26.12.08

add puppets!

True Blood não é o melhor seriado já feito, e implico com a Anna Paquin (especialmente loura), mas me fez passar um bom feriado chuvoso.

Então me veio a luz: True Blood é um Ó paí ó que deu certo. Quer dizer: locação exótica com sotaque divertido, fauna e clima diferentes da "norma", sincretismo religioso, elenco multi-racial, o elenco jovem com um ar levemente (ou fortemente) periguete... pode ver, a própria abertura de True Blood explora esses aspectos.

A grande diferença para Ó paí ó é que True blood tem vampiros. Teorizo que se Ó paí ó tivesse vampiros teria bombado também. O Lázaro Ramos deles também é mais bonito e menos alto-astral:
(Menos alto-astral é eufemismo. Eu expliquei essa personagem para alguém como um Dr. House mulher e black.)

De qualquer forma, sinto falta da conjunção astral maravilhosa que permitiu o surgimento de Vamp na minha infância. Vamp e Que rei sou eu? (capa-e-espada é legal). Não sei o que impede a TV brasileira de investir mais nesse tipo de... ah é, já lembrei.
corte de custos

JP: do globo online: Crie você um final para Flora em 'A favorita'. Brinque de novelista e escreva um fim para a grande megera. Os melhores textos serão publicados na Revista da TV do GLOBO. Clique e participe.
eu: tão cada vez mais preguiçosos!
JP: sim!
eu: não querem nem escrever o final da novela
nem fazer a retrospectiva 2008
nem fazer a mensagem de fim de ano
nem apurar matéria...
jornalismo escravo
viva a era google!
JP: e olha a "notícia" de cultura: Lindsay Lohan diz que o pai traiu a mãe
eu: uauuu
super cultural
cara, cria uma editoria "famosos"
mas não chama isso de cultura, por favor
JP: pois é
mas tá lá, "Cultura"
dá impressão q nao tem nada cultural acontecendo no mundo e tiveram q apelar pra isso

Se bem que postar pedaço de conversa online no blog também é uma baita picaretagem. Mas já já vou fazer um post melhor. Pelo menos não mando vocês participarem... ops, não é que mandei faz só uns dias? É, geral pro fogo e enxofre, que coisa.

23.12.08

Fiquem com os trechos de cada um dos contos do Amostragem complexa. A propósito, tenho que liberar uns quatro desses para se ler de graça na internet (além do Elidu, que pode ser lido grátis na Coleção MOJO). Quem quiser, pode me ajudar a fazer a escolha. Basta enviar um e-mail dizendo quais os contos que, pelos trechos abaixo, mais despertaram a sua curiosidade.
E feliz Natal, Ano Novo e essas coisas.

Mousmé (conto japonês)

Você lê história e alguns livros e já sabe como fazer tudo certo. Não cair na lábia de canalhas com Anna Karenina, não emprestar nem tomar emprestado com Shakespeare, não ser totalitário com Orwell e assim por diante. Só que iluminismo não adianta se todos correm de volta pro escuro.
Você sabe as coisas sem ter, ao menos uma vez, pensado que sabia. Você não consegue nem começar a pensar em se entregar à doce burrice. Lucidez férrea é puro horror.

Herói

Então. Vou fazer 30 anos. A idade das festas passou. Cansado do apogeu dos egos após a oitava tulipa, de pegar casal recém-formado transando no banheiro, do mal-estar na hora de fechar a conta porque ninguém lembrou de deixar os 10%, esse ano só quero me enfurnar em algum canto bem distante da civilização com todo o conforto que a civilização pode oferecer. E Raquel.

Senhora, Senhorita

Nem tinha lhe passado pela cabeça a possibilidade de não usar porta-seios, mas agora via que podia. Todas estavam à l'aise e seus próprios seios estavam se portando sozinhos. De novo.
Desceu a escadaria do metrô sorrindo. Passinhos que só lépidos; água descendo a cachoeira. As mãozinhas, em suspenso. As pessoas se viravam para olhá-la, uma mulher sorriu como quem acata a piada. E a nova moça sorria por dentro ao pensar que as pessoas pensavam que ela se vestia retrô.

Composição

Perlac era uma loja direcionada para clientes impossíveis. Zee, consciente da missão, afofava perucas escuras sobre a cabeça gessal das manecas – uma mel, uma café, outra preto-graúna, um quase-ruivo acolá – mas imaginando e sabendo que as verdadeiras clientes da Perlac estariam mais para quarentonas de 1,62m com cortes médios desidratados do que para andróides chanéis magras e frias.

Ao cubo

Sozinhos um com o outro, impressionava sua intimidade impessoal. Um para cada lado do sofá, olhos na TV, no meio as mãos, uma sobre a outra. Um no computador outro na lavanderia, um na biblioteca outro jantando.
O nome da doença era esquizoidia. Odiavam socializar. Iam em festas por causa da música. Melhor se fossem festas propensas ao fracasso, com menor probabilidade de cotovelos cutucantes.

Segundo andar

Quando saía com Olívia, tinha que explicar sua mágica. Como vivia sem emprego e sem bolsa? Como comprava seus discos e livros com salário mínimo? Como pedia comida em casa?
– Quem disse que não dá para viver com salário mínimo? – redarguia Susana.
(Estava certo. Susana ganhava dois salários mínimos.)
Vinte e dois reais de condomínio (desconto do síndico). Dezoito reais de gás. Celular pré-pago. 70 reais de luz. A água do prédio, 100 reais. Plano de saúde jovem, 80 reais. Transporte, 80 reais. Sobrava um estipêndio para comida, roupas e despesas acessórias. Comia até chocolate.
Eu sou uma dona-de-prédio.

Sexo em Anegue

Eu queria mesmo era poder entrar em outra pessoa e espiar o que elas estão sentindo sobre elas mesmas. Porque aqui dentro eu já sei como é; e também já consigo sair e me ver como elas me vêem. Mas queria saber como elas se vêem, de verdade, por dentro. Saber se elas também se sentem tão mal assim quando pensam em si mesmas e, se sim, como conseguem disfarçar e levantar a cada dia e ir trabalhar, ou estudar, ou pelo menos andar pela rua sem que ninguém pense: lá vai a coisa toda errada. Assim pelo menos eu não me sentiria sozinha.

Tabu

A Biblioteca Nacional nunca tinha ouvido falar daquele veículo – nem os milhares de contatos do professor Sobral. Mas conforme alvitrado por George Sable, o artigo existia. E estava nas mãos dela. Apenas Maiara não conseguia decifrar o texto – excesso de tinta, tipo pequeno, vista um pouco cansada, vai ver, ficando míope; a luz das quatro horas era pouca e caía morta sobre o carpete climatizado, bem longe das pernas congeladas de Maiara. Congeladas mesmo: nenhuma das duas parecia capaz de se mexer. Excesso de concentração. Não – câimbra. Não. A ordem para mexer a perna fora dada e ela não sentia movimento.
– O que está acontecendo, pensou sem inflexão
Olhou para baixo. É claro que sentia frio com aquela sucuri enovelada até o joelho. Sentiu-a deslizar, garantindo o nó. Quase um conforto.

Elidu

Naquela noite, com aquela disposição de despedida, até o lugar de sempre era palatável.
O corpo de Sil não descia até o chão como mandava a música. A dona dele tinha decidido poupar as costas para o dia seguinte, poltrona de avião. Ondeava o corpo de um jeito que sabia desde a puberdade e sempre impressionava as amigas.
– Cê tomou a droga errada... tá dançando igual lacraia.
Silvânia virou-se para ver quem falava.
– É verdade que você vai embora? – pergunta ele em seguida.
Frida, sua filha da puta.

O último dia

Em uma das salas, alguém pediu uma folha em branco para desenhar. A professora foi até o armário e mandou que pegassem uma e passassem adiante. E assim foi feito, até a vez da Ana Paula. Ana Paula pegou mais de uma, escondendo mas nem tanto, e esperou a professora notar; ela notou e deixou cair os braços. Olhou para o armário e olhou para Ana Paula. Olhou para o armário de novo e para Ana Paula de novo. Suspirou. As provas já tinham acabado, não?
Dos armários do fundo da classe emergiram papel crepom, massinha e cartolina. Pilhas de cartolina de todas as cores (menos da vermelha, da qual por algum motivo as professoras gostavam tanto) foram rapidamente desbaratadas. Isso as outras filiais não haveriam de herdar.

Tão bonito que dói

Estou no terceiro cigarro da noite e ainda não vi ninguém que preste. Circulo, dou uma volta pelo primeiro andar, acabo pedindo alguma coisa do bar.
Há uma menina maquiada como uma boneca e metida em uma blusa cheia de babadinhos, toda branquela e acompanhada. A biba amiga dela saltita até o DJ que resmunga ao ouvir o pedido por Kraftwerk: vou ver.
Algum rock depois, o DJ aquiesce a tocar The model modificada, com uma base de guitarra emprestada do Garbage. É o tom. Me aproximo do braço da lolita gótica com o cigarro aceso. Fsst. As células se degeneram sob a brasa. Logo se formará uma bolha. Não, esperem: ela percebeu; esfregou. Assim fica marca.
Ela olha pro braço e olha pra mim. Olha pro braço. Pra mim.
– Porra, toma cuidado!
Só isso. Os olhos assassinos demoram um pouco para desgrudarem de mim; vejo que ela captou o propósito – eu parado na frente dela, não com cara de desculpas, não submisso e bêbado, mas sóbrio, sonso e segurando o cigarro no mesmo lugar do contato incendiário – só que não quer se perder nessa. Prefere sua vidinha de simulacro. Mas está marcada.

Wifi

Lia não deveria ser anunciada em qualquer biboca. Precisava de um canal exclusivo, de um boca-a-boca sagaz. Sabia exatamente quem devia procurar, mas relutou muito em fazê-lo. Afinal, o cara era um crápula. Um crápula engenhoso e conhecido no mercado. Mexia com a fila de transplantes, repassando fígados e córneas para gente que podia pagar. Relativizou a si e a ele até se aproximarem o suficiente para uma conversa ser marcada. Foi difícil convencê-lo a vir. Teve de abdicar de algumas precauções a que se propusera antes, como a de não mencionar do que se tratava ao telefone. Mas também não entregou o ouro; disse apenas que
– É um método infalível para fazer qualquer ameba passar em concurso.
– Infalível. – replicou o interlocutor, cético.
– Como a justiça divina, Jacques.
Uma pausa de efeito. Ou talvez Jacques estivesse fazendo outra coisa ao mesmo tempo.
– Vai falando.
– Vamos grampear o concurso.
– É fácil falar.
– O grampo estará num candidato.
– Da mesma forma.
– Jacques, o grampo vai ser o candidato.
– ?
– Mas preciso de documentos para ela.
– Ela?
– Ela.

