25.8.08

A história do meu primeiro livro

Dizem tanta bobagem sobre a publicação do meu primeiro livro - que surgi dos blogs, por exemplo -, mas nunca pensei em contar como realmente aconteceu. Aproveitando uma mensagem que respondi a um aspirante a escritor, finalmente resolvi postar A VERDADEIRA HISTÓRIA.
O que houve foi que tive muita sorte, mas também estratégia.
Eu era completamente desconectada do meio literário; eu tinha internet, mas nem de fórum participava. O máximo que eu tinha era uma página pessoal, que naquela época falava de personagens que pareciam comigo e músicas que me lembravam determinados livros - nem um texto literário que fosse. Nem blog existia direito, ainda (em 99/2000). Eu era só uma estudante do ensino médio boa em redação que lia o Prosa & Verso (caderno de literatura do Globo) religiosamente, todo sábado, mesmo achando predominantemente chato, como quem espera uma luz no fim do túnel. Aí saiu uma reportagem sobre uma certa editora que acolhia novos autores, a 7Letras. Eu pensei: vou mandar para essa primeiro.
Quando o livro ficou pronto, algum tempo depois, eu estava fazendo análise - fui meio que coagida a isso, mas acabei achando a mulher legal. O apartamento da terapeuta estava em reforma e o consultório provisório ficava em cima da livraria Sette Letras. Daí, achando aquilo um bom sinal, pedi na livraria o contato da editora (não era mais a mesma empresa, tinham se separado) e mandei a mãe ligar para lá para descobrir os detalhes de como mandar o livro (eu me embananava ao falar no telefone e detestava detalhes burocráticos). Naquela época, pediam uma cópia em disquete e duas impressas, se não me engano. Fiz conforme eles pediram e eu mesma deixei o pacote na editora 7Letras.
Uma semana depois eles me ligaram e disseram que queriam conversar. Como eu era menor de idade, minha mãe foi junto, já me prevenindo que provavelmente ele iria cobrar para publicar o livro, e ela não tinha dinheiro pra isso. Eu retruquei que não, eles não iam cobrar nada, e minha mãe suspirou e revirou os olhos... ("como eu era inocente").
Quando chegamos lá, descobrimos que o editor não só queria publicar o livro como ia bancar a edição.
Depois eu soube que o editor e um grande amigo dele por acaso estavam na editora na noite em que entreguei os originais e leram/ decidiram publicar na mesma hora!
Quer dizer, foi uma combinação de sorte com o fato de procurar uma editora que aposta no novo autor (e o fato de ter escrito um livro diferente da maioria).

Eu contei toda essa história cheia de detalhes instigantes a um repórter que resumiu mais ou menos assim: "a mãe dela viu um anúncio no jornal, mandaram o livro e publicaram". Eu até poderia já dar tudo resumido, mas sempre conto histórias muito longas, porque os jornalistas gostam de selecionar eles mesmos os melhores pontos da sua fala para encaixar na matéria. Até aí tudo bem, mas só se o cara sabe fazer o seu trabalho. Para quê entrevistar todo mundo se não se pode selecionar as melhores histórias para contar ou, pelo menos, resumi-las decentemente? Felizmente nem todo jornalista é bronco assim, e tenho lido melhores resumos das minhas ladainhas.

20.8.08

The Melancholy of Shimone Kamposu

OK, foi só reclamar que aconteceu uma quantidade absurda de coincidências e agora fiz tipo 4 novos amigos numa semana. Em três dias. Estou me sentindo num anime, certo, certo?
Acho que a palavra correta para descrever o meu estado seria bolada - também no sentido afortunado.
Coisas do tipo entrar num ônibus em que você nunca entraria normalmente e encontrar quem você não sabia que pegava aquele ônibus, logo depois de ter pedido pro táxi parar numa determinada rua com o nome dessa pessoa. E essa foi a menor das coincidências.
Deve ser o mês de agosto.

16.8.08

Vovó Olga é o novo Rrrronaldinho

Medalha de ouro brasileira em esporte individual só podia dar nisso: na narração mais irritante que o Galvão Bueno já fez na história. César Cielo tinha uma avó, o que Galvão nos lembrava 3 vezes por segundo. Fiz até um Vovó Olga count, deu 25. E isso porque alternei com a narração da Band (que também me irritou e me fez voltar à Vovó Olga TV). Difícil não ter TV a cabo nessas horas. Todo mundo deve ter feito esse post, mas tudo bem, eu precisava desabafar.

12.8.08

Quero contar uma história para vocês verem como o negócio é sério, e de berço:



Eu tinha seis anos quando isso aconteceu. Estudava no Colégio Santo Amaro há quase dois anos, uma instituição prisional completamente miserável e sem-graça, especialmente se comparado com o colégio laico onde eu estudara até os quatro, o Anglo-Americano. Mas meus pais não tinham dinheiro. Certa tarde, quando voltei do colégio, minha avó me disse:

“Simone, sua mãe ganhou uma bolsa! Você ganhou uma bolsa do Anglo-Americano!”

