25.4.12

A espiral do barulho


Quem mandou cursar Comunicação Social? Sempre que tento fazer concursos (e tento), acabo tendo que revisar coisas como a Espiral do Silêncio de Noelle Neumann. (Para quem estiver com preguiça de ler a Wikipédia, o ponto-chave é de que "quanto mais uma opinião for dominada dentro de um universo social, maior será a tendência de que ela não seja manifestada".) Pelo menos isso me dá algum respaldo na hora de palpitar sobre fenômenos sociais.
Tenho ouvido amigos tão díspares reclamarem tanto de opiniões divergentes serialmente expostas na timeline de redes sociais que há tempos penso em escrever algo a respeito. Hoje consegui um tempo. E estou sem sono.

timeline popularizada pelo Twitter e pelo Facebook, mais os estímulos dos mesmos para cada usuário se expressar ininterruptamente ("o que você está fazendo?" "o que você está pensando?" "e agora?"), causaram essa situação paradoxal: você é instado frequentemente a afirmar sua identidade postando coisas, mas não suporta ver tanta gente postando afiliações tão diferentes das suas. Gente que você chama de amiga, mas sabe como é. Antigamente eles ficavam mais quietos. Não gritavam a diferença na sua cara o tempo todo.
Para o brasileiro, tão amigo de redes sociais e de cordialidade, isso é algo terrível. Com a cultura da cordialidade, todo brasileiro tem vários conhecidos que chama de amigos, trata como tal, mas no fundo não têm muito a ver com ele. Outra categoria explosiva, até mais, é a de amigos que têm muito a ver com ele, mas discordam em algum ponto fundamental.
Bem. Seu conhecido-amigo vai postar coisas que para ele, reafirmam a sua identidade. Se a identidade dele, na cabeça dele, estiver ligada à causa X, no silêncio do quarto de cada um de seus amigos online suas postagens soarão como recriminações pessoais (caso o amigo discorde) ou louros do reconhecimento (caso concorde). Os concordantes vão fortalecer a auto-estima do sujeito com polegares e estrelinhas virtuais. Mas vamos pressupor, por diversão, que você discorde dele. Seu amigo-de-consideração seguirá frenético e impávido repetindo que o jeito X é o jeito bom de se ser. Você não é do jeito X. Você não sente a menor vontade de ser do jeito X. Ele está (te) metralhando argumentos que (te) dizem como a pessoa que não acredita na causa X (você) é imbecil, idiota, desumana etc.
O que você faz?
a) Oculta as atualizações da pessoa.
b) Continua lendo como você não presta.
Pois é.
Mas qualquer pessoa decente pensa-se chauvinista ao silenciar vozes dissonantes assim tão automaticamente (esse, pelo menos, é o meu jeitinho X de pensar). E volta atrás. Até porque seu amigo-de-rede-social pode conviver com você na realidade, e pode perceber que você não tem recebido as atualizações dele. Você toma também a decisão cordial de ficar virtualmente calado - não comentar nas postagens engajadas para não irar todos os partidários da mesma causa que curtiram aquele conteúdo (porque eles se iram. E muito. E, muitas vezes, desproporcionalmente, ou sem ler direito o que você falou, o que pode ser engraçado e trágico ao mesmo tempo. Been there, done that.).