19.12.08

inveja afro-brasileirinha

Cacete, por que as invejas que as pessoas admitem sempre são brancas? Que preconceito com as invejas de cor -- amarelo bile, por exemplo.
A máxima de que o brasileiro só se sente invejado, nunca inveja, parecia ser verdade na minha vida até a quarta série, quando tirar 10 sem esforço era status. Eu não entendia as hostilidades de algumas das minhas coleguinhas. As pessoas que gostavam de mim, pequenas e grandes, me explicaram: era inveja. Mas de quê? Dessa besteira?, eu pensava.
Ao mesmo tempo, como já falei por aqui, eu queria dominar o mundo, um sonho que -- explicitamente -- só durou até os sete anos. Para isso, era necessário ser mais inteligente do que os outros, mas nem sempre eu era. Cada vez que alguém tirava uma nota maior que a minha, eu morria de ódio (inveja nem tanto) porque estava mais longe da world domination. Por fim, quando percebi que minha inteligência analítica era nula (não sei nem multiplicar por dois de cabeça, agora que estou destreinada), desisti de dominar o mundo -- pelo menos sozinha.
Mas voltando à vaca fria, inveja branca se aplica bem àqueles momentos em que você lê um trecho do sujeito e gosta tanto que deseja ter escrito aquilo. Mas quando você começa a desejar que pudesse voltar no tempo, trucidar o sujeito e roubar seu original (ou publicar antes dele, processando-o depois por plágio), essa inveja não é mais branca, certo?
De minha parte, quando leio um trecho muito bom, não sinto nada parecido com inveja. Me sinto irmã do autor. Me sinto encontrada.
Inveja sinto muita, e nada branca, de quem não precisa trabalhar. Queria demais não precisar fazer oito horas de tradução por dia para me dedicar só a escrever. Foi muito bom o ano da Petrobolsa, a coisa mais próxima que terei disso antes de virar medalhão.

8.12.08

Top 5 desafios europeus (d'après Indigo e suas listas)

5 - Peça sorvete de coco na França sem rir:
-- nuá de cocô, sivuplé.
4 - Diga que é do Brasil sem arrancar um "OH! BRAZIL???" de seu interlocutor.
3 - Tente ficar na rua em Edimburgo depois das 7 sem cachecol.
2 - Explique a favela carioca em menos de 100 palavras.
1 - Tente atravessar Dublin sem encontrar um brasileiro.

3.12.08

Escape artist

Não ando muito a fim de pontificar -- deve ser efeito da tradução que ando fazendo. Basta dizer que, na crise, as pessoas se voltam para a religião -- inclusive os tradutores.
Estou em crise também. Reavaliando uma porção de coisas. Mas é só coincidência, a crise dos mercados mundiais não me excita nem me deprime (não tenho mais 14 anos).
E aqui entra a parte onde eu diria que isso se reflete no meu livro novo, mas disso vocês já sabem. Fidelidade à mensagem e ao fato de eu querer que ela atravesse o abismo até o outro lado -- o do leitor. É o tipo de pessoa que eu sou.
Nem sei se é mensagem, porque não é ficção moral (e, se for, não é a minha moral). É só um tédio de ter sido condenada a ficar na minha pele para todo sempre -- ou melhor, até virar comidinha de minhoca. É uma forma de escapismo. Uns têm o sexo; outros, a bebida; eu tenho a imaginação.
A mágica toda reside em organizar essa imaginação como ficção, porque eu poderia perfeitamente usá-la para jogar RPG, por exemplo. Justapor não é o suficiente. No momento estou achando necessária a ilusão de um fio que amarra a história dando um sentido ou uma falta de sentido linda. Estou bem estética.
Esse fio é necessário para cercear os personagens, delineá-los, defini-los. Paradoxalmente, delimitá-los lhes dá vida. Se pudessem ser todo mundo, não seriam ninguém.
Mas paradoxalmente de novo, quando eles ganham vida, a primeira coisa que fazem é escapar desse fio!
Exatamente como eu.

29.11.08

Sinopses

São 12 os contos do Amostragem complexa, meu próximo livro (deve sair em fevereiro de 2009). Seguem na ordem pretendida (não sei se vão mudar) com sinopses feito as que se vêem nos filmes da semana:

01 – Mousmé (conto japonês)

Iniciada nas armadilhas da vida de forma teórica e inexorável, colegial busca motivos para cair nelas mesmo assim.

02 – Herói

Rapaz incorre em passatempo voyeurístico de baixa tecnologia por não poder acessar sites pornô a partir do local de trabalho.

03 – Senhora, senhorita

Uma senhora de 72 anos rejuvenesce e retoma a revolução sexual de onde tinha parado.

04 – Composição

Um dia de trabalho de um vitrinista num shopping.

05 – Ao cubo

Pequeno estudo de estranhos hábitos de acasalamento.

06 – Segundo andar

Moça desempregada teima em não vender o apartamento a uma clínica plástica que precisa de ampliação mesmo quando todos os seus vizinhos já venderam.

07 – Sexo em Anegue

Moça com pouca auto-estima busca maneiras de virar gente.

08 – Tabu

Estagiária faz o trabalho sujo da pesquisa para a biografia de um figurão das letras nacionais.

09 – Elidu

Moça desesperada para mudar de vida foge de casa com um plano radical na cabeça.

10 – O último dia

Quadro vivo mostrando o último dia de atividade de um colégio.

11 – Tão bonito que dói

Rapaz procura organizar o mundo em sua cabeça enquanto pratica metodicamente seu vício incomum.

12 – Wifi

Cientista brasileiro usa sua fantástica invenção não-registrada para fraudar concursos públicos.

25.11.08

Se isso não fizer a pirralhada ler Machado, não sei o que vai fazer.

Capitu teaser na íntegra high quality


Àqueles que notarem a estranheza da "reconstituição de época": é pra ser atemporal.
E o ator que faz o Bentinho jovem é meu primo Cesar! (Ok, nepotismo, mas poxa, parece que vai ser bem legal). Pior que nem é o primeiro personagem icônico da literatura nacional que ele encara (ele estreou na TV como o Pedrinho do Sítio do Picapau Amarelo). Admiro muito ele.

14.11.08

É isso, gente. Acabei, entreguei, espero que saia logo. Enquanto isso vou tocando outros projetos e ganhando os cobres pra dezembro. Meu computador deu pau no dia de entregar o livro, mas dei a volta em Murphy salvando tudo direto no pendrive. Continuei a trabalhar do laptop e agora tá tudo direitinho com o computador principal -- muitos reais depois.
Agora tenho que decidir quais contos vão entrar aqui de graça. É isso mesmo, faz parte do contrato de patrocínio disponibilizar boa parte do livro em pdf na internet. Um já está online pela coleção Mojobooks: clique aqui pra baixá-lo. O resto, só mais perto do lançamento (previsto pro ano que vem, não se afobem).

(Alguém conhece uma ONG que aceite peças de computador? Estou com um monte aqui.)
(O conto abaixo foi solucionado ouvindo iPod no escuro e, literariamente, mais com a ajuda de Anaís Nin. Aliás, Uma espiã na casa do amor tem semelhanças com o meu A feia noite que não pude deixar de notar.)

7.11.08

Estou tentando alinhavar uma cena de comunicação não-verbal do meu "Conto africano". Quando escrevo, geralmente ponho as cartas na mesa através de diálogos, mas como fazer isso numa situação em que as pessoas são tão íntimas que não precisam de palavras? (e, céus, usando palavras para descrevê-lo!)
Resolvi dar uma olhada em Dostoiévski (Nietótchka). Tem cenas não-verbais muito boas, mas a maioria com beijos demais e -- principalmente -- se passam no decorrer de dias inteiros. A minha se passa em uma hora, se tanto.
Não sei mais de quem colar. Vou ter que dar um jeito sozinha -- se é que tendo lido tudo o que li nos últimos dias ainda posso ser considerada sozinha.

Ah, estou blipando também (é um troço de música, vai lá).

3.11.08

Pedi uns livros aqui. Sempre peço, mas notável é que o Coisas frágeis do Gaiman veio com um canto amassado, que irónico.

Fiquei assombrada ao ler esse trecho do Reparação:
Começou a correr num ritmo tranqüilo pela grama e pensou que seria capaz de continuar assim a noite inteira, cortando o ar sedoso como uma faca, impelida pelo impulso férreo do chão duro sob seus pés e pela escuridão que parecia duplicar a sensação de velocidade. Briony tinha sonhos em que corria assim, depois se inclinava para a frente, abria os braços e, confiando na fé -- a única parte difícil, mas dormindo era até fácil --, desprendia-se do chão com um simples passo, sobrevoava a baixa altura sebes, portões e telhados, depois ganhava altura, aproximando-se, exultante, da camada de nuvens, vendo os campos lá embaixo, e depois descia outra vez. Sentia agora de que modo isso seria possível, apenas com a força do desejo; o mundo que ela atravessava correndo a amava e lhe daria tudo que ela quisesse, e permitiria que isso acontecesse. E então, quando acontecesse, ela o descreveria. Pois escrever não era uma espécie de vôo, uma forma realizável de vôo da fantasia, da imaginação?
..porque, duh, essa era eu com doze anos. Mas havia o reverso da moeda. A sensação de que o universo viria me pegar depois para fazer a cobrança (repo man) do que tinha me cedido. Eu tinha essa sensação especialmente em noites muito estreladas no campo -- não tinha muito problema em sairmos ou mesmo em cairmos na piscina de noite, então eu saía só para me sentir perseguida e agorafóbica, que delícia -- ou na varanda do apartamento. Mas acho que Reparação vai chegar lá, até porque vi o filme.

Bônus: vídeo do What else is there - Royksopp. haunting.
Não sei se gosto mais de quando ela passa pela floresta ou de quando ela desvia o pezinho do cachorro. (Ver também: Dublin)

27.10.08

A mosca

Minha beleza exterior não tem nada a ver com minha beleza interior. Meu interior seria melhor expresso por um carinha de 35-40 anos num terno bem cortado, mas não almofadinha, com barba e bigode -- um vasto bigode. E não por uma menininha de 25 anos, etc.
O problema é que historicamente minhas duas faces nunca foram pareadas, não no mesmo corpo, e dá para se ter idéia dos motivos. (Não, não vou ser feminista.)
Esse interior quer observar, e não ser observado. Eu queria ser o olho que tudo vê, um ponto cego, algo quase invisível, sobre o qual quase nunca se volta o olhar, para ver sem ser vista. Uma she-creep. Uma testemunha. Mas oh, sina, eu sou um escritor e sua adorável esposa-troféu no mesmo corpo. Imaginem como os dois não devem se sentir.
Ser bonita devia ser uma coisa legal, e não chata, oras. Tenho que arrumar um marido-troféu, talvez. O risco seria perder a capacidade de observar as mulheres -- para levar uns beliscõezinhos invejosos, puxa, hein! vou escrever um livro também, hihihi.

26.10.08

desassociação

Ando freqüentando dois bairros a que não vou normalmente, Penha e Ipanema, este último por motivos médicos. Quando saí do consultório me lembrei que havia um ponto de ônibus naquele quarteirão e comecei a procurá-lo, para só depois me dar conta de que ele estaria, caso existisse, não na calçada em que eu o procurava mas na outra , a direita.
merda, não estou em Londres.
Percebi depois que pensei isso porque pouco antes, na sala de espera, eu tinha lido uma parte do Reparação que descrevia uma noite de verão especialmente quente, "daquelas que se espera durante o ano todo"; ocorreu-me que, céus, eu estava aqui, onde esse calor era normal. Corriqueiro. Na primavera.
Acho que preciso ir viver num lugar de clima temperado. Petrópolis ou Penedo?