Até eu entender que não se tratava de bolsa-mochila e sim de bolsa-mensalidade, da qual até então eu nunca havia ouvido falar, demorou um pouco. Afinal minha avó usou as palavras “estudar sem pagar” e “poder voltar pro Anglo”, ao que eu disse: ah, é?

Enquanto isso fui andando para o quarto dos meus pais e soltando a mochila das costas, sentando na cama. E nada. Não saía nada. A expressão não se expressava em mim. Eu era um manequim. Uma Rei Ayanami, uma esquizóide que travava na hora de reconhecer os sentimentos para si mesma. Em linguagem computacional, uma falha de índice. Mas minha avó viu que eu estava paralisada. Ela percebia que às vezes sua neta precisava de uma mãozinha.

“Poxa, eu pensei que você fosse gostar. Você anda tão tristinha depois que foi pro Santo Amaro.”

Lembro de ter levantado a cabeça devagar; minhas mãos estavam sobre os joelhos.
“Você não tá feliz?” – insistiu ela.

E de repente... ("o que é isso? O que é isso que vem me subindo agora?")

“Sim!”

Eu pulei. Dentro de mim fervilhou o entendimento. Eu entendia naquele instante que felicidade era a coisa boa, e tristeza a coisa ruim que eu sentia; e mais, que o bom era bom, e o ruim era ruim, através da comparação do meu tempo no Anglo com meu tempo no Santo Amaro.

“Sim, tô! Tô feliz!”

E pulava mais, abraçando a minha avó, e gastava as palavras, maravilhada:

“Eu tava triste! Eu tava triste no Santo Amaro! E agora tô feliz porque vou voltar para o meu colégio!”

Eu pulava e gritava pela casa toda, histérica, rindo e chorando ao mesmo tempo, por ter entendido que devia perseguir o bom (pelo menos naquela hora).



É o que eu digo: espero que minha percepção distorcida sirva pelo menos para enxergar coisas que a outros passam despercebidas; é, é, para escrever.
três tigres tristes

Muita gente junta me dá pânico. Muita gente querida junta me dá muito pânico.

É em eventos sociais como o de hoje que as pessoas pensam: essa menina tem problemas. Pareço uma garota sem noção que fica muito tempo olhando para a parede, esbarra nos outros, não sabe conversar e vai embora cedo. O pior é que não é por medo de gente.

O problema não é lembrar o nome de todo mundo - assumo logo de cara que esqueci - mas principalmente ficar em meio a todas aquelas pessoas, aah, na forma de um corpo que tem que se mexer e falar de forma ordenada e não errática. Me dá um terminal, eu penso. Com um terminal eu posso interagir com uma coisa plana, uma ilusão de mecanicidade, e também fingir que não sou errática. Eu penso melhor escrevendo também. Sou muito mais agradável por escrito.

Só no terminal eu sou inequívoca. Na vida real você pode ter uma conversa inteira comigo sem perceber se eu te amo, te suporto ou te odeio, por mais que eu me esforce para demonstrar o que sinto.

(momento Herman Hesse agora:) Um dos problemas, fora de brincadeira, é que eu olho para cada pessoa e vejo não uma unidade, mas uma singularidade composta de várias personalidades diferentes superpostas, como um arquivo de Photoshop. (Esse é o primeiro traço de esquizoidia que me atrapalha.) Numa reunião social, entre pessoas queridas, eu fico que nem um telepata de filme trash quando entra no meio de uma multidão e ouve os pensamentos de todo mundo, cambaleando com as duas mãos sobre o próprio crânio. Bem, não literalmente, mas eu fico bastante aflita. Aflita para estar sozinha de novo.

Friso pessoas queridas, o fato de serem queridas é importante, porque nasci com uma capacidade bela e terrível: quando resolvo cagar para as pessoas, eu realmente cago para elas. Basta me convencer disso. É terrivelmente infalível. Eu não finjo, eu sinto. (Esse é o segundo traço de esquizoidia que me atrapalha.) Sabendo disso e conhecendo o mecanismo, seria muito fácil para mim ter uma existência sem dor, evitando todos os percalços do envolvimento emocional. Acontece que eu acho melhor sentir alguma coisa do que nada. Aquela história do Tennyson, vocês sabem.

Mr. O'Neill - "It is better to have loved and lost, then never to have loved at all." Just what is Lord Tennyson talking about? (...)

Daria - Well, he's acknowledging that if something makes you feel good, like being in love, there must be a corresponding painful side, like losing a love, and that it's just a fact of life.