Aí você é deixado com um monte de gente te dizendo no conforto do seu lar que você é imbecil, idiota e desumano de várias maneiras, ângulos e posições diferentes. OK. Mas não acaba aí. Pois o partidário da causa X posta que os partidários da causa ligeiramente diferente X' não são tão bons quanto ele. Os partidários da causa X', querendo reafirmar suas identidades, entram na postagem da causa X e nas de seus amigos e começam a bradar que não é nada daquilo. Outros defensores de X aparecem para retrucar, uns mais educados e sensatos, outros menos; surgem os comentaristas das causas Y e Z, e a briga se desdobra em múltiplas direções. Partidários de X', Y e Z fazem suas próprias postagens - muitas vezes, venenosas indiretinhas* -, reafirmando suas identidades X', Y e Z, e dizendo como todos os X são chauvinistas - e linkando para a prova. Daqui a pouco, você está com a mão na boca olhando para a timeline e se perguntando como ela virou uma pizza portuguesa**.
Essa, meus amigos, é a Espiral do Barulho: todo mundo grita com você e entre si suas opiniões minoritárias. Você assiste. Engraçado que, quando todo mundo concorda em bater num mesmo alvo, a velha espiral do silêncio continua funcionando direitinho - você tem direito a expressar sua opinião, apenas não sua opinião CONTRÁRIA A ALGO. Mesmo que você demonstre querer se abrir e se deixar convencer a mudar de ideia. O nível da discussão não decola. Nunca decola. Pois em todas as causas há adeptos mais e menos sérios/competentes. A medida dessa seriedade, para mim, está principalmente na atuação real desses adeptos. E a medida da maturidade está na falta de lembrança do adepto em declarar, constantemente e aos quatro ventos, que é a causa X que faz dele... E L E, aquela pessoa tão perfeita/especial/boa, em comparação com outras que não são da mesma opinião. Os adeptos menos sérios e menos maduros de cada causa afluem e inundam os canais de resposta, e você decide ficar calado. Pois são eles que ficam perdendo todo o tempo em redes sociais, reafirmando suas identidades com argumentos copiados de páginas ativistas - argumentos estes que não sabem manejar direito -, em vez de, né, sair pelo mundo afora, fazendo amizades e conquistando vitórias.
Quanto a mim, toca postar música, literatura, artes plásticas, artigos e curiosidades. Pelo menos aparentemente, coisas inofensivas - mas não destituídas de perigo e risco.

*Ah, as venenosas indiretinhas!
**Sim, a timeline tende a pizza portuguesa. Ela vem com cebola, presunto, azeitona, ovos, tomate e bacon e deve ser dividida com todos os seus amigos, e nem todos comem de tudo. Eu poderia falar em Huis-clos, mas quem escolhe seus amigos é você - e a pizza portuguesa também é uma escolha

8.4.12

Matemática - de novo

Quando estou aprendendo matemática, sou muito mais lenta que as outras pessoas. Sendo que as outras pessoas podem ser basicamente divididas em outras categorias: as que se frustram e desistem, e as que aprendem matemática matematicamente. Essa segunda categoria vai ser aquele que lê fórmulas sem precisar de uma explicação extensa do que elas significam; se ele tiver dúvidas, vai pedir ao professor a prova daquilo - em MAIS linguagem matemática -, e assim que entender a prova, vai provavelmente ficar saciado. Digo provavelmente pois haverá aqueles, nessa categoria, que vão querer construir a própria prova ou demonstrar que aquela prova está errada ou entrar em debates filosóficos de por que uma determinada prova não provatrivial*).
Mas meu caso não é nada disso. Não faço questão de provas pois geralmente não as entendo. Eu preciso de uma historinha, um enredo, um conflito. Eu aprendo matemática lentamente porque vou traduzindo cada fórmula ou passo em português (ou inglês) à medida que as explicações vão sendo dadas. Preciso literalmente escrever o que está acontecendo. Vou narrando a matemática para mim mesma. Também gosto quando matemática se mistura com história - entender o conflito que aquilo gerou, o tipo de pessoa que o descobridor da fórmula era, a tragédia pessoal de ter achado aquilo, o choque quando aquilo entrou no mundo da ciência - e com economia - duas empresas estão disputando lugar num mercado decadente, só uma pode ficar. TENSÃO! DRAMA! PAYOFFS ALTERADOS!
Quando se adentra em filosofias, os problemas me parecem ou simples ou insolúveis, mas também é divertido ouvir e acompanhar o que os outros dizem. Por exemplo, por que se diz que uma pessoa "descobriu" e não "inventou" um teorema? Será que é por que ele já estava lá? Sempre esteve lá e havia uma ideia disso, como o Novo Mundo? E onde diabos seria "lá"?
Como eu disse, simples ou insolúveis. Mas divertidos.
Tudo isso é para dizer que tirar onda de que se odeia matemática ou tratá-la como intrinsecamente prejudicial ao pensamento é uma grande bobagem. Há vários modos de se aprender e interpretar qualquer coisa. Exercer o autocontrole, lidar com a frustração inerente ao aprendizado - se sentir burro e odiar quem explica mal faz parte, aceite - e se conhecer o bastante para avaliar como absorver melhor determinada informação são as técnicas mais úteis para isso (aprender).

(P.S.: Li esse texto hoje e hoje estou panfletária.)

*Trivial, queridas pessoas de humanas, não é o nosso "trivial". É simplesmente o pior xingamento que um matemático pode fazer ao trabalho de outro (siga o link para conhecer a história).