28.7.09

Pequeno conto meu para a Superpedido deste mês: http://is.gd/1RwDd A restrição: tinha que se passar numa livraria. Agora, só falta me pagarem por ele. (P.S.: pagaram)

25.7.09

flashback

Minha entrevista aos 17 anos no Jô Soares em 2000 (a pedido):

parte 1
parte 2

22.7.09

Depois que li Cthulhu, fiquei lembrando de um trecho de A feia noite:

Deuses extintos, sólidos e onipresentes, orquestravam a violência, desorientando os caçadores uns contra os outros; revanche contra a insignificância luminosa dos engenhos atados ao topo de suas cabeças, e contra aqueles que não pegavam o verdadeiro espírito, abrindo a boca em êxtase para chamá-los, e a todos os seus domínios, maravilhas. De cima era perceptível: as praias eram frias e ameaçadores os malabares de espuma branca, e para não acreditar tanto nisso, todos lhes davam as costas, como no passado, até amanhecer. As vias podiam enrolar-se como uma esteira e tragar o que quer que estivesse por cima; florestas abriam-se nos lugares mais impróprios; os lugares mais ruidosos revelavam-se na verdade os mais silenciosos, e a resposta dos ignorantes era fazer dos lugares mais silenciosos os mais barulhentos. Mas os deuses se riem dessa mímica ingênua de civilização, o anúncio exultante de que agora todos os vulcões estão extintos, quando por baixo da crosta corre a lava preta.
Tenho recebido muito feedback do Amostragem complexa de gente do Sul e do Nordeste, mas nenhum do Rio. Às vezes tenho a impressão de que as pessoas daqui não leem mesmo e, se leem, não se empolgam. Não é só comigo não. Ando nos mais diferentes meios - jovens, ricos, pobres, velhos, sarados, sedentários - e, exceto pelo pessoal de literatura, a única conversa literária que ouço aqui é assim:
- Puxa, adoro Clarice Lispector.
- Ah, Clarice!
E é óbvio que você não leu mais de uma crônica por email dela em toda a sua vida - e, se bobear, nem era dela, e sim um Mude tosco da vida.
Vejo minha mãe comprar livros do João Ubaldo Ribeiro que empilha em sua cabeceira e não lê. Ela chegou a me dizer, sobre a Flip, que é muito mais legal encontrar um autor do que ler o livro dele. O marido dela lê muito, pelo menos, mas geralmente só livros de história e negócios.
Eu sinto falta, no Rio, é de gente se empolgando com algum livro. Não importa qual. Às vezes parece que só eu me empolgo aqui. Falo de livros e os empresto pra todo mundo, de acordo com a personalidade do interlocutor, é claro. E geralmente as pessoas se interessam, e depois chegam a me agradecer por ter apresentado o tal livro pra elas. Minha irmã postiça (ela é de Curitiba) e meu amigo Ismar (ele é escritor) estão nessa categoria, mas fico orgulhosa mesmo é pela minha avó, carioca da gema, ter gostado tanto de Clube da Felicidade e da Sorte.

21.7.09

como não fazer um romance pop

Acabo de me dar conta de que atualmente estou escrevendo uma monografia para a faculdade, uma história em quadrinhos bastante escrachada e dois romances: um sério com uma pitada de scifi e outro de estrutura mirabolante com tema nerd-pop (tirei essa definição da orelha agora). Para mim, mais do que apenas fácil, trafegar entre as linguagens e os níveis culturais de cada projeto chega a fazer bem. Oxigena minha cabeça. Passei cinco anos obcecada com os personagens de A feia noite, meu segundo romance, simplesmente porque tinha decidido me concentrar "só naquilo" e deixar os outros projetos para depois. Big mistake. Enquanto outras pessoas precisam se concentrar em um projeto para fazê-lo render, eu preciso mesmo é diversificar - para arejar.

