18.12.14

A lista de 2014 – Livros e games

Todo mundo está fazendo lista, eu nunca faço lista, mas esse ano deu vontade.

Livros

Botei só nacionais. A propósito, lancei meu livro também, o romance A vez de morrer – leitores têm elogiado bastante.

Fiel (Jessé Andarilho) - Primeiro livro-com-temática-favela que leio que não só é bom, como muito bom. Parece Ender’s Game numa favela carioca (Antares, em Santa Cruz). Tem uns probleminhas (tipo siglas e uma ou outra frase fora do lugar), mas, de resto, muito bem montado. Provavelmente o primeiro livro com "mariolas ex machina".

A cabeça do santo (Socorro Acioli) – A história do rapaz que vai morar dentro da cabeça de um santo cujo corpo nunca foi concluído e acaba ouvindo as orações das mulheres da cidade. Um livro redondo e gostoso de ler, com mistérios que seguram a atenção do leitor até o fim da história. Tem uns clichês que me incomodaram um pouco (como o nome da moça Madeinusa vir de "Made in USA"), mas fora isso, tudo muito bem.

Biofobia (Santiago Nazarian) - O estilo de Santiago está todo lá, mas mais depurado: as originais associações de ideias, as alfinetadas na vida real, o gore. Pense em A morte sem nome com um protagonista masculino e mais focado, ainda que seja em consumir drogas e retomar o sucesso da juventude. Tudo no livro é muito convincente, de maneira mais emocional que racional – as questões existenciais de quem já fez 40 anos, a forma como a mãe de André se mata e ninguém nem tenta elaborar muito sobre isso, a rapa que os parentes fazem na casa, e todos os mistérios que surgem naqueles dois ou três dias em que se passa o livro.


Poética (Ana Cristina Cesar) – Poesia completa. Não gosto muito de poesia, mas quando é boa assim... especialmente a partir de A teus pés, a autora arrasa.

Ilha da decepção (Alice Sant’Anna e Alexandre Sant’Anna) - Não gosto muito de poesia, mas quando é boa assim... e com fotos em P&B boas assim... Mas é difícil achar o impresso, que teve edição limitada (e incrível); tomem uma versão em vídeo.





Games

Olhando essa lista penso: Adoro gente traumatizada. Adoro geometria. Mas também gosto de rir.
Todos esses jogos são encontráveis na plataforma Steam.

Antichamber – Um jogo baseado em geometria não euclidiana. Você pode dar a volta numa coluna e topar com uma sala que não estava lá antes. Não há inimigos, há apenas uma pistola que suga blocos do ambiente e depois os cospe em lugares convenientes (e ela vai ficando mais poderosa conforme você avança no jogo). O visual clean é impecável, com destaque para os pôsteres motivacionais que você encontra pelo caminho.

the-binding-of-isaac
TheBinding of Isaac Rebirth – jogo difícil e viciante em que você é um menininho traumatizado cuja arma são as próprias lágrimas. Várias referências bíblicas e satânicas. Remake do jogo de 2011 que era em Flash e meio bugado. O remake está poderoso. Mil troféus a serem conquistados, itens ainda mais inventivos, e nenhum bug até agora. Vale o reinvestimento.

HatofulBoyfriend – Jogo de namoro virtual com humor sombrio. Nele, sua personagem humana pode conquistar um namorado dentre vários... pombos. Sua personagem é uma caçadora-coletora e mora em uma caverna; o mundo parece dominado por aves inteligentes. É um mundo meio Hora da Aventura (o desenho animado): o apocalipse já aconteceu e tudo parece bem. No final, você desbloqueia a verdadeira história do que aconteceu – e é um horror. Pombos são maléficos...

The Cat Lady – Uma moça deprimida se suicida, mas volta dos mortos com a missão de encontrar e punir cinco psicopatas. Começa sombrio e desorientador, mas logo vira uma história de primeira. Logo que você volta para casa, percebe o desafio que é para o deprimido lidar com suas tarefas cotidianas – estragar o café, queimar a comida e ficar sem luz no apartamento podem ser verdadeiras tragédias –, mas a investigação logo absorve nossa heroína, especialmente quando ela arruma uma sidekick que lembra a Lisbeth Salander (da trilogia escandinava Millenium).


Jazzpunk – Jogo hilário do Adult Swim. Um mundo feito de bonequinhos da Vivo em que você é um agente secreto recebendo as mais improváveis missões. Excelente trilha sonora, humor nonsense, referências as mais variadas. Um dos minigames dentro do jogo é “Cake”, multiplayer de mentirinha em que as armas e itens são todas referências a casamento.

9.8.14

I Woke Up Like This

Esse ano, na Flip, vi uma menina rotular um escritor cujo livro havia adorado de “babaca” porque, depois da palestra, não conversara – não fora “simpático” – com as pessoas durante o autógrafo. Será que ela vai parar de comprar os livros dele porque ele não fez uma cara feliz enquanto servia o lanche dela? Me preocupei.

Essa menina estava na fila do Andrew Solomon e o achou muito feliz e simpático.

Às vezes, eventos literários parecem um concurso de quem é mais simpático e bonito e “acessível”. É mais fácil ganhar esse concurso se você é estrangeiro, pois raramente você tem intrigas ou desafetos por evitar. Sento na plateia para ver os colegas falarem e, ouvindo o que ouço, quando estou no palco, tento não pensar no que podem estar falando de mim. E visto uma máscara de pancake de extrema simpatia e energia.

