranhas carruagens sem cavalos".

Esqueci de comprar um pirulito colorido, rocambolesco, tipo Chaves, na casa de doces que tem ali. Esdrúxulo, mas fonte de glicose para garimpar os sebos e andar por tudo aquilo. Cheguei em casa fraquinha, fraquinha... Suponho que as putas recorram ao mesmo expediente de aquisição de energia rápida e barata - por motivos diversos, é claro. Aliás, o comércio daquela área é todo voltado para elas e seus clientes. Para as putas, além da casa de doces, um monte de hotéis baratos e uma loja de bolsas que só vende enormes bolsas de vinil; para os boêmios/clientes, os sebos e lojas de instrumentos musicais, bem como a banca que só vende revista de mulher pelada das bem açougueiras - uma delas se chamava Noras. A vantagem é que tudo fica aberto até mais tarde, sem essa paúra de baixar as portas às 5:55.
Quando dou uma entrevista por escrito, fica muito melhor. Claro, meu forte é escrever, e não falar. Mas não adianta explicar: alguns jornalistas não gostam de entrevistar por escrito. Fica mais difícil distorcer o que você disse. Mas olha, fica bem mais fácil de se extrair aquela declaração bombástica para colocar no subtítulo...
Confira só a minha entrevista ao Alexandre Landim, do Armadilha Poética.

10.11.07

etiquette

Existem três tipos de simpatia no Brasil:
1) a simpatia social
2) a simpatia quero-te-comer
3) a simpatia fui-com-a-sua-cara

A simpatia social são todos os atos, gestos e maneiras utilizados pelo brasileiro para passar a idéia de ser uma pessoa do bem, alto-astral, não-invejosa, de bem com a vida, solidária, que "sabe receber", "se virar" e está "por cima". Esse tipo de simpatia se liga facilmente à hipocrisia e à falsidade, pois não importa se esta impressão tem alguma conexão com a realidade ou não: ela deve ser passada.
De vez em quando os valores a serem demonstrados mudam, mas a simpatia social permanece, bastião da nacionalidade que é.
Aliás, normalmente as pessoas sem nenhuma característica individual distinta, que não conseguem diferenciar a simpatia social brasileira da simpatia fui-com-a-sua-cara, sentem-se traídas ao constatar que uma outra pessoa foi simpática com elas apenas socialmente e não foi-com-a-cara-delas, e chamam-na de "falsa". É aquela infame característica, falsidade, sempre citada como a mais detestada por gente tão falsa quanto.
Enfim, a simpatia pessoal é um grande vício que deve ser exterminado. Estou com os ingleses. Feche a cara para quem você não conhece, ou já conhece mas não gosta, e só abra a cara quando se abrir. Tem que haver alguma seleção, alguns (vão me matar por isso) saudáveis preconceitos.

Tem a simpatia quero-te-comer - você acabou de ser apresentada(o) a alguém e a pessoa fica de olhos brilhantes, estende o contato de pele no cumprimento, é hiperultrasimpática com você e segue um dos caminhos: a) tenta descobrir tudo sobre você ou b) tenta contar toda a vida dele(a). Muita calma nessa hora. Às vezes a pessoa é digna de pena, às vezes de repúdio e muito raramente de ódio. De quando em vez a pessoa é digna de atenção, correspondência e número de telefone. Mas se você já foi simpático(a) quero-te-comer durante muito tempo e não encontrou resposta aos seus avanços, por favor não insista. É constrangedor, além de perda de tempo - para os dois envolvidos.

E a simpatia fui-com-a-sua-cara ocorre de modo inversamente proporcional ao número de intransponibilidades da pessoa: eu, por exemplo, não aturo gente ególatra, abusada ou burra, o que me deixa uma ínfima fatia da humanidade a conferir. Não é que eu tenha resolvido não gostar de gente assim; é o contrário, derivei as características que as pessoas de quem não gostava tinham em comum.
Às vezes até gostaria de ser mais flexível, mas não consigo. Exemplo: acabo vendo menos uma pessoa legal com um namorado ególatra. Você vai encontrar a pessoa e a noite toda o tal namorado tagarela sobre seu interessantíssimo trabalho como assessor de imprensa de banda de rock, impedindo que qualquer outra pessoa na mesa tenha uma conversa produtiva. Pois é: os ególatras burros são os mais intransponíveis de todos... faço qualquer coisa para evitar um. Mas divago.
Uma vantagem de não usar a simpatia tipo 1 é que as outras duas ficarão mais nítidas. Quando você sorrir ou der papo para uma pessoa, ela saberá que aquele sorriso realmente significou alguma coisa. Então, ao encontrar gente legal, demonstre sua satisfação. Mas calma: respire fundo, não exagere, senão sua simpatia pode ser confundida com desespero. Ou falta de sexo. Gente grudenta é intransponível para muitos.