Enquanto escrevo e planejo o meu romance de estrutura mirabolante com tema nerd-pop, me veio à mente quantos erros já vi autores cometerem ao querer colocar uma pitada pop em seu romance. Me vieram à mente coisas que não se deve fazer de jeito nenhum:

- batizar personagens com o nome de seu personagem obscuro de HQ favorito;
- citar a(s) banda(s) indie(s) mais foda de todos os tempos da última semana, especialmente para caracterizar algum personagem (isso não funciona nem dentro da semana - de fato, isso não funciona com banda nenhuma, e diria até que com escritor nenhum);
- salpicar referências a esmo quando precisa fazer uma sequência de sonho ou fluxo de consciência;
- fazer de algum personagem um especialista (a não ser um especialista soft, ou para ridicularizá-lo, ou então para jogá-lo num tanque de jacarés - recompensar o leitor, excelente técnica narrativa).

E a regra que engloba todas as anteriores: não tente demonstrar como é profundo conhecedor de todas as formas de cultura, na faixa "olha como sei ser tosco & sofisticado!" (faça como eu, deixe isso no blog). Poucos compartilharão do seu precioso repertório, e isso não lhe trará a glória, tampouco inimigos invejosos, mas meros bocejos. Além de ser chato, ainda costuma mascarar uma profunda falta de vontade/ capacidade em contar alguma história que preste. Pronto, falei.

Apesar de No shopping ser chamado de romance pop, fui comedida na citação de bandas. Citei Massive Attack e Britney Spears, pelo que me lembro, e mesmo assim sem muita fanfarra.
Acho que este meu novo romance exibirá um certo parentesco com No shopping na medida em que o pop foi incorporado a sua estrutura, e não implantado no texto feito silicone.

18.7.09

Segundo dia de estágio.
- Colocamos a sigla do tradutor nesta parte do rodapé. Precisamos de uma sigla para você. Mas seu nome tem as mesmas iniciais da SC, então... qual é seu nome do meio?
- Silva.
- Você pode ficar sendo SS.
- Como a polícia secreta nazista? - e cerrei os olhos significativamente e sorri.
A gerente de projetos continuou me olhando.
- SS era a sigla da polícia pessoal do Hitler na Segunda Guerra Mundial.
A gerente de projetos continuou me olhando. E eu pensei cá comigo, epa, juntar as coisas ir pra casa. Mas ela finalmente falou, depressa, contrita:
- Por quê, você não gostou dessa sigla? Quer outra? Podemos inventar outra. Qual você quer?
Às vezes tento ser engraçada e soo perturbadora; e vice-versa. Talvez eu seja inexpressiva, ou talvez sutil demais para o Rio de Janeiro.
Vocês devem ter percebido que fiz a piada porque queria que a gerente de projetos fosse inteligente, e tivesse tino cômico, e risse. A piada era um teste em que ela foi reprovada com louvor (e, puxa, eu também: zero em malícia, ou dez em inocência). Apesar de incidentes desse tipo, nunca deixei de testar as pessoas e seus limites. Não quero uma vida chocha.
A lição é que pessoas como eu sempre vão se decepcionar com o mundo do trabalho, porque as pessoas que mandam em você costumam ser, com raríssimas exceções, portas - das bem maciças. Mesmo que você já saia de casa esperando o pior do trabalho, as melhores capacidades de imaginar este pior não chegam nem perto da forma sofisticada como é pior na realidade.

10.7.09

wait a minute mr. postman

Carta de uma mulher da cidade de Naor ao rei de Ur, datada mais ou menos de 2000 a.C., inscrita numa tabuleta de argila em caracteres cuneiformes e encontrada em meio às Cartas de Mari:

"Dizei ao meu senhor, Thus Inib-Sharim, tua dama e serva. Quanto tempo devo permanecer ainda em Naor? A paz está selada e a estrada, desbloqueada. Permita que meu senhor me escreva e permita-me ser levada para ver o rosto de meu senhor, de quem estou separada. Permita que meu senhor, além disso, escreva-me uma tabuleta em resposta." (grifo meu)

Viu? É histórico. Os homens nunca mandam tabuletas no dia seguinte.