PS: sobre o post abaixo, fiquei com revistar mesmo. No trecho em questão ficou legal.
PPS: Leiam Reparação - em português mesmo. A tradução (Paulo Henriques Britto) é muito muito boa.

23.10.08

Preciso urgentemente de um verbo que diga que alguém está "folheando" um livro. Quer dizer, não o folhear de ler descuidadamente, mas o de apertar de forma a passar as páginas rápido pra ver se cai alguma coisa. Pensei em "revistar" ou "flipar", mas ainda estou presa. Não venham me dizer que nossa língua é rica. No máximo, em desenvolvimento.

20.10.08

Estou tentando terminar meu livro e levar um mínimo de vida social, então perdoem a ausência. Eu volto.

11.10.08

back to basics

Andei em trens, usei cachecóis e trotei por calçadas não-rachadas por algum tempo, mas agora estou de volta. Sempre soube que até no melhor dos mundos existem detalhes desagradáveis, mas agora sei que terei que fazer o possível a partir daqui mesmo. Porque essa é a minha casa. Talvez eu mude de cidade ou estado para parir, mas ainda vai ser Brasil.

Ontem pus no papel (no GoogleDocs, na verdade) o final de um conto que, no presente estado, é páreo para o Conto Japonês, até então meu preferido. Não sei se chamo esse conto de Concurso ou Marionete.
Preciso trabalhar muito, pois quero ver o Amostragem complexa terminado até novembro.

Estou lendo um romance nacional recente medonho. É bom ler um romance ruim de vez em quando. Assim você sente alguma empatia para com o seu futuro leitor - você não vai querer que ninguém se sinta assim ao ler o seu livro. Se conseguir destrinchar o motivo da ruindade do livro, você pode tentar evitar os mesmos pecados do autor.
Minha escrita está num momento tão peculiar que nem sei como descrever. A viagem me ajudou a enxergar melhor o que estou fazendo, a ver o que funciona ou não e porquê.
Ao contrário do que se pensa, para sair da estrutura básica do texto é preciso mais rigor do que aquele necessário para continuar nela.
Algumas leituras recentes, umas ruins e outras boas, me ensinaram isso: não se pode costurar algumas cenas soltas de "coisas legais" e esperar que os críticos ou leitores enxerguem um sentido que nem você conseguiu ver. Se você nem isso espera, não pense que está sendo pós-moderno; tão somente preguiçoso ou sacaneando o seu leitor (a não ser que ele goste, o pervertido).

8.10.08

don't you just hate hippies

Nao conheci ninguem extraordinariamente legal durante minhas estadias em hostels. A razao disso e muito simples. Que europeus vao para os hostels? Aqueles que querem levar uma vida comunal com muitas drogas e poucos banhos, ou seja, hippies. Ou japoneses/chineses em grandes grupos, refratarios a aproximaçoes. Ou gente penniless (sem-um-tostao), como eu e os estudantes estrangeiros em inicio de semestre. De quem logo fiquei amiga, por serem os mais limpos do lugar. No hostel da Escocia, fiz duas amigas alemas, uma bangladeshi e um polones. No hostel irlandes fiquei amiga de uma suiça que viajava sozinha e a esmo, custeando a viagem com empregos temporarios.
Mas quantas vezes nao me exasperei? O americano que disse, olhando nos olhos da garota mais proxima, que se mudava para la (Irlanda) se o Obama nao ganhasse - enquanto lia um Terry Gilliam calculado para inpressionar. Oh, really? E meu queixo quase caiu com uma terceira alema, Alma; eu tentava demonstrar o quanto eram toscos meus tios-avos dizendo que eles nao acreditavam que o homem tivesse pisado na Lua - que era tudo montagem. Alma me fitou muito seria e declarou que tambem tinha la as suas duvidas. Uma conversa surreal se seguiu, com Alma tentando me provar por a + b que os americanos sujos haviam forjado tudo em estudio e eu tentando faze-la admitir pelo menos que, eventually, o homem tinha sim pisado na Lua (ela acabou admitindo, a contragosto).
Quer dizer, eu tambem implico com os americanos. Aquela pessoa mediazinha que tem orgulho de sua ignorancia e resiste a qualquer aprendizado, mesmo que ludico? Tinha uma na excursao aos castelos do Loire. O guia, respondendo a uma pergunta dela, mencionou que a altura da caixa d'agua influencia a pressao com que ela sai na torneira, e a toupeira interrompeu, rindo: "I don't care how the water gets in my faucet, as longs as it comes out". Oh, sua anta, this is not about you, tive que me conter para nao exclamar. Mas os freaks norte-americanos sao os melhores do mundo, os mais geniais; Crumb, Philip K. Dick, Aronofsky, Salinger, Kaufman. Se pisaram na Lua ou nao, estou me lixando. Nao vou perder meu tempo odiando algo com que eu nao convivo.
Mas voltando as excursoes. Nas excursoes, sim, se conhece gente interessante. Conheci um qatariano e uma japonesa que viajavam sozinhos, trocamos nossos cartoes, saimos juntos, e desses nao tenho qualquer reclamaçao. Eram gente finissima. Espero que virem meus pen-pals, senao para treinarmos o ingles/frances.

6.10.08

catering to every vice

Uma garota entra numa enfumaçada coffeehouse de Amsterda, dirige-se ao balcao e pede:
- 20 minutes, please.
- 3 euros.
Ela paga, senta-se a uma mesa e recebe um cartao.
- You can use it now.
Digitando o codigo no terminal, ela finalmente pode acessar a internet. Sao varios dias de abstinencia mas, felizmente, naquela cidade, todo vicio e acessivel - por um preço...
Nao consegui passar mais de 20 minutos na coffeehouse. Digitar doidona num teclado estrangeiro e meio dificil. Doidona com a fumaça alheia, bem entendido.
Voces vao notar que meu texto adquiriu cedilhas. Estou em Tours, na França, depois de passar por Amsterda e Bruges, na Belgica (cidade ubernerd: medieval, cheia de lojas de quadrinhos - inclusive a loja do Tintin (que, dolorosamente me ocorre, Spielberg quer estragar fazendo um maldito live action)).
Cometi o grande pecado do parentesis dentro do parentesis, mas voces hao de me desculpar, porque o teclado frances nao e QWERTY; e um pesadelo (cauchemar). Ainda por cima estou num bar de sinuca e esta tocando musica francesa. E como digitar doidona e numa bad trip.

29.9.08

sou nerd mas to na moda

Em Londres so faz sol ha uns cinco dias. Estou aproveitando para exibir o preppy look em todas as suas nuances. (Fiz lentes de contato so para andar na chuva perpetua, entao sem chuva, aqui so da oculos.)
Nunca impliquei com oculos. Acho que eles sao apenas mais uma opcao de visual. Agora que a industria da moda se apercebeu de que essa e uma deliciosa maneira de vender todas aquelas armacoes... perdeu, playboy. Alias, espero que as patricinhas da minha ex-escola estejam todas vivas e bem para testemunhar o proprio inferno... serem obrigadas a se vestir como eu! Muahahhahaha.
Ja fiz nerd cyberpunk, nerd manga, nerd escolar, nerd clubber (existe!). Estou francamente me divertindo. Estou frivola. Londres e casa.
Nao so por causa da moda nerd. Por muito mais. Por exemplo, as pessoas aqui compartilham da minha neura.
Nossa neura e: respeitar o outro como um ser humano. Este e o verdadeiro sentido de politeness.
Uma das regras: toda vez que encontrar um desconhecido na rua, olha-lo tempo suficiente (e da forma adequada) para reconhece-lo, mas nao tanto tempo (ou de forma inadequada) que ele va se sentir invadido.
Meu timing, e o deles, e perfeito.
Mas a regra continua: a nao ser que voce sinta uma fraca e sutil luz no olhar do proximo que indica amizade, luxuria ou comunhao de almas, pare de encara-lo e siga o seu caminho sem demais manifestacoes.
Nao e facil? Me parece facil. Facil e natural.
Outra: toda vez que estiver num lugar publico com alta circulacao de pessoas, tente tornar seu corpo parte do fluxo, e nao um obstaculo ao mesmo.
Eu tambem me movo como eles (embora requebre um pouco mais ao andar, tudo bem, viva a diferenca e outra regra de ouro aqui.)
Nao sei se moraria aqui, mas certamente gostaria de poder recosturar a Pangeia para Londres ser ali na esquina.
Ah: e ouvindo muito Radiohead. Combina demais (como Boards of Canada com as Highlands).

22.9.08

Dublin, a cidade dos meus pesadelos

Dublin e uma cidade desconfortavel. Em geral, as pessoas te olham de um modo estranho - com lascivia ou sneering (contracao torta do labio superior e reviramento de olhos), mas sempre estranho. Parece que nao te consideram um ser humano. Quando voce entra numa loja, te olham com desprezo e deixam voce sem ser atendido. Quando voce exige atendimento, te atendem com desinteresse, medo de que voce roube alguma coisa ou um sorriso de plastico no rosto.
Dublin junta o pior da Europa com o pior do Brasil. E impressionante. E uma cidade muito socialista (tem um cartaz em cada poste). As mulheres sao fofoqueiras e os homens mexem com as mule na rua. Os bares enchem em jogos de futebol. E tem engarrafamento. Ah, e tem brasileiros a beca (como em Amsterdam... querendo a bagunca organizada e com mais opcoes de consumo/ casas noturnas).
A arquitetura de tijolinhos e como a inglesa, so que mais feia. Os predios novos sao construidos no mesmo, hum, estilo dos antigos. O tecido urbano esta cheio das cicatrizes, chamines, marcas de antigas construcoes, ruas tortas e estreitas.
De noite e aquele assustador grandioso que tentei emular em A feia noite. Alguns pesadelos que eu tinha quando crianca eram assim: eu flutuando a dois ou tres metros do chao e controlando meu percurso por uma cidade parecida com o Rio, a noite; no final, empolgada, eu estava a uma velocidade tal que nao podia parar quando vinha um beco sem saida; se eu batesse nele, eu morria e ia pro inferno - sutil, nao? Pois bem, os becos com que eu sonhava estao todos em Dublin.

Nesse bad mood eu fui visitar o museu dos escritores de Dublin. Como se sabe, Dublin produziu duzias de bons escritores, e visitando o museu voce tem a chance de conhecer mais sobre eles sem usar a Wikipedia.
Yeats: foi para Londres. Passou a vida apaixonado por uma simpatizante da causa irlandesa, Maud Gonne, e fez mil propostas de casamento a ela (e uma a filha dela, Iseult), sendo recusado todas as vezes.
Wilde: foi para Londres. Acabou sendo acusado de homossexualismo, condenado e preso por dois anos. Morreu num hotel de papel de parede feio, em Paris.
Swift: esse ficou. Foi posto "na geladeira" por incomodar demais, sendo nomeado para um cargo eclesiastico escroto. Foi se desencantando com a raca humana, morrendo mudo e com fama de louco.
Joyce: nunca gostou muito de Dublin, entao passava pouco tempo aqui. A gota d'agua foi quando um editor nao gostou de como Dublinenses retratava a vida na cidade e destruiu a primeira edicao. Dai ele nunca mais voltou.
Beckett: seus poemas e pecas eram continuamente banidos e censurados aqui. O texto diz que ele "era infeliz em Dublin". Partiu para Paris, e raramente voltou a Irlanda.
De Cork, onde eu estava antes, veio um famoso escritor de contos:
Frank O'Connor: ficou amigo do Yeats, veio para Dublin, onde fez parte do comite diretor do Abbey Theatre, mas saiu devido a intrigas dos outros diretores.