Mr. O'Neill - Sad, but true.

Daria - And what's intriguing about it is that no one calls Tennyson a big unhappiness freak just because he understands that.

Mr. O'Neill - Is he a big unhappiness freak?

Daria - No, he's a realist. He says, "Emotional involvement brings pleasure and extraordinary pain." Then he declares that it's better than feeling nothing at all.

- da animação Daria.

Por isso eu saio, pego ônibus e passo o pânico que passo. Às vezes queria que me puxassem pela mão e dissessem: "Ei, vamos falar com Fulano" sabendo que eu quero falar com Fulano. Porque também não faço isso com facilidade. Minha falta de empatia não se direciona apenas a outros, mas também a mim mesma. Eu me esqueço do que é bom. Eu me esqueço porque o bom é bom. Eu esqueço porque tenho que me dar as coisas que eu quero. Esqueço que quero o que quero. (E esse é o terceiro traço de esquizoidia que me atrapalha, no que mais me pareço com a Rei.) Tenho que me forçar a lembrar de como interagir pode ser bom para me empurrar a interagir.

É melhor ver um de cada vez, lido melhor assim. Aliás, é emocionante ver todas aquelas personalidades formando um ser só quando você está sozinha com apenas um alguém querido; é como brincar com um caleidoscópio. Eu tenho um caleidoscópio, é meu brinquedo preferido.

11.8.08

O fracasso do pornofaxineiro de Kafka

"Um segredo literalmente do fundo do baú, conhecido há quase um século por alguns poucos acadêmicos, veio à tona na quinta-feira passada, com a publicação, no Reino Unido, de um livro que revela a coleção de revistas eróticas de Franz Kafka (...)" - da Folha

Max Brod é um vacilão. Não acredito que Kafka não soubesse disso, ele só pode ter querido deixar as coisas dele para algum vacilão mesmo, para conquistar a notoriedade depois de morto, sem ninguém para aporrinhar. Foi premeditado, e deu certo.
O mais engraçado é como as pessoas pressupõem uma ligação entre vida e obra e, se ela não for óbvia, tentam retocar o retrato do escritor para caber na fôrma da obra. (Se a conexão é óbvia, o escritor é que vai espernear dizendo que não é não, mas isso é outra história.) Então nos foi dada a imagem do carinha macilento e ensimesmado, um funça impotente de tanto enfrentar burocracia, e não era isso absolutamente que transpirava dos livros. Poxa, dava para perceber que ele gostava de mulher. Ele certamente não tinha muita vontade de casar, e as mulheres só deviam ter um pouco de medo dele, achá-lo estranho, mas isso é até sexy. Ponto final: Franz tem direito ao seu hentai.
Aqui um trechinho do meu Francisco - que Maria Luiza só chama de Franz, em parte por causa do Kafka:

FRANCISCO
Como é que você consegue?
MARIA LUIZA
O quê?
FRANCISCO
Dançar sozinha numa boate vazia. Ou ir para a casa de um desconhecido e transar com ele. É a mesma coisa. É pornô sem história.
MARIA LUIZA
Achei que você nunca ia admitir que assiste.

Para quem está chegando agora, Francisco e Maria Luiza são personagens de A feia noite, que é livro e é roteiro de longa-metragem (procurando diretor). Esse trecho é do roteiro, claro.

8.8.08

wanted

Conheci um garoto que, na época com dezoito anos, chegava para as suas amigas e pedia para testar as cantadas que tinha bolado. Todas começavam com "Minha querida".
Conheço também um homem que tem mania de chamar seus contatos profissionais de meu querido ao telefone.
O mais curioso é que esse querer todo nunca é poder. Os passivo-agressivos sempre "querem", nunca "amam". Em vez de pôr as cartas na mesa ou de tentar conquistar pela competência, eu simplesmente declaro uma carência e espero você ter pena de me frustrar -- em teoria, em teoria. Na prática, o "carente" é muito ignorado e ouve muito não sem saber porquê - eu digo que é bem-feito, pela adoção de tal estratégia amarelona.
Amarelona por quê, você pergunta? O "querido" procura evitar a frustração de se ouvir um "você quer, mas não vou te dar" - e nesse caso há sempre espaço para o sujeito dizer que nem estava muito a fim, mesmo, e depois falar mal de você pelas costas - que sempre te tratou "com respeito" e ainda assim você não "deu valor". O "querido" dele era completamente desinteressado...
Não estou falando só de sexo não. De profissões a mamatas, o "querido" serve para forjar todo tipo de intimidade instantânea (ah, meu Rio, meu Brasil). E nem a estratégia se restringe apenas à palavra "querido", claro. O pior é que quase todas as vezes essa estratégia é inconsciente. Só alguém que já está de saco cheio de desconhecidos "querendo porque viram" para pegá-los no pulo. E uma vez que você detecta e detesta o padrão, não há mais volta. É como naquele acertado comercial de refrigerante que dedurava: "seu amigo está a fim de você". Quanta amizade "platônica" ele não deve ter estragado...
O primeiro número de Nana, um mangá para moças (josei), acaba de sair aqui. É sobre duas moças, uma ingênua e outra punk, que têm o mesmo nome (Nana - que também quer dizer "sete" em japonês) e vão morar em Tóquio, onde dividem apartamento. Eu tinha lido até um número bem avançado de Nana em scans, mas o mangá é tão bom que resolvi reler tudo em papel.