8.7.09

Jacko Jesus

Acabei de reler meu scifi Penados y Rebeldes (que escrevi como Filipa Borg). Ainda acho muito bom. Uma palhinha:

"Alguns segundos depois de engatar-se na rede do visualizador VeriSim, o desprogramador do Juruá-Purus se viu no sopé de uma colina. Lentamente, com a alegria dos santos, seus clientes tweens caminhavam em direção ao topo. No topo, estava um ser magro, alto, com um longo capote e dezenas de dedos na ponta do braço, finos como raízes. Ao seu lado estava uma mulher pálida e magra de uns 30 anos.
Kaapor ligou a etiquetação. Sobre o cara de capote, apareceu a etiqueta “Jack Jesus”. Sobre a moça a seu lado, “M&M Geller”. Nisso, Kaapor ouve atrás de si:
- Pedófilo desgraçado! O que quer com nossos filhos?
Um pai engravatado, vermelho de raiva, surgia dos limites da pradaria sob a colina, liderando uma multidão de pais injuriados que corria tão bem quanto podia, ou seja, em câmera lenta.
A resposta de Jack Jesus foi sacudir as longas madeixas e dizer com uma voz que preenchia todos os espaços:
- Nunca ouviu falar em "vinde a mim as criancinhas", mente suja?"

7.7.09

Querido Diário

Rio, 19 de novembro de 1994.
Usei o modem para conversar com o computador do dindo. Legal! Ele escreve lá, sai aqui. Eu escrevo aqui, sai lá. Até me passou um arquivo!
Legal mesmo!
Simone


Lembro que foi muito complicado - tive que pedir para a minha avó e a empregada ficarem longe do telefone, e depois gritei para elas virem ver porque algo impensável havia acontecido - uma imagem tinha se materializado no meu computador, mais exatamente esta:

Era esse tipo de incidente que eu registrava no meu diário cor-de-rosa. Trocar arquivos pela internet com o padrinho. Ganhar concursos. Criticar os canais da recém-instalada NET. Reclamar que meus amigos só vinham à minha casa pra jogar videogame.
Eu nunca falava de livros, mas é visível o quanto eles influenciavam a minha linguagem no diário. Quando comecei meu primeiro diário sério, aos seis anos, eu imitava a tradução portuguesa do Diário de Anne Frank, usando um vocabulário muitíssimo mal-colocado (eu não "brigava", eu "pelejava", entende?).
Mas eu queria mesmo é ter achado meu "diário" no caderno dos Transformers que eu ganhei de brinde no aniversário de quatro anos do Igor, mantido dos meus 3 a 5 anos de idade. Tudo o que ele continha eram desenhos e rabiscos incompreensíveis, porque eu não sabia escrever, embora já bolasse frases e ficasse angustiada por não saber registrá-las, rabiscando, por isso, as linhas do caderno dos Transformers. Mas depois eu ficava frustradíssima porque não conseguia ler o que tinha "escrito".
Eu gostava muito do caderno dos Transformers porque, pra mim, aqueles robôs gigantes estavam protegendo meus segredos. Bem melhor que os ursinhos que me deram depois para o mesmo fim.

6.7.09

Chespirito

Agora que li Hamlet é que entendi porque Roberto Bolaños, criador do Chaves, era conhecido como Chespirito ("Shakespearito").
- Alguém se lembra do episódio em que Dona Neves se faz de louca porque "os loucos não têm responsabilidade por seus atos" e, portanto, não precisam pagar aluguel? Pois então: Hamlet.
- E o episódio dos baldes d'água, onde se diz que "a loucura se cura com um choque forte"? Também há uma fala assim em Hamlet.
- Aparições de fantasma em Chapolim, mais assustadoras porque descritas vividamente por outro personagem
- Episódio de Seu Madruga achando que vai morrer
- Sr. Furtado e sua culpa oculta
- Professor Girafales e Chiquinha = Polonius e Hamlet
- Professor Girafales e Quico = Claudius e Hamlet
- Tenho certeza de que vi essa história do rei acabar virando cocô de mendigo em algum episódio

Imagino um exímio contador de histórias se dando conta de que está no México, e não na Inglaterra elisabetana, e percebendo que tem que fazer um seriado mambembe e humorístico, e não peças imortais. Do mesmo modo, uns se especializam em Shakespeare, outros em Chespirito. E você, percebe?