Ei, sou so eu ou voces tambem perceberam um padrao?
Primeiro Dublin dificulta a vida do escritor ao maximo, depois faz turi$mo em cima dele.
Mas talvez seja exatamente por isso que ela produza tantos escritores. Depois de comer o pao que o diabo amassou, fazer grande literatura e bolinho...

Como toda regra tem sua excecao, o Shaw morreu na gloria em Dublin. Mas que coisa; deixei para olhar a placa dele por ultimo, porque nunca fui com a cara dele.

21.9.08

chega de saudade

Foi so sentir saudades e acabei de ouvir portugues 2 vezes - em Dublin.
Uma garota falava da vida sentimental ao celular a toda velocidade e volume, certa (ou despreocupada) de que ninguem a entenderia, mesmo depois de ter olhado nos meus olhos - foi esse o teste definitivo, ninguem adivinhou que sou brasileira. Nao detesto tanto assim o pais a ponto de renegar a nacionalidade, mas rejeito os tracos que entregam o brasileiro no exterior - justamente a conversa particular em voz alta, a furacao de fila, as calcas por demais arrochadas, enfim, a falta de nocao - e ai fico incognita.
Mas a garota falava assim (era paulista):
- Ai, ele nao, ele nao tem nada que saber disso, conta pra ele nao. E que isso e... ai... (longa pausa) esqueci a palavra em portugues!
Depois entrei num cybercafe (este) onde tocou Sepultura. Pelo menos presumo que seja Sepultura. A letra falava em "favela" e antes do solo soltavam um "porra" meio sem contexto.
Agora sentaram mais dois do meu lado. Mineiros. Ta bom. Parti.

20.9.08

De Cork, Irlanda

Fiquei umas duas horas vendo todos os posts acumulados no leitor de feeds. Na frente daquele retangulo colorido, duas horas passam voando. Estava com saudade de ler em portugues. O cybercafe so tocava Radiohead e Portishead, ou seja, eu estava em casa.
Deu duas horas, paguei, sai e - po, que frio.
- Ah e, estou na Europa. - lembrei.
Esqueci mesmo. Minha capacidade de dissociacao e assustadora. So nao e mais assustadora porque, justamente, eu disassocio.
Nesse estranho mundo as pessoas estavam falando ingles e alemao e usando roupas sumarias. E tambem sabado, dia de sair. O contexto me urge a fazer tal e tal coisa... mas ja sai ontem e anteontem, estou farta, e o suficiente.
Eu tinha entrado no cybercafe porque queria falar com a minha mae via Skype. Ela disse que estaria em casa no sabado, mas teve que viajar para o sitio porque alguem roubou os cabos de cobre de la.
Agora estou querendo ouvir a minha lingua. Da vontade de pegar algum incauto na rua e obriga-lo, por meio de violencia, a dizer qualquer coisa em portugues, rapido, rapido! Diga Pele, samba, caipirinha, oubrigadou!
Dizem que brasileiros estao em tudo quanto e lugar mas na Escocia e na Irlanda ainda nao vi nenhum. A maioria das pessoas aqui e alema, francesa, japonesa e chinesa. De vez em quando voce encontra um odd number - um suico, um canadense, um espanhol - mas nem um portugues ate agora.

Eu queria escrever algo sobre a sensacao que se tem ao sentar em certos bares daqui. Ate sozinha. Voce realmente tem a sensacao de que tudo pode acontecer (= vingar). No Brasil, sentar num bar, boteco ou whatever so me da sensacao de inercia e derrota, por melhor que seja a companhia. Sentando-se acompanhada no Brasil, OK, voce pode ter a sensacao de estar se divertindo com os seus amigos, mas por mais talentosos que eles sejam (you know who you are!) voce nao sente ENERGIA POTENCIAL DE GRUPO, sabe? Que voces sao as pessoas certas fazendo as coisas certas na hora certa. Queria saber qual e a magica.

18.9.08

O momento em que voce assina o feed de um blog e magico. Voce fala: ah! eu quero ler os textos desse ai em primeira mao!
Mas o momento em que voce deixa de assinar o feed de um blog e ainda mais intrigante. Voce tem deixado aquele blog para ler por ultimo, acumulado posts que no fundo voce nao quer ler mais. Quando voce finalmente abre os posts acumulados, ve que o sujeito anda elogiando coisas que voce detesta, ou nas qual nao ve o menor merito; e acabando com a raca das coisas que voce mais ama e preza. Nao so isso, mas tambem o faz de forma tediosa, pouco aproveitavel literariamente. De repente ele lhe parece nada mais que um velho ranheta, e voce percebe que nao extrai mais qualquer prazer de ler o que ele escreve. Voce para de assinar o feed do blog dele. Coloca-o na geladeira, quer dizer, os links de blogs "a mais" que voce vai visitar nos dias de maior tedio. Uma segundona, por assim dizer.
Teve um que ate da segundona caiu, acredita? Desencantei.

15.9.08

Consegui perder todos os espetaculos bons em Glasgow, exceto pelo festival Parklife (falo dele mais abaixo). Vai ter um bale com musicas de Radiohead e figurino anos 20 e eu nao vou estar aqui. Vai ter uma peca experimental chamada Little Vikings Are Never Lost, inspirada em "contemporary Scandinavian music" (suponho que isso queira dizer Bjork, Royksopp, Poni Hoax e The Knife) e eu nao vou poder ver. Tem tambem um show do Mogwai que, claro, vai acontecer so em outubro, quando nao estarei mais aqui. Damn it.
Pelo menos realizei meu sonho de adolescencia e consegui ir a uma rave onde tocou bastante Prodigy. Sei que teoricamente as raves acabaram no Reino Unido, mas na verdade so mudaram de nome para "festivals" e puseram cachorros fofinhos cheirando seu pe na entrada. Organizaram a suruba, por assim dizer. Exceto pelo Happy Bus.
O Happy Bus e um double-decker (onibus de dois andares) direto, sem a camera da CCTV instalada no topo, que leva e traz as criaturas da festa - qualquer festa. Ou seja, o segundo andar e anarquia em ambiente aquecido. Dois sujeitos na minha frente foram inalando e fumando as mais diversas substancias, enquanto na parte de tras britanicas tresloucadas e vestidas com roupas de vagaba-neon berravam em sotaque ininteligivel.
Implicancias a parte, o Happy Bus e uma otima medida pra tempos de lei seca. Roubem essa ideia, por favor.
mas que nada

- sem tampinha na banheira como o Eugenio de Jesus Kid (do Mutarelli). Recorri a banheira do outro andar.
- cartao de debito do BB nao funciona, ao contrario do que me disseram. Testei em 2 lojas.
Esboco para uma tipologia do tarado britanico

Ai no Brasil eu conheco a raca, mas aqui ainda estou estudando. Vejamos os meus esbocos:

CREEP. A musica do Radiohead nao e uma mera historia de amor. E uma auto-confissao: Thom Yorke faz parte dessa tipologia. Creep = sorrateiro. Voce nem nota ele la, mas ele esta la, e olhando pra voce! Como sou uma especie de she-creep, sou capaz de detecta-los, especialmente se nao estou morrendo de sono. Percentagem: 8% da populacao.

OLHAR 43. Existe em todas as idades e grupos sociais. E o homem medio que faz aquela expressao pseudo-sexy de porteiro quando ve uma mulher bonita (ou simplesmente montada) se aproximar - igualzinho ao Brasil. A diferenca e que aqui eles podem tentar gracinhas mais pesadas, como tentar te agarrar, especialmente quando bebados e "se ninguem estiver olhando". A CCTV existe por causa desses caras. A CCTV e o Big Brother aplicado no Reino Unido, cameras em todo lugar, inclusive no segundo andar dos onibus. A policia sai para investigar "CCTV incidents" o tempo todo - ate no meu hostel apareceram. Percentagem: 15% da populacao (pode aumentar para ate 50% no horario de saida dos pubs).

PSYCHO. Esse e o perigoso. Sabe mentir sem alteracoes faciais e extrair informacoes sobre voce casualmente - informacoes que usara para te stalkear, te levar para um lugar deserto ou te encurralar depois. Percentagem: de 1% a 2% da populacao.

12.9.08

Morvern / Morton

Samantha Morton fez um monte de papeis que, de uma forma ou de outra, tem a ver comigo. Conheci-a atraves do filme Morvern Callar, em que ela faz a personagem-titulo - e tao bem que fui forcada a procurar o livro, e agora estou aqui na cidade de Oban, onde se passa a historia de ambos. No mesmo ano ela fez Minority Report, filme baseado no romance de Philip K. Dick, em que fez a precog que passa metade do filme boiando num tanque e resmungando previsoes, e metade resmungando enquanto foge tangida por Tom Cruise.
Como se nao bastasse, topei com ela ao assistir Elizabeth, a Idade de Ouro - no papel de Mary Stuart! Gosto da Rainha Mary desde que ela me foi apresentada por Monteiro Lobato, e agora estou visitando uma porcao de lugares relacionados a ela.

an T-Oban

Vim para Oban para passar a semana entre dois fins-de-semana, ou seja, nao fazer nada.
Aqui tudo e bilingue: gaelico-ingles. Ouvi uma adolescente falando gaelico no celular, uma das coisas mais bizarras que ja vi na viagem.
An T-Oban e o nome de Oban em gaelico - falta o acento agudo no a. O gaelico tem acentos, agudo e grave, mas aparentemente os computadores ignoram isso.

you know, just morverning around

Estou fotografando uma porcao de lugares que Morvern Callar frequenta no livro. Ela trabalha no supermercado, passa algum tempo na estacao de trem, na torre, no pub Manhole (era atras do restaurante Mactavish's, hoje e uma casa de festas para turistas) e no "Kale Onion" (o Caledonian Hotel depois que caiu a letra D). Achei todos os lugares, ate mesmo uma tal de Morvern Hill, menos a Tree Church (uma igreja feita de arvores), mesmo com indicacoes do centro turistico. De qualquer forma, me disseram que a Tree Cathedral esta "overgrown" e ja perdeu a forma. Minha maior decepcao mesmo foi ver que colocaram de volta o D no Kale Onion. Mas em compensacao, o Waterfront Restaurant e agora W terfront...
E, eu sei, sou muito boba.