O visual é excelente, as referências de moda também; a história é novelão com humor. É um romance de banca para a moça de hoje. É, há idealização, mas também a Nana bobinha é muito zoada quando quebra a cara com suas fantasias sem pé nem cabeça. Enquanto isso, a Nana punk - apesar de ser linda, magra, poderosa e relativamente bem-resolvida - mostra também suas fragilidades e inseguranças e procura vencer na vida via rock'n'roll.
É isso, recomendo.

3.8.08

Ai, se mata

Tenho lido bastante. E pensado bastante. Depois vou escrever bastante.

Fiquei pensando numa aula de roteiro que eu tive. Em certa aula você tinha que narrar seu argumento numa roda. Eu estava com meus amigos e a narração de argumentos começou no sentido que se afastava de nós. Ficamos impressionados com uma coisa: como todo mundo solucionava (ou partia de) os conflitos do roteiro com assassinatos ou suicídios. A chacina comeu solta naquela sala. Chegou a vez de uma mulher mais velha, que não se sabe porque resolveu participar daquela aula de pirralhos, que conseguiu espremer nas poucas linhas do seu argumento, pelo que eu me lembro, pedofilia, abuso sexual, drogas, suicídio, estupro e assassinato. Fiquei chocada. Mas interessada? Acho que não.

Já em outra matéria, quando meu grupo da faculdade fez um curta humorístico, o Lady Murphy, o grupo que dividiu a sala de edição com a gente fez a história de uma mulher em crise existencial que se atirava do terceiro andar de camisola branca (de cuja boca escorria uma gotinha de tinta carmim, em close). Não deu pena. Tive que me segurar pra não rir. Felizmente o próprio editor virou pra gente e disse: "ficou trash, não?" Tivemos que concordar.

Nessa época fiquei pensando como são comuns as ficções brasileiras que terminam ou partem de estrangulamentos e esquartejamentos e mutilações em geral. Tem algumas leis além dessas: dois personagens mancomunados nunca são apenas bons amigos; ninguém tem pai ou mãe, e se os tiver, estão em outra cidade/ não se importa com eles. Ninguém trabalha em escritório ou loja: todo mundo é ou traficante/ trombadinha/ mendigo ou escritor/ crítico/ artista plástico. Se é artista plástico, isso está solto na história, quer dizer, ele não vai criar uma obra dentro da história. E, finalmente, ninguém tem problemas de dinheiro. Se tiver, vai matar alguém para resolvê-los.

Essa mania de trágico é falta de traquejo. O sangue frio pode estar na moda, mas ninguém sai matando nem se matando assim à toa. Não dá para ser escritor sem saber elaborar o impacto que outras situações, mais simples, podem ter. Mesmo que se queira falar sobre violência ou morte, pequenos gestos podem transmitir melhor essa impressão.

Estou fazendo força para evitar esses clichês no livro novo. O da profissão é o mais difícil, já que em escritório não acontece nada, ou melhor, acontecem nadas que só fazem sentido dentro do escritório (conforme demonstra a série The Office). Além disso, é interessante explorar o que a pessoa que não tem um trabalho real vai fazer com todo o tempo livre dela - isto é, se você for criativo. Tenho apelado para o uso de estudantes do primeiro ao quarto grau. E mais:

1) Às vezes o personagem pode não ter nenhum relacionamento sexual na vida e também não estar procurando.
2) Às vezes o personagem não tem pai nem mãe, mas tem avós. Os pais podem ter ou ser um insight sobre os filhos (daí a paúra que os autobiografistas têm de inseri-los na história).
3) Os problemas de dinheiro não saem causando mortes. Normalmente eles fazem a pessoa procurar a) uma mamata, b) um emprego de verdade ou c) economizar.
4) Se você tem muitos personagens homens, ou muitas mulheres, simplesmente trocar o sexo deles para equalizar as coisas provavelmente não vai dar certo. E na verdade, equalizar é uma bobagem. Você não tem que preencher nenhum sistema de cotas, relaxe.

Meio óbvio, mas temos que começar por ele, que é artigo em falta.

E seguimos garimpando em busca de novos ovos de Colombo...