Em suma:
Não é preciso olhar nos olhos dos vizinhos. Ninguém precisa ser amiguinho de ninguém. Basta cumprir a sua parte, ser civilizado em vez de cordial. É mais ético ser simpático com quem realmente gostamos do que ser simpático com todo mundo. Avanços amorosos só devem continuar caso correspondidos. Quando for com a cara de alguém, demonstre.
Agora minha casa será meu escritório. Estou power-scrubbing e flanelando geral - sou minha própria empregada, porque quero me treinar para viver num país desenvolvido um dia. E porque elas me roubam (tenho ótimas histórias) e não limpam direito.
Também estou percorrendo os cantos mais obscuros da Alfândega em busca de acessórios para minha nova vida. Descobri o protetor de piso, você sabe o que é um protetor de piso? É um tapete de um material tipo PVC, transparente e portanto não ofensivo aos olhos, que impede que as rodinhas da cadeira do computador escalavrem meu piso de tábua corrida. Comprei um. E uma cadeira nova. E uma bolsa de cerejinhas para dias de garimpagem de livros. E uma bolsa de nylon para carregar o futuro laptop, dessas de praia (make it look cheap, eis o segredo; moro no Rio e nunca conseguiram, embora tentassem, me assaltar. Posso escrever um dia um manual com meus macetes e fazer milhões.)
Tinha procurado antes em lojas frescas, mas elas simplesmente não tinham o que eu procurava. Nem por um preço absurdo.
Acabei descobrindo o que eu queria quando fui mandar consertar o binóculo alemão do meu avô e procurar redes de proteção para o gato que viverá aqui.

5.11.07

I GOT MOJO

A MOJO é uma coleção virtual de livretos em formato de encarte de CD (que podem muito bem ser impressos). A proposta é: escolher o álbum clássico para você, extrair seu supra-sumo - seu MOJO - e transformá-lo em literatura à altura da experiência sonora.
Uau. Que responsabilidade.
Meu clássico foi Exit planet dust, dos Chemical Brothers. Aliás, os moços (ou, como direi, sêniores) devem tocar agora, esta quarta, em SP - não sei se vou, depende, depende de muita coisa.
Toda a coleção MOJO vale uma conferida - até para você ver como foi tratado o seu álbum do coração, se estiver por lá. O conto que fiz inspirado no Exit Planet Dust chama-se Elidu ou Como se fosse 1995, pode ser baixado aqui e é gratuito, ao menos por enquanto. Curti fazer, até porque é uma boa amostra de como estão ficando os contos novos para meu futuro livro, Amostragem complexa - e, se tudo correr bem, este Elidu deve integrar o pacote. E que o resultado final baste como resposta à indefectível pergunta sobre "elementos autobiográficos", porque estou me concentrando em ser o mais díspar possível...

2.11.07

levando zumbis onde os cérebros estão

Superou todas as minhas expectativas a Zombie Parade do RJ. Achei que ia ser no máximo uma espécie de micareta bizarra, mas que nada: as pessoas brincaram direitinho e foram criativas nas fantasias. O trajeto também foi bem escolhido, começando em frente ao Copacabana Palace e terminando no Arpoador. Uma das pistas já fecha todo domingo e feriado, então não houve problema.
Como éramos zumbis cariocas, saímos uma hora mais tarde do que o combinado, logo depois de atacarmos dois carros abertos de gringos que chegavam ao Palace. Além do básico - zumbi padre, enfermeira e noiva - tinha zumbi palhaço, açougueiro, Jesus, esquadrão cheerleader, jogador de beisebol, Chapeuzinho Vermelho e até a Morte em pessoa. Eu fui de dondoca anos 60 e bati uma foto com o Ibrahim Sued (a estátua dele na frente do Palace).
Teve gente que se assustou de verdade, outros que vieram conversar. Teve gente que achou que era protesto contra a violência do Rio. Comemos elas. Teve dancinha de Thriller. Em dado momento saímos da praia (assombrando ônibus e táxis no sinal), entramos na Nossa Senhora de Copacabana e aterrorizamos lugares como um McDonald's ("minhooocas") e um bistrozinho com mesas na calçada. Uma loura tapou os olhos do filho. Voltamos para a praia e seguimos em frente. Um zumbi pegou um pivete que nos seguia e logo estava uma horda em cima dele. Encontramos uma das vacas da Cow Parade e andamos na direção dela ("picaaanha"). Na segunda parada resolvi voltar para casa porque meus pés estavam me matando... de novo. Quando chego em casa, vejo na lista da faculdade o anúncio de um evento de poesia "para levar poesia onde o povo está" (juro que tinha escrito isso no email). O tal evento seria no final do nosso trajeto! Eu tinha que ter ficado para jantar um poeta de rua.