10.9.08

there can be only one

Um dos motivos porque Escocia e literatura estao tao associadas na minha cabeca vem dos meus quatro/cinco anos de idade. Minha bisavo acabava de morrer e, embora eu nao a conhecesse o suficiente para me sentir triste por ela, eu me sentia triste por ter descoberto que todos nos morreriamos, inclusive eu. Nessa mesma epoca meu pai se elegeu sindico, e comecamos a ouvir apelidos para os vizinhos na nossa casa (sim, esses dois ultimos fatos estao intimamente relacionados). Foi ai que muitas vezes ouvi mencoes a um certo Imortal que morava no nosso predio. O Imortal isso, o Imortal aquilo. Perguntei quem era o Imortal, querendo saber como e que ele conseguia nao morrer, e recebi uma resposta meio confusa da minha avo. Aparentemente o homem tinha dois apartamentos, um em cima do outro, um onde morava com sua esposa, outro cheio de livros. Ele tinha um apartamento so de livros e fazia parte de uma tal academia.
- Mas ele nao tem nome?
- Tem, e Lacombe.
- E como e que ele consegue nao morrer? - finalmente perguntei.
- Ha, ha, ha. Nao e que ele nao va morrer, e que... as pessoas sempre vao lembrar do nome dele... para a posteridade.
- Ahm.
Detestei essa resposta. Gente idiota, chamar de imortal um cara que vai morrer. Alias, como era de se esperar, depois o Imortal morreu e cada membro da minha familia deu uma risadinha ao repetir para as visitas que "o imortal morreu". Eu ja sabia revirar os olhinhos nessa epoca e fiz bastante isso. (ver post sobre a tia Imperatriz, procurem ai pra baixo que nao quero perder meu tempo com isso)
E a Escocia, voce me pergunta? Bem, basta dizer que por essa epoca saiu o filme Highlander, com o subtitulo em portugues de O Guerreiro Imortal, e logo fiquei imaginando Americo Lacombe com uma espada na mao entre relampagos. Nao ha duvida do porque de a literatura comecar a parecer muito atraente para mim.

PS: Nas minhas pesquisas para o Samba Falado descobri que, naquele predio de Botafogo, rua 19 de fevereiro 127, ja morou tambem Vinicius de Moraes.

8.9.08

Cafe fair trade

Todos aqui estao preocupados com o meio-ambiente e os pobres. Ate ai nenhuma novidade, mas eu nao sabia que a obsessao tinha chegado a ponto de ser impressa em cardapios. Coisas como "nao utilizamos alimentos geneticamente modificados" e e "infelizmente nao podemos garantir que nossa comida e nut-free" (sem nozes - para quem e alergico a nozes). Outros avisos comuns sao sobre "fair trade coffee" (cafe com certificado de nao-exploracao economica, ou seja, mais caro que o normal), "recycling", "veggie dishes", "donations" para favelas em paises com nomes impronunciaveis...
Nao sei de nada, so vim aqui ver as ovelhinhas, mas francamente me parece muito exaustivo prestar atencao a isso. Qualquer lavadeira diria que isso e falta do que fazer (talvez acrescentando que essa gente precisa e de uma bela sova).
Para nao dizerem que sou espirito de porco, gostei de uma placa que nao conhecia: "Elderly people", ou seja, algo como "Cuidado: travessia de idosos", geralmente perto de asilos. Se criancas, que sao avoadas mas ageis, merecem uma placa, imagine os idosos. Muito bem pensado.

Literatura fair trade

Mas voltando a vaca fria, essa obsessao e essa falta do que fazer se refletem na literatura dos paises desenvolvidos. Prefiro os livros sobre a falta do que fazer, como Morvern Callar (Alan Warner) e Trainspotting (Irvine Welsh) - alias estou postando de Leith, onde se passa este ultimo. Mas o que tem de personagens anorexicas / self-cutters (The trick is to keep breathing, Janice Galloway) ou metaforas elaboradas sobre vegetarianismo (Sob a pele, Michel Faber) ou feminismo (A historia da aia, Margaret Atwood) nao esta no gibi.
Por falar em Janice Galloway, ela esta lancando um novo livro, This is not about me, que, claro, e sobre a vida dela. Como sou anti-autobiografica na maioria dos casos, nao devo comprar. Mas... por ser Janice Galloway, eu titubeio.
Pois e, motivo "literario" pra essa viagem existe: ela e toda orientada para beleza, inspiracao e literatura, alem de olhar o Brasil de outro angulo (de longe). Entao podem ir recolhendo as tochas e os ferros em brasa e ir trabalhar, afinal nos, ai embaixo, ainda nao estamos sem nada pra fazer.

Cafe fair trade de novo

Alias, me pergunto por que tenho de pagar os olhos da cara por cafe fair trade? "Comercio justo" seria eu pagar o preco de um cafezinho carioca aqui, nao? (Especialmente com o gosto ruim que esse cafe tem. Penso seriamente em abrir um cafe brasileiro em Edimburgo.)

Literatura fair trade de novo

O Brasil sera a proxima bola da vez na literatura (em dois anos). Ja cansaram de arabes e chineses, e logo vao precisar de um novo suplemento exotico. Digo isso como formanda de Producao Editorial, nao como escritora - mas como escritora esfrego as maozinhas de contentamento.
O Brasil interessa bastante aos estrangeiros (quando digo que sou dai, os olhos das pessoas brilham e algumas ate repetem, OH! BRAZIL??); e o proximo grande mercado literario. Estamos colocando as criancinhas na escola e implantando bibliotecas/ politicas de leitura; de olho nisso, grandes grupos estrangeiros - portugueses, espanhois e americanos - estao procurando formas de adquirir grandes editoras nacionais, isso se ja nao entram de sola mesmo. Logo eles vao apresentar aos escritores nacionais contratos com opcao de publicacao no exterior e, uma vez detonada a onda brasileira, vao usar essa opcao. That`s the way you do it, money for nothing...
Producao editorial serve pra alguma coisa sim... para eu ser minha propria agente literaria.
Alem de todos esses indicios, tem a vibe que estou sentindo.
Nao sei se os gringos so vao querer coisas bossa nova e dos pampas, mas sei que vao nos querer. Trust me.

5.9.08

It`s the Highlands, wench!

E muito dificil ser groupie de uma banda que nao faz shows, mas eu estou conseguindo. Gostaria de partilhar minha experiencia.
Como assistir um show do Boards of Canada: leve um iPod para sua excursao as Highlands escocesas.
Eu ja voltei da minha.
Nem precisava ter levado o iPod, na verdade. O velhinho da van so colocava musica escocesa pra tocar, inclusive Belle e Sebastian. Na minha lista "Escocia", entraram Boards of Canada, Garbage e Ladytron - pela nacionalidade dos componentes - e outros por afinidade, como Underworld (com Oich Oich) e o Air (com Sex born poison). Nisso, passamos pelo Loch Oich, momento em que realmente entendi a razao do nome Oich Oich para aquela cancao.
Chega a ser meio ridicula a quantidade de historia espremida (ou espalhada) naquele canto do mundo. Paramos no castelo onde foi filmado O Calice Sagrado do Monty Python (com direito a fotos de coelhinhos assassinos) e passamos pelo castelo de Macbeth. O cara contou a historia de um certo castelo que tinha direito a exercito proprio e fiquei morrendo de despeito do sul-africano que herdou aquilo tudo (por ser um primo distante do ultimo proprietario) e simplesmente nao quis ficar com o castelo. As Highlands sao mesmo material de fabulas, cheias de coelhinhos e ovelhinhas e cogumelos e berries.

PS: examinando o folheto que ganhei na Candlemakers Row, li que aquela foi a verdadeira inspiracao para o Beco Diagonal. Faz sentido. Fica na diagonal do cafe preferido da mrs. Rowling. (Nao, nao escrevi la; fui achar meu proprio cafe.)

3.9.08

Oi. To fora do Brasil, ou seja, sem acentos.
Estou num lugar com muitos ruivos. A cada foto que eu bato sai uma cabeca vermelha num canto, e quase nunca e intencional.
Tive dor de garganta, curada com uma faixa de pescoco e Strepsils (aprendi o que era numa musica da Lily Allen).
Descobri todos os points freak`n`geek da cidade sem querer, como que atraida. Tem uma rua, a Candlemakers Row, que tem uma loja de quadrinhos, outra de livros de scifi, uma loja gotica e um brecho retro; e um pouco atras, na George Bridge, tem a Biblioteca Central e um dos cafes onde dizem que a J K Rowling escreveu Harry Potter. E uma cidade literaria; tanto que ganhou uma campanha para vende-la como inspirational, mas eu nem sabia disso. O pior e que e verdade. Estou tentando acertar meu livro aqui, e aparentemente conseguindo.
Adorei todos os museus. Nao sei como conseguiram, mas sao todos divertidos.
O Rio (de Janeiro) pales (or "tans") in comparison, mas aqui o cafe e horrivel! Ou pelo menos ainda nao achei o certo.
OK, estou em Edimburgo, mas nao me sigam.

25.8.08

A história do meu primeiro livro

Dizem tanta bobagem sobre a publicação do meu primeiro livro - que surgi dos blogs, por exemplo -, mas nunca pensei em contar como realmente aconteceu. Aproveitando uma mensagem que respondi a um aspirante a escritor, finalmente resolvi postar A VERDADEIRA HISTÓRIA.
O que houve foi que tive muita sorte, mas também estratégia.
Eu era completamente desconectada do meio literário; eu tinha internet, mas nem de fórum participava. O máximo que eu tinha era uma página pessoal, que naquela época falava de personagens que pareciam comigo e músicas que me lembravam determinados livros - nem um texto literário que fosse. Nem blog existia direito, ainda (em 99/2000). Eu era só uma estudante do ensino médio boa em redação que lia o Prosa & Verso (caderno de literatura do Globo) religiosamente, todo sábado, mesmo achando predominantemente chato, como quem espera uma luz no fim do túnel. Aí saiu uma reportagem sobre uma certa editora que acolhia novos autores, a 7Letras. Eu pensei: vou mandar para essa primeiro.
Quando o livro ficou pronto, algum tempo depois, eu estava fazendo análise - fui meio que coagida a isso, mas acabei achando a mulher legal. O apartamento da terapeuta estava em reforma e o consultório provisório ficava em cima da livraria Sette Letras. Daí, achando aquilo um bom sinal, pedi na livraria o contato da editora (não era mais a mesma empresa, tinham se separado) e mandei a mãe ligar para lá para descobrir os detalhes de como mandar o livro (eu me embananava ao falar no telefone e detestava detalhes burocráticos). Naquela época, pediam uma cópia em disquete e duas impressas, se não me engano. Fiz conforme eles pediram e eu mesma deixei o pacote na editora 7Letras.
Uma semana depois eles me ligaram e disseram que queriam conversar. Como eu era menor de idade, minha mãe foi junto, já me prevenindo que provavelmente ele iria cobrar para publicar o livro, e ela não tinha dinheiro pra isso. Eu retruquei que não, eles não iam cobrar nada, e minha mãe suspirou e revirou os olhos... ("como eu era inocente").
Quando chegamos lá, descobrimos que o editor não só queria publicar o livro como ia bancar a edição.
Depois eu soube que o editor e um grande amigo dele por acaso estavam na editora na noite em que entreguei os originais e leram/ decidiram publicar na mesma hora!
Quer dizer, foi uma combinação de sorte com o fato de procurar uma editora que aposta no novo autor (e o fato de ter escrito um livro diferente da maioria).