Ninguém é obrigado. Mas muitos de nós, porque precisam do dinheiro, porque precisam alcançar leitores, escolhem estar lá. Mas quando você chega a estar cara a cara com o leitor, você já foi acossado por gente chata ou arrivista, cobrado de aparecer em tal e tal lugar e posar para tais e tais fotos. Você também pode ter sido peitado por um ex ressentido ou perseguido por um pretendente bêbado. Para piorar, você pode ser o tipo de pessoa reservada que detesta multidão e frisson. Surpresa: muitíssimos escritores caem nessa categoria. Eu também – mas aprendi a aplicar o pancake mental. Sei que muitos colegas o aplicam, outros não querem e/ou não conseguem, mas não os julgo por isso ou por aquilo.

Como a menina do primeiro parágrafo, também achei o Solomon simpático e feliz, mas sei perfeitamente que estava tratando com a face pública dele. E que os livros dele são bons independentemente de ele ter se mostrado bom relações-públicas ou não.

D'après a matéria do Bolivar Torres n'O Globo (aqui:http://goo.gl/M0dXk7)

5.6.14

Já pensei nisso que Juliana disse - em caras de minorias que se sentem invisíveis para as mulheres, e cuja cantada é uma forma de vingança/medida desesperada. No início achei estranho a estudante Yasmin, que não gostou das cantadas recebidas, tocar na questão do sujeito ser porteiro. E daí ele ser porteiro? Também fiquei incomodada com isso. Mas aí ela alocou isso no fato dele ter que ter postura por estar no seu local de trabalho. E ela falar que morava ali me pareceu uma forma de marcar o espaço como também dela, não prioritariamente dela. Quer dizer: ela não passa ali porque gosta, ela passa ali porque precisa e se recusa a mudar o caminho mesmo incomodada, pois ele é que teria de se conter. Por mim, certo. E ela só fala na Francisco Sá depois, para a jornalista... se apresentando e justificando que realmente tem que passar ali. (Obrigada à amiga Caroline Gê, que me chamou a atenção para isso.)
Quanto à sugestão de que a menina nem tenha pensado em chamar a polícia, e sim a "patroa" [dele] -- oi? Chamar a polícia com base em que lei? Atentado ao pudor? O policial (mesmo que seja mulher) vai rir da sua cara. Isso se você conseguir encontrar um(a) flanando por perto. E, de acordo com a cordialidade brasileira, seria um comportamento indevido e muito extremo para uma mera "cantadinha". Já fui para a delegacia com o rosto todo lanhado depois que um cara (branco, de roupa social) no centro da cidade, me agrediu por eu responder atravessado à cantada nojenta dele, e não, o policial não me deu razão nem pediu corpo de delito - disse apenas para eu "tomar cuidado" pois "poderia ser algum maluco". Não deixaria de ir à polícia em casos assim, mas é fato que eles nem ligam. Nem se você aparecer fisicamente ferida.
Então, que coisas dizer para a pessoa que te canta na rua não querendo nem ouvir o que você tem a dizer sobre o assunto (gostei/não gostei)? Rapazes negros, brancos, novos, velhos, de uniforme e de terno, vão ter que ouvir alguma coisa, isso é verdade. E não vai ser uma coisa boazinha, já que eles não se preocuparam com seus sentimentos. É claro que será alguma coisa repressora, mas não precisa ser opressora. Ainda não ouvi um discurso sobre respeito à mulher tão eloquente em expressar a insatisfação de quem recebe a cantada quanto, por exemplo, apelar para o senso profissional e ético, mas ficaria feliz em adotá-lo caso ele existir. Aceito sugestões. Quem sabe chamar o cara de folgado, abusado... mesmo assim, não é um vocabulário muito grande. Para chegar a obter o apoio da polícia, é preciso ficar claro para todo mundo que está ouvindo que uma infração à ética da sociedade está ocorrendo. A ética da sociedade brasileira diz que temos que aguentar cantadas caladas... e que feminismo é coisa de "mal-comida", "frígida" e lésbica. Para não ouvir mais opiniões sobre sua vida sexual de alguém que já estava deliberadamente se intrometendo na mesma, Yasmin parece ter preferido falar em ética, e deixar bem claro para o sujeito que não estava gostando, já que passar encolhida e de cabeça baixa não parecia ser suficiente.
Quando eu era adolescente, autocentrada como todo adolescente, só me concentrava na minha vida interior ao andar na rua. Detestava as cantadas: só as via como interrupções da minha concentração. Hoje penso que, assim como o cara que me cantava não tava nem aí para a minha vida interior, eu não tava nem aí para a invisibilidade percebida dele. Hoje, cultivo a empatia; troco olhares por quem passo no caminho -- tento mostrar que sim, o reconheço como ser humano, quem sabe até um ser humano sexualmente interessante. Mas se o sujeito não me interessa sexualmente ou de outra forma, desvio o olhar e continuo com meus pensamentos. Ainda assim tem um ou outro que se vinga/se desespera e passa uma cantada verbal, quase enfia o nariz no meu caminho ao passar ou até toca em mim. Aí é desrespeito e posso até me sentir ameaçada. Dou razão a quem tem coragem de falar alguma coisa para reprimir isso, desde que não seja opressora. E acho que a Yasmin não foi.