17.1.10

Revisores e revisores

Eu adoro revisores. Sou namorada de um, grande amiga de outra, ambos excelentes profissionais. Talvez até por isso eu tenha aprendido a identificar amadores.
Tenho a estranha mania de achar que uma pessoa que é paga pelo seu serviço deve executá-lo da forma mais competente possível ou então mudar de ramo - e isso se aplica do sucateiro ao presidente. Mas sei que errar é humano. Eu mesma vivo falhando nos meus textos, senão não valorizaria tanto um bom revisor - mais de uma vez eles salvaram a minha vida*. O que eu chamo de amadorismo são erros sistemáticos cometidos por falta de empenho ou vocação.

O revisor que quer mostrar serviço

Muito comum. Ele pega um livro que já teve uma tradução ou redação cuidadosa e, para justificar a despesa que gera, muda seis por meia dúzia. Ou pelo menos é o que ele acha. Sei de tradutores que têm por norma nem abrir o livro depois de impresso, com pavor das desfigurações textuais certamente cometidas por um revisor proativo. Seria até estratégico para o autor ou tradutor deixar uns errinhos mais crassos para ele ter como justificar seu serviço, mas caramba...

O revisor sabotador

Além de não encontrar os seus erros, este insere erros que não estavam lá e não usa marcas de revisão, para você ficar bem perdida e ter que pagar outro revisor do próprio bolso.
Por exemplo, se você diz que certa personagem "está deitada no ar condicionado", ele tascará sorrateiramente um hífen entre ar e condicionado, passando a impressão de que a doidinha está deitada em cima do aparelho refrigerador, e não num ambiente refrigerado; e de que o revisor, por falha humana, apenas deixou passar aquele erro do burro do autor.

O revisor rolo compressor

Este tem a mania de aplainar a linguagem literária como se estivesse corrigindo um manual ou contrato. O rolo compressor sempre forçará a grafia mais comum assinalada no seu dicionário: acalento em vez de acalanto, quatorze em vez de catorze, incontinente em vez de incontinênti. Aí "Fulano começa o serviço incontinente" - e nem estava usando fralda geriátrica naquele dia, coitado.
Você também fica proibido de ser informal, repetir termos, inventá-los ou usar regências tiradas da cartola. Se você quer deixar o leitor encucado com uma relação de parentesco até o meio de um conto, o nervoso rolo compressor revelará esse parentesco, através de um aposto, logo no primeiro ato. Porque assim fica mais claro.
E de fato fica mais claro. Depois desse banho de convencionalismo, o texto resulta hipertransparente como um contrato de manutenção de polias. Ele não faz strip-tease nem pole dance: já entra nu e andando que nem pata choca.
Imagino se isso terá alguma relação com as vendagens de livros no Brasil.



Não basta saber português para revisar. É preciso bom senso e atenção. E para a revisão literária, é preciso também noção, ouvido e sensibilidade.

Isso, friso bem, é diferente de brigar com um revisor que entendeu o que você queria fazer, mas acha que tal construção exprime melhor a ideia X, e você discorda. Dessas brigas eu às vezes saio vitoriosa, às vezes derrotada, mas sempre enriquecida (em XP points).

Nem vou entrar na psicologia disso - se o serviço é mal-executado em vingança pela má remuneração, por exemplo. Eu sou escritora, gente, e nenhum dos meus pais é banqueiro. Nem por isso me vingo no leitor ou no editor.



* Como a vez em que eu escrevi que havia um úmero dentro do ventre de Maria Luiza. O revisor, JP, me salvou de escrever ficção científica involuntária.
**Devo um muito obrigada ao JP por me ajudar com esse post. E feliz 9 anos pra nóis!