Eu contei toda essa história cheia de detalhes instigantes a um repórter que resumiu mais ou menos assim: "a mãe dela viu um anúncio no jornal, mandaram o livro e publicaram". Eu até poderia já dar tudo resumido, mas sempre conto histórias muito longas, porque os jornalistas gostam de selecionar eles mesmos os melhores pontos da sua fala para encaixar na matéria. Até aí tudo bem, mas só se o cara sabe fazer o seu trabalho. Para quê entrevistar todo mundo se não se pode selecionar as melhores histórias para contar ou, pelo menos, resumi-las decentemente? Felizmente nem todo jornalista é bronco assim, e tenho lido melhores resumos das minhas ladainhas.

20.8.08

The Melancholy of Shimone Kamposu

OK, foi só reclamar que aconteceu uma quantidade absurda de coincidências e agora fiz tipo 4 novos amigos numa semana. Em três dias. Estou me sentindo num anime, certo, certo?
Acho que a palavra correta para descrever o meu estado seria bolada - também no sentido afortunado.
Coisas do tipo entrar num ônibus em que você nunca entraria normalmente e encontrar quem você não sabia que pegava aquele ônibus, logo depois de ter pedido pro táxi parar numa determinada rua com o nome dessa pessoa. E essa foi a menor das coincidências.
Deve ser o mês de agosto.

16.8.08

Vovó Olga é o novo Rrrronaldinho

Medalha de ouro brasileira em esporte individual só podia dar nisso: na narração mais irritante que o Galvão Bueno já fez na história. César Cielo tinha uma avó, o que Galvão nos lembrava 3 vezes por segundo. Fiz até um Vovó Olga count, deu 25. E isso porque alternei com a narração da Band (que também me irritou e me fez voltar à Vovó Olga TV). Difícil não ter TV a cabo nessas horas. Todo mundo deve ter feito esse post, mas tudo bem, eu precisava desabafar.

12.8.08

Quero contar uma história para vocês verem como o negócio é sério, e de berço:



Eu tinha seis anos quando isso aconteceu. Estudava no Colégio Santo Amaro há quase dois anos, uma instituição prisional completamente miserável e sem-graça, especialmente se comparado com o colégio laico onde eu estudara até os quatro, o Anglo-Americano. Mas meus pais não tinham dinheiro. Certa tarde, quando voltei do colégio, minha avó me disse:

“Simone, sua mãe ganhou uma bolsa! Você ganhou uma bolsa do Anglo-Americano!”

Até eu entender que não se tratava de bolsa-mochila e sim de bolsa-mensalidade, da qual até então eu nunca havia ouvido falar, demorou um pouco. Afinal minha avó usou as palavras “estudar sem pagar” e “poder voltar pro Anglo”, ao que eu disse: ah, é?

Enquanto isso fui andando para o quarto dos meus pais e soltando a mochila das costas, sentando na cama. E nada. Não saía nada. A expressão não se expressava em mim. Eu era um manequim. Uma Rei Ayanami, uma esquizóide que travava na hora de reconhecer os sentimentos para si mesma. Em linguagem computacional, uma falha de índice. Mas minha avó viu que eu estava paralisada. Ela percebia que às vezes sua neta precisava de uma mãozinha.

“Poxa, eu pensei que você fosse gostar. Você anda tão tristinha depois que foi pro Santo Amaro.”

Lembro de ter levantado a cabeça devagar; minhas mãos estavam sobre os joelhos.
“Você não tá feliz?” – insistiu ela.

E de repente... ("o que é isso? O que é isso que vem me subindo agora?")

“Sim!”

Eu pulei. Dentro de mim fervilhou o entendimento. Eu entendia naquele instante que felicidade era a coisa boa, e tristeza a coisa ruim que eu sentia; e mais, que o bom era bom, e o ruim era ruim, através da comparação do meu tempo no Anglo com meu tempo no Santo Amaro.

“Sim, tô! Tô feliz!”

E pulava mais, abraçando a minha avó, e gastava as palavras, maravilhada:

“Eu tava triste! Eu tava triste no Santo Amaro! E agora tô feliz porque vou voltar para o meu colégio!”

Eu pulava e gritava pela casa toda, histérica, rindo e chorando ao mesmo tempo, por ter entendido que devia perseguir o bom (pelo menos naquela hora).



É o que eu digo: espero que minha percepção distorcida sirva pelo menos para enxergar coisas que a outros passam despercebidas; é, é, para escrever.
três tigres tristes

Muita gente junta me dá pânico. Muita gente querida junta me dá muito pânico.

É em eventos sociais como o de hoje que as pessoas pensam: essa menina tem problemas. Pareço uma garota sem noção que fica muito tempo olhando para a parede, esbarra nos outros, não sabe conversar e vai embora cedo. O pior é que não é por medo de gente.

O problema não é lembrar o nome de todo mundo - assumo logo de cara que esqueci - mas principalmente ficar em meio a todas aquelas pessoas, aah, na forma de um corpo que tem que se mexer e falar de forma ordenada e não errática. Me dá um terminal, eu penso. Com um terminal eu posso interagir com uma coisa plana, uma ilusão de mecanicidade, e também fingir que não sou errática. Eu penso melhor escrevendo também. Sou muito mais agradável por escrito.

Só no terminal eu sou inequívoca. Na vida real você pode ter uma conversa inteira comigo sem perceber se eu te amo, te suporto ou te odeio, por mais que eu me esforce para demonstrar o que sinto.

(momento Herman Hesse agora:) Um dos problemas, fora de brincadeira, é que eu olho para cada pessoa e vejo não uma unidade, mas uma singularidade composta de várias personalidades diferentes superpostas, como um arquivo de Photoshop. (Esse é o primeiro traço de esquizoidia que me atrapalha.) Numa reunião social, entre pessoas queridas, eu fico que nem um telepata de filme trash quando entra no meio de uma multidão e ouve os pensamentos de todo mundo, cambaleando com as duas mãos sobre o próprio crânio. Bem, não literalmente, mas eu fico bastante aflita. Aflita para estar sozinha de novo.

Friso pessoas queridas, o fato de serem queridas é importante, porque nasci com uma capacidade bela e terrível: quando resolvo cagar para as pessoas, eu realmente cago para elas. Basta me convencer disso. É terrivelmente infalível. Eu não finjo, eu sinto. (Esse é o segundo traço de esquizoidia que me atrapalha.) Sabendo disso e conhecendo o mecanismo, seria muito fácil para mim ter uma existência sem dor, evitando todos os percalços do envolvimento emocional. Acontece que eu acho melhor sentir alguma coisa do que nada. Aquela história do Tennyson, vocês sabem.

Mr. O'Neill - "It is better to have loved and lost, then never to have loved at all." Just what is Lord Tennyson talking about? (...)

Daria - Well, he's acknowledging that if something makes you feel good, like being in love, there must be a corresponding painful side, like losing a love, and that it's just a fact of life.

Mr. O'Neill - Sad, but true.

Daria - And what's intriguing about it is that no one calls Tennyson a big unhappiness freak just because he understands that.

Mr. O'Neill - Is he a big unhappiness freak?

Daria - No, he's a realist. He says, "Emotional involvement brings pleasure and extraordinary pain." Then he declares that it's better than feeling nothing at all.

- da animação Daria.

Por isso eu saio, pego ônibus e passo o pânico que passo. Às vezes queria que me puxassem pela mão e dissessem: "Ei, vamos falar com Fulano" sabendo que eu quero falar com Fulano. Porque também não faço isso com facilidade. Minha falta de empatia não se direciona apenas a outros, mas também a mim mesma. Eu me esqueço do que é bom. Eu me esqueço porque o bom é bom. Eu esqueço porque tenho que me dar as coisas que eu quero. Esqueço que quero o que quero. (E esse é o terceiro traço de esquizoidia que me atrapalha, no que mais me pareço com a Rei.) Tenho que me forçar a lembrar de como interagir pode ser bom para me empurrar a interagir.

É melhor ver um de cada vez, lido melhor assim. Aliás, é emocionante ver todas aquelas personalidades formando um ser só quando você está sozinha com apenas um alguém querido; é como brincar com um caleidoscópio. Eu tenho um caleidoscópio, é meu brinquedo preferido.

11.8.08

O fracasso do pornofaxineiro de Kafka

"Um segredo literalmente do fundo do baú, conhecido há quase um século por alguns poucos acadêmicos, veio à tona na quinta-feira passada, com a publicação, no Reino Unido, de um livro que revela a coleção de revistas eróticas de Franz Kafka (...)" - da Folha

Max Brod é um vacilão. Não acredito que Kafka não soubesse disso, ele só pode ter querido deixar as coisas dele para algum vacilão mesmo, para conquistar a notoriedade depois de morto, sem ninguém para aporrinhar. Foi premeditado, e deu certo.
O mais engraçado é como as pessoas pressupõem uma ligação entre vida e obra e, se ela não for óbvia, tentam retocar o retrato do escritor para caber na fôrma da obra. (Se a conexão é óbvia, o escritor é que vai espernear dizendo que não é não, mas isso é outra história.) Então nos foi dada a imagem do carinha macilento e ensimesmado, um funça impotente de tanto enfrentar burocracia, e não era isso absolutamente que transpirava dos livros. Poxa, dava para perceber que ele gostava de mulher. Ele certamente não tinha muita vontade de casar, e as mulheres só deviam ter um pouco de medo dele, achá-lo estranho, mas isso é até sexy. Ponto final: Franz tem direito ao seu hentai.
Aqui um trechinho do meu Francisco - que Maria Luiza só chama de Franz, em parte por causa do Kafka:

FRANCISCO
Como é que você consegue?
MARIA LUIZA
O quê?
FRANCISCO
Dançar sozinha numa boate vazia. Ou ir para a casa de um desconhecido e transar com ele. É a mesma coisa. É pornô sem história.
MARIA LUIZA
Achei que você nunca ia admitir que assiste.

Para quem está chegando agora, Francisco e Maria Luiza são personagens de A feia noite, que é livro e é roteiro de longa-metragem (procurando diretor). Esse trecho é do roteiro, claro.

8.8.08

wanted

Conheci um garoto que, na época com dezoito anos, chegava para as suas amigas e pedia para testar as cantadas que tinha bolado. Todas começavam com "Minha querida".
Conheço também um homem que tem mania de chamar seus contatos profissionais de meu querido ao telefone.
O mais curioso é que esse querer todo nunca é poder. Os passivo-agressivos sempre "querem", nunca "amam". Em vez de pôr as cartas na mesa ou de tentar conquistar pela competência, eu simplesmente declaro uma carência e espero você ter pena de me frustrar -- em teoria, em teoria. Na prática, o "carente" é muito ignorado e ouve muito não sem saber porquê - eu digo que é bem-feito, pela adoção de tal estratégia amarelona.
Amarelona por quê, você pergunta? O "querido" procura evitar a frustração de se ouvir um "você quer, mas não vou te dar" - e nesse caso há sempre espaço para o sujeito dizer que nem estava muito a fim, mesmo, e depois falar mal de você pelas costas - que sempre te tratou "com respeito" e ainda assim você não "deu valor". O "querido" dele era completamente desinteressado...
Não estou falando só de sexo não. De profissões a mamatas, o "querido" serve para forjar todo tipo de intimidade instantânea (ah, meu Rio, meu Brasil). E nem a estratégia se restringe apenas à palavra "querido", claro. O pior é que quase todas as vezes essa estratégia é inconsciente. Só alguém que já está de saco cheio de desconhecidos "querendo porque viram" para pegá-los no pulo. E uma vez que você detecta e detesta o padrão, não há mais volta. É como naquele acertado comercial de refrigerante que dedurava: "seu amigo está a fim de você". Quanta amizade "platônica" ele não deve ter estragado...
O primeiro número de Nana, um mangá para moças (josei), acaba de sair aqui. É sobre duas moças, uma ingênua e outra punk, que têm o mesmo nome (Nana - que também quer dizer "sete" em japonês) e vão morar em Tóquio, onde dividem apartamento. Eu tinha lido até um número bem avançado de Nana em scans, mas o mangá é tão bom que resolvi reler tudo em papel.


