9.2.11

Christine, o carro rabo-de-peixe assassino

Black Swan é tosco como um filme de Walter Hugo Khouri. O negócio é que eu gosto dos filmes do Walter Hugo Khouri.
Porra, trata-se de balé, ou seja, quase ópera. Tem que ser um filme exagerado. Quando o Aronofsky falou de vale-tudo em O lutador, todo mundo achou magnífico. Ou melhor: ouvi, naquela época, algumas reclamações de simbolismo pesado (The Ram = Cordeiro de Deus, destruição do templo = Randy quebrando o supermercado etc.). Mas é isso mesmo. Sempre foi, desde Pi. Aronofsky pesa a mão de propósito, e escolhe temas bem grandiosos e grandiloquentes, e filma tudo com visual extravagante. O que me admira é como essa extravagância se expressa - no roteiro e no visual - de formas diferentes em cada um dos filmes.
Tem gente a quem essa extravagância simplesmente não tem como agradar. Respeito. (Bom teste: se você gosta ou mesmo tolera ópera, vá ver). Mas tem gente que entra na sala de cinema esperando ver 1) sutileza 2) homoerotismo gostosinho 3) grande mistério revelado no final (vulgo I see dead people). Não! Você vai ver TERROR. Você vai ver PILHA ERRADA e PARANOIA. Você vai ver INVESTIMENTO LIBIDINAL EXTREMO NA ARTE. E você vai ver a culminância linda e terrível de tudo isso. Se isso vai fazer você pensar melhor e retomar o curso de publicidade ou ter uma catarse, é por sua conta.
Com isso, não estou dizendo que exagerar é acertar. Quer um filme kitsch ruim? Moulin Rouge. Outro (não vale musical! - ok): Scott Pilgrim*. Defendo que o kitsch tem seus usos, mas é muito fácil perder a mão e certamente não agradará a todo mundo. O kitsch lida com elementos de alta massa nuclear, é preciso ser bem mais disciplinado do que quem trabalha com elementos seguros, aprovados pela tradição e consagrados pelo uso. O Aronofsky geralmente acerta.


*E doi dizer isso, já que curto videogames, mas erraram a mão sequer em considerar fazer o filme. O quadrinho é um pouco melhor, especialmente no começo, até porque no início nem era tanto sobre games e sim sobre humor indie. Mas divago.

1.2.11

Frio

Meu sítio na serra se tornou um depósito de roupas de frio completamente inúteis no Rio de Janeiro. De vez em quando eu me dou conta do quanto elas ajudaram a formar a minha personalidade. Por ordem cronológica (minha cronologia, não das roupas):

- A balaclava da minha avó, rescaldo da lua de mel dos meus pais (sim, com a sogra) em Bariloche, que eu usava para brincar de ninja e espiã no sítio.
- O xale amarelo da minha bisavó, que eu usava para fazer a velha em brincadeiras.
- A luvinha infantil de lã, pseudo patchwork, mais um presente maravilhoso do meu padrinho, que eu usava para manipular bolas de sabão pelo sítio, fosse ou não inverno.
- Pantufas horrorosas e imprescindíveis. Quando começaram a surgir em formato de bichinho, no final dos anos 90, eu requisitei as antigas - minha mãe ficou com as de joaninha. Eu não gostava dessas infantilidades.
- O casaco de neve branco e azul da minha avó, três números maior, que usei direto no Reino Unido em 2000 para compor um visual de flygirl clubber (e não morrer de frio).
- O protetor de pescoço que salvou minha garganta na Escócia em 2008, com aplicação de um logo de sorvete, obtido no Chile pela minha mãe, que preferiu participar do concurso de quem comia mais sorvete de biscoito com meu irmão postiço de 14 anos a descer a pista intermediária comigo vezes sem conta ouvindo techno.

O clima lá está mudando. Agora temos mosquitos no verão. E em janeiro sempre choveu o tempo todo, mas raramente com essa intensidade. Meu canto na serra desta vez foi poupado, mas num ano anterior (recente) árvores centenárias caíram (algumas em cima de telhados) e lascas gigantescas deslizaram das montanhas. Vou para lá em breve, e devo ficar um tempo. Mas com internet.