O visual é excelente, as referências de moda também; a história é novelão com humor. É um romance de banca para a moça de hoje. É, há idealização, mas também a Nana bobinha é muito zoada quando quebra a cara com suas fantasias sem pé nem cabeça. Enquanto isso, a Nana punk - apesar de ser linda, magra, poderosa e relativamente bem-resolvida - mostra também suas fragilidades e inseguranças e procura vencer na vida via rock'n'roll.
É isso, recomendo.

3.8.08

Ai, se mata

Tenho lido bastante. E pensado bastante. Depois vou escrever bastante.

Fiquei pensando numa aula de roteiro que eu tive. Em certa aula você tinha que narrar seu argumento numa roda. Eu estava com meus amigos e a narração de argumentos começou no sentido que se afastava de nós. Ficamos impressionados com uma coisa: como todo mundo solucionava (ou partia de) os conflitos do roteiro com assassinatos ou suicídios. A chacina comeu solta naquela sala. Chegou a vez de uma mulher mais velha, que não se sabe porque resolveu participar daquela aula de pirralhos, que conseguiu espremer nas poucas linhas do seu argumento, pelo que eu me lembro, pedofilia, abuso sexual, drogas, suicídio, estupro e assassinato. Fiquei chocada. Mas interessada? Acho que não.

Já em outra matéria, quando meu grupo da faculdade fez um curta humorístico, o Lady Murphy, o grupo que dividiu a sala de edição com a gente fez a história de uma mulher em crise existencial que se atirava do terceiro andar de camisola branca (de cuja boca escorria uma gotinha de tinta carmim, em close). Não deu pena. Tive que me segurar pra não rir. Felizmente o próprio editor virou pra gente e disse: "ficou trash, não?" Tivemos que concordar.

Nessa época fiquei pensando como são comuns as ficções brasileiras que terminam ou partem de estrangulamentos e esquartejamentos e mutilações em geral. Tem algumas leis além dessas: dois personagens mancomunados nunca são apenas bons amigos; ninguém tem pai ou mãe, e se os tiver, estão em outra cidade/ não se importa com eles. Ninguém trabalha em escritório ou loja: todo mundo é ou traficante/ trombadinha/ mendigo ou escritor/ crítico/ artista plástico. Se é artista plástico, isso está solto na história, quer dizer, ele não vai criar uma obra dentro da história. E, finalmente, ninguém tem problemas de dinheiro. Se tiver, vai matar alguém para resolvê-los.

Essa mania de trágico é falta de traquejo. O sangue frio pode estar na moda, mas ninguém sai matando nem se matando assim à toa. Não dá para ser escritor sem saber elaborar o impacto que outras situações, mais simples, podem ter. Mesmo que se queira falar sobre violência ou morte, pequenos gestos podem transmitir melhor essa impressão.

Estou fazendo força para evitar esses clichês no livro novo. O da profissão é o mais difícil, já que em escritório não acontece nada, ou melhor, acontecem nadas que só fazem sentido dentro do escritório (conforme demonstra a série The Office). Além disso, é interessante explorar o que a pessoa que não tem um trabalho real vai fazer com todo o tempo livre dela - isto é, se você for criativo. Tenho apelado para o uso de estudantes do primeiro ao quarto grau. E mais:

1) Às vezes o personagem pode não ter nenhum relacionamento sexual na vida e também não estar procurando.
2) Às vezes o personagem não tem pai nem mãe, mas tem avós. Os pais podem ter ou ser um insight sobre os filhos (daí a paúra que os autobiografistas têm de inseri-los na história).
3) Os problemas de dinheiro não saem causando mortes. Normalmente eles fazem a pessoa procurar a) uma mamata, b) um emprego de verdade ou c) economizar.
4) Se você tem muitos personagens homens, ou muitas mulheres, simplesmente trocar o sexo deles para equalizar as coisas provavelmente não vai dar certo. E na verdade, equalizar é uma bobagem. Você não tem que preencher nenhum sistema de cotas, relaxe.

Meio óbvio, mas temos que começar por ele, que é artigo em falta.

E seguimos garimpando em busca de novos ovos de Colombo...

30.7.08

beautiful music

Tenho uma tendência a prestar atenção em letras que só pode ser resquício de segundo grau ou de ouvir rock. Ninguém mais presta atenção nisso, que eu saiba. Ainda mais na música eletrônica, na qual o que importa (teoricamente) são as bases, a ambiência, o groove. Mas uma letra esperta faz você prestar atenção na música e pode fazer com que ela extrapole as pistas, virando um hit pop.
Os brasileiros têm feito boa música eletrônica, inclusive nas letras quase sempre em inglês. É impressionante como as músicas brasileiras são exuberantes e evocativas como... ok, como uma floresta tropical. É beautiful music. O canto mavioso do uirapuru (que dá um minimal, ouve só). A mim lembra João Donato - e parece mesmo uma bossa supernova, dessa vez em cima da música eletrônica.

Mas tenho percebido que dois temas dominam. As músicas e remixes do Gui Boratto geralmente têm uma letra e um clima stalker/capacho/borderline.

I gave you
all I got
'cause I could
never
give you up

Haunting - Eyerer and Chopstick (remix do Boratto)

I just want to be like you
I don't care what people say
I just want to be myself
I am what you want me to be

(é a única letra da música, repetida à exaustão)
(Like you - só do Boratto)

E as músicas e remixes do The Twelves têm na letra uma abordagem quase cínica, mas apaixonada e bem-humorada, à cultura de carões e fotologgers, geralmente sem especificar o gênero do interlocutor (funciona com ambos):

i know you think about
how you like to be seen
by everyone around
you're so pretty it hurts

(da demo When you talk)

when you make out with two girls at the door
i think it works for me
when you pass out on the bathroom floor
i think it works for me

(da demo Works for me)

Falar com a geração dançante é fundamental para atingir o sucesso. E esses caras estão fazendo isso.

23.7.08

Família que rouba unida

Que bom que no Brasil ainda existe a tradição de família. Família-quadrilha. Ao mesmo tempo em que essa excelente tradição é mantida, abre-se caminho para as minorias, porque não importa (mais) se o filho sai mulher ou gay: o importante é continuar explorando o curral eleitoral que o pai construiu. Doutrinados desde pequenininhos - "olha, nossa família é a maioral, a mais esperta, não leva bola nas costas, tá entendendo?" "a gente aqui tem que se proteger" - os meninos e meninas crescem prontos a cumprir sua missão: arrumar um namorado ou namorada que entenda a missão, casar na capa de Caras e procriar um laranjal inteiro. Caso os negócios estejam indo excepcionalmente bem, pode-se adotar algumas crianças, que serão tratadas a pão-de-ló para evitar o fiasco da ex-mulher do Pitta.
É por isso que esse povo não se divorcia, aliás. O melhor é manter as aparências (e algumas cachorras acessórias).
A gente está no feudalismo, não se enganem. Só que nossa Lady Macbeth é Rosinha Garotinho.

21.7.08

Estava pensando outro dia nos meus verdadeiros motivos para não ser nada promíscua: padrões muito rígidos. Não sei se elevados, porque não têm nem pé nem cabeça.
Homem pra mim não pode nunca, má nunca-jamais ter feito análise. Pelo menos por vontade própria (vai que recebeu uma ordem judicial para fazer um anger management). Homem pra mim tem que acreditar que não há nada que um analista não faça que um chopinho com os amigos não resolva. Mas se ele tiver um grupo de apoio disfarçado tipo o do Charlie em Two and a half men (Elvis Costello, Sean Penn e Harry Dean Stanton tomando uísque e fumando charutos) não só passa como acho ótimo.
Outros random facts:
- Não gosto de homem magricela, branquelo ou sem um pêlo nos braços.
- Gosto de nerds que tenham praticado esportes em algum momento da vida.
- Doces são um caminho para o meu coração, especialmente se ele acertar do que eu estava precisando naquele momento. (No momento estou muito precisada de um bombom Lindt.)
- Detesto elogios gratuitos.
Devo ter beijado cinco pessoas na vida.

16.7.08

Acontece tanta coisa horrível nessas Crônicas Marcianas. Às vezes parece Alice no País das Maravilhas, mas sem a fofura. Me fez pensar porque as pessoas escrevem ficção científica. Claro, há aqueles que acreditam estar dando um alerta minucioso e humanizado para um medo que, em sua cabeça, muita gente também tem - e pretendem quebrar o orgulho do homem, fazê-lo evitar aquilo. Outros, como o PKD, estão tentando dar uma forma artística à sua maluquice. Outros, como Júlio Verne, estão confessando sua fé na técnica e no fato de que podemos chegar lá. E assim por diante.
Mas o simples fato de humanos produzirem coisas como ficção científica desse nível (arte) já é uma profissão de fé na humanidade. Se o Ray Bradbury não acreditasse em humanos - nos que lerão aquilo e não tomarão como advertência, mas como ficção mesmo - não teria escrito Crônicas Marcianas.
Quando eu era criança achava que cada scifi expressava um medo diferente do futuro; então só queria ler as que correspondessem aos meus medos, para me preparar (eu também queria dominar o mundo). Hoje vejo que você não precisa tratar scifi como advertência, e nem concordar com o autor para compartilhar da visão dele, porque às vezes nem ele tem uma visão só, fechada; é um recurso artístico, um artifício literário para expressar uma visão interna. E não uma visão do presente, ou do futuro, nem de nada.
E vou contar um segredo. Às vezes nem o próprio autor concorda com o que está expresso ali. A história simplesmente o levou para aquele canto. Acho isso fantástico. Não sei se por ser um grande ato de desprendimento, por ser uma loucura (do tipo extremamente humano), ou ainda por outro motivo que não sei pôr em palavras. Não sei.

(E o mesmo vale para toda a boa literatura não scifi, claro.)
Ray Bradbury é genial.
Li o Crônicas Marcianas inteiro anteontem. Há muito tempo que não fazia isso, ler um livro todo no mesmo dia.
Já estou com o Fahrenheit 451 aqui na estante.

Botei o link do Fahrenheit para o Submarino porque se você comprar por aqui, eu ganho um troquinho. Mas tem em sebo também. O Crônicas é fácil de achar - e adorei a tradução da Círculo do Livro; já o Fahrenheit é mais difícil. E custa onze reais o novo, então...

14.7.08

Mais Rio bashing e algumas conclusões

Sobre o post do chato, cheguei à conclusão de que é melhor parar de assinar o jornal ruim (e manter o bom). Afinal, quando cada pessoa que tentava adivinhar quem eram "as duas colunistas" citava colunistas diferentes (e com a carapuça servindo!), você pensa: pra quê se irritar? Pra quê premiar uma colônia de chatos? Que melhorem.

Também cheguei à conclusão de que, por ora, é melhor continuar por aqui. Ainda não pretendo ter filhos - o que seria um grande problema, pois o Pat Morita já morreu e como eu criaria meu Karatê Kid? -, estou fazendo o que eu gosto sem precisar fazer compromissos antiéticos nem puxar o saco de ninguém que eu odeie - sou groupie somente dos meus amigos - e minha vida está razoavelmente organizada, com casa, comida e roupa lavada. Quanto às coisas irritantes, vou ter que assumir uma atitude um pouco mais faroeste para não precisar engolir trinta sapos toda vez que descer à padaria. Chega de ser boazinha: vou ter que pagar na mesma moeda a quem tenta forçar seus supostos privilégios em cima de mim.

O termo domingueiros também se aplica a clientes de restaurante: gente que não fez reserva nem pretende respeitar fila, porque se acha especial demais pra isso. Ontem uma menina de uns dez anos furou a fila do restaurante a quilo que freqüento. Chamei-a à ordem usando as palavras "mocinha" e "por favor" e, quando ela se encaminhava ao devido lugar (atrás de mim), sua mãe, à minha frente, chiou. "São duas filas, uma pra cada balança" e urgiu a filha a voltar ao lugar anterior. Eu retruquei calmamente que não, que era fila única, e quando a mãe insistiu, eu concordei com ela - e levei meu prato para a segunda balança, furando as duas segundo as regras das próprias. Como era de se esperar, a mulher ficou possessa, esbravejando sobre a minha falta de educação em cortar o privilégio que ela tentava arrogar aos seus. Não discuti mais, pesei e fui comer em paz.

Agora vai ser assim, sonso power.



Minhas conclusões são temporárias. Assim, se o mundo mudar, eu mudo com ele. Se eu mudar - seja por dentro ou de cidade -, novos ajustes serão necessários. No momento eu preciso relaxar da forma que me for possível dado onde moro.

11.7.08

Ah, mais uma daquelas fases de coincidências.
Abri um livro no sebo hoje e seus capítulos tinham o nome de músicas do Marumari que eu adoro -- a saber, Ylla e Way in the middle of the air. O livro é Crônicas Marcianas, de Ray Bradbury.
O conto abaixo, Segundo andar, é sobre uma moça que é a única que ainda resta a morar num prédio de apartamentos - e não quer vendê-lo de jeito nenhum. Quando ouviram isso, não faz nem uma semana, me mandaram ler o conto de Faulkner, Uma rosa para Emily (ainda não li). Acabo de vê-lo citado (e linkado) no blog do Goiaba.
É a primeira vez que choro de lentes de contato. Surpreendentemente, elas não escorrem junto com as lágrimas. Esse livro que estou lendo freqüentemente dá vontade de chorar, portanto acabei tirando ele da mochila. Afinal, quando você chora em coletivos, as pessoas acabam reparando e perguntando: “Que foi” ou decretando: “não chora não”; você dirá, como desculpa, de que “é um livro muito bonito”; então vão ver que você está lendo um livro, e vão perguntar “que livro é esse?”, e você vai responder erguendo a capa: “Escola para Bobos, de Sasha Sokolov”. E a pessoa dirá “aam...”
Nabokov elogiou esse livro. Hoje ele existe apenas em sebos.

10.7.08

A melhor maneira de manter a forma é saber que a barra de chocolate mais próxima se encontra a três quarteirões.
Mesmo que você resolva ir buscá-la, vai gastar as calorias dela só para trazê-la até o lar. (Sou muito pão-dura para pedir a domicílio.)
O novo chato

Este texto é inspirado em duas colunistas. Mas vejo esse fenômeno se alastrando em ambos os sexos e em todas as profissões, então vamos colocar no masculino.

- Ele faz um tipo intelectual, se acha um “especialista” em pelo menos uma coisa (pode ser mulher, música, informática), mas age como se soubesse muito mais do que realmente sabe. Por isso, freqüentemente diz besteira. E detesta que apontem isso, porque no fundo se acha sexy, talentoso, poderoso e imprescindível.

- Quando contestado – ou mesmo se imaginar que poderá ser contestado --, vira o Super Explicadinho: explica tintim por tintim, com toda civilidade e educação, o que realmente quis dizer quando disse que... (zzzzz....)

- Afirma freqüentemente em público que não gosta de algo que todo mundo gosta, porque acha que assim impressiona.

- É deslumbrado com coisas passageiras e de qualidade no mínimo duvidosa (Second Life, Miss Kittin etc.)

- Ele procura mostrar uma face de extrema tolerância e compreensão a tudo. Portanto, nunca emite uma opinião de verdade. Quando tenta fazer isso, exibe inadvertidamente algum preconceito bem tacanho (como “drogados merecem morrer” ou “o primeiro da classe é quase sempre um robô dopado”).

- É aclamado pela parcela do público de pessoas igualmente sem-sal, e por isso acha que está na boca do “povo”.

- Está sempre tentando fazer o seu nome. Quando faz seu egosurf semanal e vê uma crítica à sua pessoa, ele não resiste: responde.

- O Efeito Xuxa: renega o seu passado e procura escondê-lo. (A colunista que tenho em mente já escreveu contos eróticos para uma revista masculina no início da carreira. Péssimos, por sinal.)

- Fala da vida pessoal, nem que seja por meio de insinuações misteriosas. Aliás, o novo chato adora fazer um mistério.

- Também é feio por fora. Não sabe brincar com isso e tem complexo.

Em suma, o novo chato é a própria assessoria de imprensa. E faz muito gosto em sê-lo.

Tenho certeza que você encontrou muita gente que se encaixa nessas características. Agora, exercício zen. Pense em alguns anti-chatos, especialmente os que escrevem. (Letra A: Antônio Prata... Artur Xexéo...)

9.7.08

Mais conto

Eba, terminei mais um conto. Este se chama Segundo andar. Vai um trechinho:



suish. suish.
varria Susana os nanoladrilhos hexagonais. Engastados um a um em sua perfeição mosaica, fariam qualquer servente entrar em alfa. E Susana não era qualquer servente. Era a servente Zveiter. Mandara bordar o nome na roupa azul. Amarrara um lenço de dona maria na cabeça, floridinho. Uma mecha esticada corria a testa em diagonal como uma fita loira.
Ergueu a cabeça ainda em tempo de ver alguma coisa que partia soltando as mãos da roda do portãozinho de ferro. Claro, quem esperaria ver uma branca fazendo serviço daqueles. Devia ser a curiosidade da vizinhança. Uma versão da casa mal-assombrada do bairro, com a princesa aurora em vez da velha dos gatos. Quem entra ali, diziam, fica pobre. – Mentira, dizia outro, fica é rico. - Mas leproso, complementa outro.

8.7.08

A vida aqui é difícil porque para mil coisas erradas e irritantes que vejo há apenas uma louvável e que aquece o coração; como se não bastasse, há complacência e compreensão para com as coisas erradas e há despeito e vontade de estragar as coisas bonitas e práticas.

Hoje, por exemplo, fui ao centro. Saí em plena Uruguaiana: calor, poças de esgoto, paralelepípedos, poluição audiovisual (até nas roupas) e uma terrível propensão a perturbar a paz dos poucos que conseguem obter alguma. Há os que andam devagar, num ritmo arrasta-pés que não expressa calma ou tranqüilidade, mas puro espírito-de-porco em bloquear escadarias e calçadas.

Um senhor à minha frente na escada, retido por um casal espalhadaço, resmungou alto algo sobre gente lerda depois de ter pedido licença sem resultado. Enquanto finalmente dava passagem, o homem do casal (um homem muito feio e muito bochechudo) virou a bochecha devagar por cima do ombro, com os olhos esbugalhados de contrariedade e o queixo naquele ângulo de 120 graus que todo carioca utiliza quando lhe chamam a atenção, dizendo à mulher: "DEIXA ELE PASSAR. ELE TÁ ESTRESSADO."

Ah, estressado. Estressado é o novo histérica - com a vantagem de ser unissex. Aquilo de que te chamam quando não têm qualquer razão, mas querem que você estoure para obterem alguma. Aliás, guia para lidar com epítetos como estressado e histérica: não caia na pilha. Conte até três e diga o mais devagar e serenamente possível, de preferência com expressão de beato: sim... isso mesmo... estou es-tres-sa-dís-si-mo. Agora... fazendo o favor... dá para o senhor tirar o carro da frente da minha garagem? Quem vai espumar de raiva é ele, e vai ter de fazer o diacho da "coisa certa".

Pois é, fico encantada com pessoas ranzinzas. É um dos meus soft spots. Não pessoas distímicas que reclamam de qualquer coisa, mas as que parecem genuinamente incomodadas por alguma coisa com que mais ou menos concordo e sabem se sentir bem quando aparece a oportunidade. É um grande passo em direção a ser minha alma gêmea (não literalmente... - oh, foda-se), porque quer dizer que a pessoa se importa. Como eu.

É essa a minha grande doença: eu me importo. E eu gosto disso. Me aperta o coração ver gente que se importa deixando de se importar de tanto ser chamado de estressada e histérica quando reclama. É um fenômeno muito comum aqui no Rio. Vejo as pessoas se fazerem de cegas, surdas e mudas - inclusive para os próprios atos de pessoa-que-já-não-se-importa - para dizer que o Rio continua lindo, que não está tão ruim assim... Só uns poucos bravos sobrevivem a essa anomia.

Como se não bastasse, também sou esquizóide. Deixo para a Wikipédia defini-lo, mas basicamente detesto meu espaço pessoal invadido, e minha reação a elogios ou insultos é ou invisível ou imprevisível; um comentário que ouço bastante é puxa, você é bem tranqüila em relação a isso, outro é olha para mim enquanto fala, outro ainda é te vi outro dia na rua e você nem me reconheceu (pois é, amigos, eu vos amo, apenas sou terrível para demonstrar, liguem para mim e marquem coisas e compareçam.)

Mas ô combinaçãozinha fodida. Isso quase me faz acreditar em Deus - um Deus vingativo que mandou algum filósofo existencialista reencarnar no meu corpo, no Rio de Janeiro, sob a gestão Cesar Maia.

Pois então. Parece que eu gosto de reclamar? Foi mal. Não gosto. É que aqui nessa cidade há vastíssimo material para fazer isso. Preferia que não fosse assim. Mas as pessoas de cima e de baixo não estão colaborando. Pelo contrário, estão cagando em cima da cidade. E fico cada vez com mais vontade de me evadir. Não é mais uma fantasia romântica. Estou mesmo procurando um jeito de emigrar, mesmo sabendo que nenhum lugar é perfeito e que os creeps só mudam de patologia.

De qualquer forma, hoje, depois de ver amostras de todas as idiotices do mundo, no caminho de volta para casa vejo uma moça com um estojo de instrumento de cordas às costas conversando e sorrindo para o seu avô enquanto andam por uma calçada não muito esburacada. E isso me dá um pouco de esperança na humanidade. Claro, podia não ser nada daquilo, o cara podia ser professor ou amante dela (ou professor e amante dela), mas mesmo assim foi uma abençoada reunião de coisas legais.